Paulo Sousa
O nosso companheiro José
Meireles Graça trouxe
aqui ontem um assunto pertinente e que realmente merece ser debatido
com seriedade.
Salto rapidamente a parte em
que tenho de dizer, e digo porque o sinto, que é bem-vindo quem vier por bem.
Mas antes desta ideia, existe uma outra mais abrangente e não menos válida, que
costumo resumir por “nem sempre, nem nunca”, querendo nestes termos dizer que
em tudo temos de procurar um equilíbrio.
A falta de bebés é uma
sentença que condicionará irremediavelmente as gerações futuras. Uma das
consequências deste inverno demográfico é a sustentabilidade da segurança
social, que não sendo pouco importante, é apenas uma das suas muitas
consequências. A diversidade social que resulta dos imigrantes que chegam, os
emigrantes que não conseguimos reter é uma outra lavra, irá alterar a nossa
sociedade nas próximas décadas. Confesso que gosto de diversidade, mas sei bem
que a natureza humana nos muniu de vários sistemas de defesa, de entre os quais
um que, perante o desconhecido, nos retrai. A génese de bichos gregários que
durante dezenas de milhares de anos nos ajudou a sobreviver num mundo pejado de
ameaças, faz disparar um alerta sempre que encontramos um indígena oriundo de
outra tribo. Sem novidade.
Ouvi há dias um viajante dizer
que quando começou a acumular países, encantava-se com as diferenças culturais
em que tropeçava, mas com o tempo passou a procurar aquilo que sente ter em
comum com aqueles com quem se cruza. Dizia ele, que depois disso, e perante
tanto em comum que o bicho humano tem em cada região do mundo, passou a
saborear muito mais cada quilómetro percorrido.
Dito isto, recebermos cinco mil imigrantes é diferente de recebermos cinquenta mil, e muito diferente de recebermos quinhentos mil. Dizem que o melting pot norte-americano é um dos factores por detrás do sucesso dos EUA na sua afirmação enquanto potência maior dos nossos tempos. Mas dizer isto não é suficiente. O Brasil é também um melting pot e, embora prenhe de recursos naturais, não foi tão bem-sucedido, nem um pouco mais ou menos. Poderia para aqui trazer muitas explicações para essa diferença, mas podemos simplificar a explicação com a forma diferente como estes dois países lidaram com aquilo que designamos como “estado de direito”. A igualdade de tratamento perante a lei, pressupõe instituições sólidas e capazes de esvaziar os impulsos dos que se sentem poderosos e privilegiados perante os mais simples ou indigentes. Isso existe nos EUA e nunca se comparou com o que existe no Brasil. E, perguntará quem me lê, o que é que isto tem a ver com o assunto do postal? Tem a ver na medida em que a serenidade com que a chegada de toda esta gente de diferentes latitudes ao nosso rectângulo, irá depender da solidez das nossas instituições. E isso, sabendo nós o que a casa gasta, não me deixa entusiasmado.
Os intelectos de fina
espessura já andam a espalhar a magia que se esperava. Para eles este é um
assunto sem matizes nem tonalidades. Mal o assunto é puxado, logo desatam a
distribuir carimbos. Adoram seres humanos, desde que sejam estrangeiros, e
odeiam os fascistas com a mesma intensidade com que desprezam o discurso de
ódio. E a sua definição de fascista incluiu todos os aqueles que não aplaudem a
sua cor partidária, passando pelo tipo que não faz pisca à saída das rotundas,
até ao vizinho que tem um carro melhor que o dele. Como é linear o mundo dos
simples!
Há uns anos, li algures (não
sei se isso continua válido) que a Austrália criou um modelo que atribui pontos
às diversas valências e capacidades aos estrangeiros requerentes de um
visto de trabalho. Idade, formação académica, nível de inglês, estado de saúde
e região de origem. Só quem reunisse mais de 100 pontos era autorizado a ali
poder trabalhar. Uma coisa parecida cá no burgo seria inaceitável, mas teria
impedido o aumento significativo de sem-abrigos que, segundo as notícias, está
em curso em Lisboa.
Como disse no início, o
assunto merece ser debatido com seriedade, mente aberta, sem sectarismos nem
dedos em riste. Mas bem sabemos que isso não irá acontecer. Vai ser mais do
mesmo, medidas avulsas, legislação a quente, debates de raspão e regados com emoções.
A treta do costume, quem vier depois que feche a porta.
Título e Texto: Paulo Sousa,
Delito
de Opinião, 30-1-2024
Manifestações [em Lisboa]
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