Carina Bratt
DESDE CRIANÇA, sempre ouvi histórias sobre a dualidade da alma. A ideia de que, dentro de nós, existe um ‘outro eu’ que pode ser totalmente diferente do que mostramos ao mundo me fascinava. Aliás, perdão, acima me tudo, ainda agora me tira do sério. No entanto, foi só na adolescência que comecei a perceber a profundidade desse conceito. Em momentos de reflexão, às vezes me pego pensando em quem euzinha realmente sou. Existe uma parte de mim que é tímida e introspectiva, que se esconde atrás de sorrisos e conversas superficiais. Esse ‘eu’ é um observador. Alguém que sente tudo com uma intensidade quase dolorosa, mas que evita se expor.
Ao mesmo tempo, há um outro ‘eu’ que anseia por liberdade e autenticidade, que quer gritar suas verdades e se conectar profundamente com os outros. O confronto entre esses dois ‘eus’ é como uma dança de esqueletos em sintonia desconexa, ou pior, destoada da ausência de entrosamento. Em dias mais leves, a confiança prevalece permitindo que eu me expresse plenamente. Mas, em dias mais pesados, a timidez assume o controle, criando um abismo entre quem sou e quem as pessoas acreditam que eu seja na verdadeira acepção da palavra. É nesse espaço entre o visível e o oculto que o meu ‘eu desconhecido’ habita. Refletindo sobre isso, percebo que o autoconhecimento é uma jornada de caminhada constante.
Em cada interação, em cada novo desafio, descubro vislumbrada fragmentos desse meu ‘eu’ escondido. São revelações sutis: uma ideia que surge durante uma conversa, um desejo que me invade ao olhar para o céu, uma emoção que me surpreende em meio ao cotidiano. Cada pequena descoberta me aproxima do que sou de verdade, mas também me lembra de como é fácil se perder nas expectativas alheias. Às vezes, minhas amigas e leitoras de todos os domingos, sinto um medo tétrico de explorar esse outro ‘eu.’ E se, ao revelá-lo, eu desapontar as pessoas ao meu redor? Ou a mim mesma? Pior é desapontar a mim mesma. Essa dúvida cruel pode ser paralisante, mas também, cá entre nós, é um convite ao crescimento.
Afinal, é na vulnerabilidade que encontramos o que os entendidos em maluquices e conexões consideradas genuínas seguram pelos cabelos o ponto ‘G.’ Quando nos permitimos ser autênticos, mesmo que isso signifique expor nossas fraquezas publicamente, criamos espaço para que os outros façam o mesmo. A busca por meu outro ‘eu’ desconhecido dentro de mim, é, portanto, um exercício de coragem. À medida que me aventuro por esse território inexplorado, percebo que não estou sozinha. Todos nós temos nossos mistérios e inseguranças. Em última análise, essa jornada não é apenas sobre descobrir quem sou, mas sobre abraçar a complexidade da condição humana. Melhor dito, da minha condição humana.
Assim, ‘eu’–, Carina, sigo em frente. Caminho de cabeça erguida, como se tivesse o pescoço comprido de uma girafa fofoqueira. Pensem numa girafa fofoqueira. Sempre me capturo disposta a conhecer cada aspecto de mim mesma olhando bem lá do alto. Com o tempo, espero que esse ‘eu’ desconhecido (de tanto eu espiar), se torne menos um enigma e mais uma parte integrada do que sou, permitindo que eu viva plenamente, em todas as minhas nuances, essa vida maravilhosa que Deus me deu de presente sem pedir nada em troca. A timidez que às vezes teima em colar nos meus costados, pode ser causada por uma combinação de fatores emocionais, psicológicos e sociais. Aqui estão alguns dos que considero os principais.
Experiências passadas: situações de rejeição, humilhação ou críticas na infância ou adolescência podem deixar marcas duradouras e contribuir para a timidez. Autoestima baixa: Pessoas que não se sentem bem consigo mesmas ou que têm uma autoimagem negativa podem se sentir mais inibidas em situações sociais. Ansiedade de risco. A timidez está frequentemente ligada à ansiedade social, que envolve o medo intenso de ser julgado ou avaliado negativamente pelos outros. Personalidade: traços de personalidade, como ser mais introvertida, podem predispor alguém como eu a ser mais tímida. Pressão social: normas e expectativas sociais podem criar uma sensação de pressão, levando à timidez em ambientes onde se espera uma interação mais extrovertida.
Fatores culturais obviamente também se fazem presentes: algumas culturas valorizam a modéstia e a reserva, o que pode incentivar comportamentos tímidos. Para finalizar as minhas ‘Danações,’ desse domingo maravilhoso, eu sinalizaria a falta de prática. De prática? Isso mesmo, ou a falta de oportunidades para interagir socialmente pode resultar em uma habilidade social menos desenvolvida, aumentando a timidez. Reconhecer esses fatores acima pontuados, minhas queridas leitoras e amigas de todos os domingos da grande ‘Família Cão que Fuma’ é o primeiro passo –, vejam bem –, o pontapé inicial para lidar com a chatice da timidez e buscar novas formas de superá-la e mandá-la de mala e cuia para a casa do compadre Carvalho.
Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo, 29-9-2024
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