Carina Bratt
FIQUEI SABENDO que você irá embora. E o fará de vez, numa viagem sem retorno. Numa caminhada sem volta. Como? Fácil. Um passarinho me contou que o céu bonito que vejo lá no alto, fechará os olhos ao entardecer, ao tempo em que um silêncio sepulcral cobrirá tudo com um manto negro e intransponível. Rogo, antes que isso aconteça, me deixe dizer algumas poucas palavras: saiba, foi uma honra, todo esse tempo, tê-lo por perto!
Mesmo quando cortaram meus galhos para fazerem uso indevido ou servir de lenha em ajuntamentos de finais de semana regados a churrascos e bebidas as mais diversas. Quando também pisaram sem dó nem piedade nas minhas raízes, criaturas as mais infames correndo atrás de coisas apressadas e no mesmo espaço me esqueceram por semanas e semanas a fio largada ao deus-dará.
Acredita, eu vi casais se amando. Presenciei abraços longos e beijos amorosos, brigas acirradas e sem motivos sob minha acolhedora sombra. Em oposto, me senti viva ao presenciar piqueniques onde as risadas e os regozijos se faziam mais barulhentos que os trovões. Vi crianças desenhando sonhos na terra ao meu redor. Juras de amor em formato de corações em meu tronco. E ouvi muitas criaturas chorarem, tendo as suas cabeças encostadas em meus pés, como se eu tivesse o poder de suportar o peso de suas dores e aflições.
Guardo com carinho, todas essas lembranças enleadas e absorvidas em minha casca, ao tempo em que tento manter viva e pulsante, tudo, tudo, como cicatrizes de lembranças imorredouras. Por assim, se você, meu velho e querido Mundo, de fato, acabar hoje… saiba que fui feliz em estar aqui com você. E nunca se esqueça: enquanto houver vento soprando, eu me revigorarei por aí, renascerei das cinzas como aquela Fênix em algum lugar no meio do nada.
E não só isso: me alimentarei de todos esses sonhos e dádivas que me foram ofertados em forma de presentes. Eles me farão ser eterna vivenciando cada momento passado nesse auspicioso pedacinho de chão dessa rua sem saída que você nunca deu valor. Melhor dito, essa árvore que você jamais notou, ou levou em conta que eu estava bem aqui, sempre pronta, enquanto você, meu amado Mundo, por um breve minuto ou segundo se voltou para apreciar a beleza da minha presença.
E o pior, na maioria das vezes você se dignou a dar um tempo. Um tempo pequeno que fosse para parar e se reformular, se reorganizar e repensar no que fazer, ou como agir diante das intempéries que essa enorme galera da Terra (os Seres Humanos) insistia em lhe amedrontar, dia após dia, minuto após minuto, numa espécie insana de sorvedouro, como se fosse um tremendo redemoinho sem volta. Agora você partirá, se ausentará e tudo por aqui voltará a ser pó.
Assinado, a árvore amiga dessa rua que você
jamais levou em consideração, sem notar por um segundo que fosse que eu estava
bem aqui, sempre pronta, enquanto você, meu amado Mundo, por um milésimo de
minuto que fosse, se dignou a se voltar para apreciar a beleza da minha suave e
doce presença.
‘Adeus””.
Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 6-7-2025
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Foi assim que surgiu o ‘espelho que queimava’
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Todos esses ‘anônimos’ merecem ser lembrados
Um dia todos nós partiremos daqui
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