sábado, 20 de janeiro de 2024

[Versos de través] O outro Brasil que vem aí


Gilberto Freyre


Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.

O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três
[raças]
terão as cores das profissões e das regiões.
As mulheres do Brasil em vez de cores boreais
terão as cores variamente tropicais.

Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero
[o Brasil,]
todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o
[doutor]
o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o
[semibranco.]

Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funileiro
carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil

que tenha olhos para ver o Brasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil
coragem de morrer pelo Brasil
ânimo de viver pelo Brasil
mãos para agir pelo Brasil
mãos de escultor que saibam lidar com o barro
[forte e novo dos Brasis]
mãos de engenheiro que lidem com ingresias e
[tratores]
[europeu e norte-americanos a serviço do Brasil]
mãos sem anéis (que os anéis não deixam o
[homem criar nem trabalhar)]

mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternais de todas as cores
mãos desiguais que trabalhem por um Brasil
[sem Azeredos,]
sem Irineus
sem Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem mistificadores.

Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos

de padres benzendo afilhados
de mestres guiando aprendizes
de irmãos ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando

de doutores curando
de cozinheiras cozinhando
de vaqueiros tirando leite de vacas chamadas
[comadres dos homens.]

Mãos brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
sindicais
fraternais.

Eu ouço vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí.


Gilberto Freyre, 1926

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