terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Os imigrantes

Paulo Sousa

O nosso companheiro José Meireles Graça trouxe aqui ontem um assunto pertinente e que realmente merece ser debatido com seriedade.

Salto rapidamente a parte em que tenho de dizer, e digo porque o sinto, que é bem-vindo quem vier por bem. Mas antes desta ideia, existe uma outra mais abrangente e não menos válida, que costumo resumir por “nem sempre, nem nunca”, querendo nestes termos dizer que em tudo temos de procurar um equilíbrio.

A falta de bebés é uma sentença que condicionará irremediavelmente as gerações futuras. Uma das consequências deste inverno demográfico é a sustentabilidade da segurança social, que não sendo pouco importante, é apenas uma das suas muitas consequências. A diversidade social que resulta dos imigrantes que chegam, os emigrantes que não conseguimos reter é uma outra lavra, irá alterar a nossa sociedade nas próximas décadas. Confesso que gosto de diversidade, mas sei bem que a natureza humana nos muniu de vários sistemas de defesa, de entre os quais um que, perante o desconhecido, nos retrai. A génese de bichos gregários que durante dezenas de milhares de anos nos ajudou a sobreviver num mundo pejado de ameaças, faz disparar um alerta sempre que encontramos um indígena oriundo de outra tribo. Sem novidade.

Ouvi há dias um viajante dizer que quando começou a acumular países, encantava-se com as diferenças culturais em que tropeçava, mas com o tempo passou a procurar aquilo que sente ter em comum com aqueles com quem se cruza. Dizia ele, que depois disso, e perante tanto em comum que o bicho humano tem em cada região do mundo, passou a saborear muito mais cada quilómetro percorrido.

Dito isto, recebermos cinco mil imigrantes é diferente de recebermos cinquenta mil, e muito diferente de recebermos quinhentos mil. Dizem que o melting pot norte-americano é um dos factores por detrás do sucesso dos EUA na sua afirmação enquanto potência maior dos nossos tempos. Mas dizer isto não é suficiente. O Brasil é também um melting pot e, embora prenhe de recursos naturais, não foi tão bem-sucedido, nem um pouco mais ou menos. Poderia para aqui trazer muitas explicações para essa diferença, mas podemos simplificar a explicação com a forma diferente como estes dois países lidaram com aquilo que designamos como “estado de direito”. A igualdade de tratamento perante a lei, pressupõe instituições sólidas e capazes de esvaziar os impulsos dos que se sentem poderosos e privilegiados perante os mais simples ou indigentes. Isso existe nos EUA e nunca se comparou com o que existe no Brasil. E, perguntará quem me lê, o que é que isto tem a ver com o assunto do postal? Tem a ver na medida em que a serenidade com que a chegada de toda esta gente de diferentes latitudes ao nosso rectângulo, irá depender da solidez das nossas instituições. E isso, sabendo nós o que a casa gasta, não me deixa entusiasmado.

Os intelectos de fina espessura já andam a espalhar a magia que se esperava. Para eles este é um assunto sem matizes nem tonalidades. Mal o assunto é puxado, logo desatam a distribuir carimbos. Adoram seres humanos, desde que sejam estrangeiros, e odeiam os fascistas com a mesma intensidade com que desprezam o discurso de ódio. E a sua definição de fascista incluiu todos os aqueles que não aplaudem a sua cor partidária, passando pelo tipo que não faz pisca à saída das rotundas, até ao vizinho que tem um carro melhor que o dele. Como é linear o mundo dos simples!

Há uns anos, li algures (não sei se isso continua válido) que a Austrália criou um modelo que atribui pontos às diversas valências e capacidades aos estrangeiros requerentes de um visto de trabalho. Idade, formação académica, nível de inglês, estado de saúde e região de origem. Só quem reunisse mais de 100 pontos era autorizado a ali poder trabalhar. Uma coisa parecida cá no burgo seria inaceitável, mas teria impedido o aumento significativo de sem-abrigos que, segundo as notícias, está em curso em Lisboa.

Como disse no início, o assunto merece ser debatido com seriedade, mente aberta, sem sectarismos nem dedos em riste. Mas bem sabemos que isso não irá acontecer. Vai ser mais do mesmo, medidas avulsas, legislação a quente, debates de raspão e regados com emoções. A treta do costume, quem vier depois que feche a porta.

Título e Texto: Paulo Sousa, Delito de Opinião, 30-1-2024

Relacionado:
Manifestações [em Lisboa]

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-