terça-feira, 2 de janeiro de 2024

[Aparecido rasga o verbo] Era pra ser outra coisa

Aparecido Raimundo de Souza 

O CHICO MARRETA
conversa animadamente com seu pai. Seu velho gosta muito de ler. Quando está em casa, devora os livros de romances dos escritores mais famosos, como um faminto diante de um prato de comida. Todavia, em matéria de gramática para ser usada num simples bilhete, não sabe discernir um “O” de qualquer outro objeto redondo.
Chico Marreta:
— Pai, você sabe qual a diferença da palavra “Porquê” junto para “Por que” separado?
Pai:
— Essa até a cadelinha aqui de casa, a minha deliciosa Jujú, responde.
Chico Marreta:
— Então manda vê, já que ela está latindo lá no portão.
— Pois bem. “Porquê” junto tem chapeuzinho e “por que” separado não tem. “Porquê” junto é careca de nascença, nasceu calvo e “Por que” separado tem uma cabeleira bem cuidada tipo os da esfuziante Marília Mendonça.
Chico Marreta:
— Pelo amor de Deus, pai. Nada a ver.
Pai:
— E qual a diferença, seu sabichão?
— “Porquê” junto, com chapeuzinho, como o senhor mencionou é usado para apresentar um motivo e “Por que” separado, é quando se vai responder a uma pergunta formulada.

Pai:
— Manda outra.
Chico Marreta:
— “Haver” junto de “A ver” separado?
— “Haver” junto é quando duas pessoas estão olhando para a mesma coisa. Um pato nadando no espaço, ilustraria bem a minha visão. E “A ver” separado, é quando só uma pessoa está a espiar para algo que ainda não distinguiu a silhueta, como uma nota de duzentos reais dentro de uma privada suja de merda.
Chico Marreta:
— Errou feio, pai. “Haver” junto, é usado no sentido de existir, ou recuperar algo perdido e “A ver” separado é uma comparação relacionada a dizer algo. Vou mandar uma bem “facinha.” “Conserto” com “S” e “Concerto” com “C,?”
Pai:
— “Conserto” com “S” é um Conserto de um sapato furado, na sola da bunda, tipo uma camisa sem botão. Já “Concerto” com “C” é o sapato consertado e a camisa sem botão dispensada de qualquer tipo de serviço futuro a ser feito em seu esqueleto.
Chico Marreta:
— Pai, “Conserto com “S” se faz quando o senhor repara ou acerta alguma coisa que estava danificada e “Concerto” com “C” é quando o senhor vai ao teatro assistir a uma apresentação musical.

O pai se retorce na cadeira de balanço, se abre num sorriso engraçado ao tempo em que apanha um pedaço de pão com queijo trazido pela empregada e encara o filho:
— Agora é minha vez, seu espertinho. Me explica “Coser” com “S” e “Cozer” com “Z?”
Chico Marreta:
— Pai, essa é mel na chupeta. Com “S” dá a ideia de costurar. Com “Z” se usa quando se coloca alguma coisa numa panela para cozinhar. Quando a mãe cose as suas camisas rasgadas, ela cose com “S”. Quando faz as nossas refeições, ela coze com “Z”.
Pai:
— Estava careca de saber. Só queria ter certeza se você é um garoto estudioso e atento. Agora outra: A diferença de “Apreçar” com “Cê-cedilha” de “Apressar” com “Dois esses”?
Chico Marreta:
— Eu nem preciso pensar, pai. Respondo na lata. “Apreçar” com “Cê-cedilha” e quando o senhor, em seu trabalho lá no mercado, remarca os preços das mercadorias nas gôndolas com aquela maquininha chata. “Apressar” com “Dois esses” é quando o senhor dorme demais, perde a hora de ir para bater o cartão e sai acelerado feito um maluco.

Pai:
— Ok, sabichão. “Deferir” com “E” para “Diferir” com “I.?”
Chico Marreta:
— O senhor “Defere” com “E” ou concede um pedido meu, por exemplo, quando peço para sair com meus coleguinhas para ir jogar bola no campo perto do antigo aeroporto E “Diferir” com “I,” quando o senhor não desvincula o rosto de mamãe da carinha de dona Cristina, aquela moça com os atributos da Klara Castanho que tem idade pra ser a sua filha. Aliás, com quem o senhor está tendo um tumultuado enrosca bigode.

O pai, olha em direção da cozinha:
— Fala baixo seu idiota. Pare de gritar. Quer que a sua mãe escute e me arranque os poucos pentelhos que tenho nos buracos do nariz?
Chico Marreta:
— Desculpa, pai. A mãe não está. Foi ao mercado com a nossa empegada. Mas tome cuidado. Se ela descobre... seus “pulinhos”, o senhor dará com os burros n’água.
Pai (aos sussurros):
— Vamos mudar o rumo da conversa. Manda outra. Esquece o papo que estamos levando. Belinha pode chegar sem que notemos...

Chico Marreta:
— “Inflação” com “L” de “infração” com “R”.
Pai:
— Essa eu mato o pau e mostro a cobra...
Chico Marreta:
— Como é que é, pai?
Pai:
— Errei na colocação da frase. O certo é. Eu mato a cobra e mostro o pau... a ordem dos tratores, nesse caso, não altera o viaduto... tampouco a dos fatores invertidos não melindra o produto.
Chico Marreta (as gargalhadas):
— Cuidado para o senhor não se descuidar com a mamãe na hora de transar com ela. Ao invés de falar o nome da sua esposa, se esquecer e cair na esparrela ferindo uma das sagradas leis do matrimônio...

Furioso e descontrolado, o pai pula da cadeira de balanço, derruba o pão com queijo no tapete e parte com tudo para cima do filho e o agarra inopinadamente pela gola da camisa:
— Como é que é fedelho? Repita!
— Nada, pai. Só disse para o senhor tomar cuidado com a desvalorização do seu dinheiro e não cair sem paraquedas no quintal do vizinho e ainda por cima pisoteando uma lei.
O pai espuma de raiva e sem soltar o guri, vocifera:
— Não entendi, seu monte de verme. Desembuche. Que lei?
Chico Marreta:
— “Infração” com “R” é passar a mamãe para trás, violando o seu casamento de quinze anos. Se essa droga cair nos ouvidos dela, certamente o senhor a deixará pê da vida e fará (e Deus me livre se uma fofoqueira aqui da rua “bater pra ela às suas puladas de cerca.”) Se o senhor for descoberto por conta dessas suas fugidinhas com a dona Cristina...

O pai, completamente transtornado e fora de sua normalidade, parte de novo para cima do filho, e, desta feita, com mais fúria lhe descarrega uma chuvarada de fortes tapas no meio das ventas:
— Desgraçado, filho do capeta. Vou te comer vivo. E palitar os dentes com a sua língua ferina. Não fale nunca mais nessa dona Cristina aqui dentro de casa. Está proibido, ouviu?
Para fazer valer a sua superioridade, culmina tirando a cinta da calça e aplica umas boas lambadas nos costados do pobre garoto.
Em contínuo, se recompõe e manda a cartada final:
— Maldito. Fique E-S-P-E-R-T-O. Não me tire do sério...

Chico Marreta não se dá por vencido: Aos prantos, e se prostrando em arrepios das dores que lhe foram causadas em face dos açoites, segue na provocação ao pai. Berra.
— Experto com “X” ou com “S?!”
O sujeito desaba novamente, desta vez distribuindo tapas e bofetões no escutador de novelas do indefeso filho.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha no Espírito Santo, 2-1-2024

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