sexta-feira, 14 de novembro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Tipo assim: meus dias em formatos cada vez mais curtos

Aparecido Raimundo de Souza

O MEU PASSADO me oblitera. Me despe inteiro da cabeça aos pés por métodos antiquados e obsoletos. Me deixa sem o envoltório que cobre o meu recato e a minha vergonha, e o faz sem me dar a chance de pedir que pare com as suas cadências tresloucadas como aquelas músicas nojentas e “inescutáveis” (ou tudo aquilo que causa um tremendo asco ao ser ouvido) de uma tal Jojo Maronttinni. Esse ontem me desnuda ainda de coisas que deixei urgentemente de fazer.

Por conseguinte, o meu hoje, navegando em idênticas águas revoltas, vai na onda e também me mostra pelado, como o “Zé Povinho”, as mãos trêmulas tentando tamponar a vergonha do esdrúxulo sem saída, destituído de tudo, sem mencionar os falatórios de pessoas com olhos ignominiosos me atropelando cada centímetro como se eu fosse uma espécie de aberração extraterrena pior que o Mula-fula, com aquela voz de taquara cheia de abelhas “zangonadas”.

Para aqueles que não sabem, (“zangonada” deve ser entendida como um ponto acima de qualquer merda exasperada pior que um ex-condenado, ou comedor de picanhas achadas em monturos de lixo, ou pior, lambendo o traseiro sujo de uma vagaba e fazendo a desgraçada inventar e vomitar palavras de ordem, com frases lambuzadas de canjas de galinhas do tipo “quem precisa ser punida é a menor despudorada que se mostra por inteira, jamais o estuprador inocente que ousou abusar dela”).

Por conta disso, voltando ao foco, eu, nu em pelo, sou alvo fácil representando sem retoques todos os meus pecados e dissabores num palco gigantesco dessa vida torta e capenga. Em paralelo, sei que existe pelos recantos dos bastidores, uma existência de presságios malfadados que não vieram à tona. De contrapeso, apesar de todas as desinquietações, conscientizo que o pior ainda está por vir. Tenho ciência de que me resta um tempo alongado, um tempo sem tempo de me dar tempo.

Ao menos um espaço para que eu possa enfrentar as escabrosidades seguintes que me aguardam e sei, pressinto, estão à espreita, logo ali, talvez na próxima esquina. Pois bem! Nesse espetáculo pra lá de surreal, me vejo na pele de Daniel (não o cantor de Brotas), referencio aquele discípulo bíblico que foi jogado na cova de leões famintos servindo seu humilde corpo de divertimento para o alvoroço de um ritual macabro. Antevejo, estarrecido, de novo, voltando ao foco, uma plateia imensa de vermes travestidos de seres humanos.

Vislumbro mais. Animais ferozes da nossa sociedade tida como “onrada” com as suas bocas famintas e grotescas me direcionando com uma batelada de nomes os mais horrendos, ao tempo em que me martirizam com olhares transgressores e fatídicos. Visões iracundas me dão conta de facínoras vestidos em impecáveis terninhos de grifes famosas, que se prestam a me olharem e aplaudirem, me condenando, me censurando, me xingando e o pior de tudo, me crucificando. E eu nem passei batom na bunda da depravada estátua que enlameia e suja o frontispício do “cuquepula”, perdão da cúpula do STF.

De contrapeso, existe um emaranhado de figuras como Pedir MaisCedo, Vaideespirro Sentiago e Silassalas Malafefaia, me reprovando até os ossos, como se eu fosse, (apesar das burrices e dos rumos que entendi serem os melhores), um ser ignóbil e inútil. Um endiabrado propiciado a não ter perdão, e, em consequência, caminhando a largos passos para os confins do mais tenebroso dos infernizados. Em dias de hoje, deixo claro, vivo, ou melhor, vegeto lembranças de pequenos gestos que sobreviveram e ficaram após uma porção de amores e amigos (notadamente amigos) que me pareciam acima de suspeitas, por menores que fossem essas desconfianças.

Esses amores e amigos não foram o que eu esperava! Ao incerto do cotidiano, tento seguir de cabeça erguida, como o RRRRRS Soares (sem suar e sem soar), olhando pra frente, vislumbrando a moral pisoteada, mas levantada. Luto incansavelmente para não deixar morrer os poucos recursos de velhos resquícios de afetos sem os artifícios das desilusões mais estapafúrdicas. Momentos que considero flagelados e macerados, torturantes e atrozes. De modo meio que deturpado, sigo adiante. Resisto, teimoso. Em cada novo passo dado, revejo cenas que gostaria de esquecer pondo uma pedra enorme em cima.

Quando falo em pedra, penso numa robusta, conhecida como a Malala Yousafzai, que ao menos destrua as pessoas falsificadas e corrompidas que ainda agora vivem e vegetam ao meu redor. Vidas vazias e ignominiosas que em tempos não distanciados apregoavam me quererem bem, ou pelo menos fingiam amores em abraços e gestos mentirosos e truncados. Criaturas (não todas), é bem verdade, dentre elas, algumas escaparam. Poucas, a se contarem nos dedos. Almas escassas, de corações abertos, de solidariedades venturosas que me amaram sem máscaras e subterfúgios, levadas inclusive, pela total falta do bom senso e desrespeito advindos da minha parte.

Essas almas gloriosas, numa determinada curva do caminho, em face dos anos vividos, morreram adoecidas. Feneceram de um inexplicável taciturno. As maledicentes que ainda estão respirando, seguem acreditando “ministrando” que eu seja uma repugnância errante e de sangue vampiresco correndo nas veias. Ledo engano! Apesar de todos os contras que me martirizam, almejo ter a oportunidade de encontrar em algum lugar aqueles verdadeiros filhos de Deus e suas imorredouras ternuras benfazejas.

Se tal milagre acontecer, juro caminhar com eles sem pressa do mais simples ao mais profundo. Voltar a sentir no peito a renovação motivadora, como uma espécie de ritual sagrado que me propicie, ao menos, gozar novamente da tranquilidade sem precisar dar canetadas. Diante desse quadro lúgubre, ainda sonho acordado em regredir ao meu ontem e sentir, e não só sentir, ouvir fluindo de dentro de meu “eu interior”, a maviosidade do hino insubstituível do desejo contido.

Espero reviver e bailar os instantes apaixonados de um amor que se encaixou em mim, que se fortaleceu como lampejos, ainda que por breves momentos no sempiterno da Felicidade, e, de roldão, me aninhar junto com ela na tão procurada e almejada PAZ.  Queria, por fim, sorver o gozo da jornada perdida e abandonar, de uma vez por todas, essa ignominiosa e desonrosa espécie rara de síndrome demencial que se abateu sobre mim.

Depois disso, oxalá o Pai Eterno (eu disse o “Pai Eterno”) me faça desaparecer da face da Terra ou de onde eu estiver. Que me empurre para o declínio, me consumindo de vez, sem volta, sem talvez, sem hoje, sem agora, tipo assim, como se me visse envolto em grãos de areia em meio um deserto infindo, escaldante e inclemente, renascendo das águas do Paranoá, como a Fênix mitológica das cinzas dos meus próprios escombros.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 14-11-2025

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