A História, como advertiu
Hegel, avança em espiral: repete-se em novas formas, mas preserva a essência de
certas tragédias. Em 1794, no auge da Revolução Francesa, esse destino
paradoxal ficou marcado pela guilhotina que atingiu tanto Antoine Lavoisier, o
cientista da razão e do progresso, quanto Maximilien Robespierre, o
revolucionário que pregava a virtude como fundamento da República. Ambos, por
motivos distintos, foram engolidos pela mesma engrenagem política que ajudaram
a sustentar.
Esse duplo episódio revela uma
lição universal: regimes sustentados pelo medo, pela corrupção e pela lógica do
poder absoluto não distinguem saber de virtude. Reduzem tudo à utilidade
imediata. Como observa Hannah Arendt, no totalitarismo “não há espaço para a
ação como expressão de singularidade” — todos se tornam intercambiáveis diante
da máquina impessoal do poder (Arendt, Origens do Totalitarismo).
No Brasil, essa tragédia reaparece em diferentes momentos. Getúlio Vargas, que se apresentara como restaurador da democracia contra as oligarquias, instaurou em 1937 o Estado Novo, suspendendo garantias constitucionais e silenciando a crítica. Em 1964, os militares tomaram o poder sob o pretexto de defender a liberdade contra o comunismo, com o apoio de governadores, empresários, civis e até do jornalista Roberto Marinho, instaurando, no entanto, um regime de censura. Mais recentemente, sindicalistas condenados e políticos ungidos por uma contagem eleitoral duvidosa — alguns sequer eleitos — sequestraram o sentido da democracia, confundindo-a com lealdade pessoal. Assim, trataram opositores como inimigos, reduziram divergência a traição e repetiram os velhos erros que a História insiste em ensinar.
O paralelismo com Robespierre
é inevitável: em nome da virtude, erguem-se tribunais de exceção; em nome da
igualdade ou da salvação nacional, justifica-se a supressão da pluralidade.
Montesquieu já advertira, em O Espírito das Leis: “todo homem que tem poder é
levado a abusar dele; vai até encontrar limites”. Quando esses limites
desaparecem, virtude vira tirania e justiça se degenera em vingança.
A sina de Lavoisier também
ecoa entre nós. O desprezo pela razão, pelo conhecimento e pela verdade
repete-se ciclicamente. O célebre veredito de seu julgamento — “a República não
precisa de sábios” — encontra paralelo nas tentativas contemporâneas de deslegitimar
a oposição, sufocar a crítica, censurar a internet ou prender pessoas por
crimes inexistentes, sem devido processo legal. Sempre que alguém ousa mostrar
que “o rei está nu”, a máquina do poder reage. Sérgio Buarque de Holanda, em
Raízes do Brasil, já advertia: não basta importar instituições democráticas; é
preciso cultivar um espírito democrático, que reconheça a crítica e o saber
como condições essenciais da vida pública.
O fio condutor é sempre o
mesmo: a política fundada no medo e na desconfiança da razão corrói as próprias
bases da democracia. O poder que se pretende absoluto, mesmo travestido de
virtude ou de defesa do chamado Estado Democrático de Direito, carrega em si a
semente de sua destruição.
A lição de 1794 permanece
atual: regimes que tentam transformar mentira em verdade e democracia em
tirania caminham sempre à beira de sua própria guilhotina. Quando a virtude e a
razão desaparecem, a lâmina fria não hesita em cortar — sem piedade — o pescoço
do ditador e de todos aqueles que se beneficiaram de um sistema que ruía,
podre, desde dentro.
Título, Imagem e Texto: Marcelo
Lins, Facebook,
21-8-2025
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