domingo, 15 de setembro de 2024

[As danações de Carina] Deu BEÓ

Carina Bratt

BEBEL E ANA ALICE
conversam. Não é exatamente o que se pode cognominar de um diálogo amigável. A coisa está mais para uma quase possessão embaraçosa ‘meio que às portas’ de atingir nervosa desavença a ser estourada. De um momento para outro, as duas partirão para os afagos carinhosos das vias de fatos. Bebel fala: — Respondendo à sua pergunta, amiga Ana, gosto de dormir esfregando os pés.
Ana Alice: — Que loucura! Posso saber esfregando os pés em quê?
Bebel: — Vai me dizer que você não sabe?
Ana Alice: — Eu? Claro que não. Acaso ando colada em você!
Bebel: — Não se faça de santa...

Ana Alice: — Não estou me fazendo. Diz ai, Bebel, quem é que dorme com você? Até onde sei, cada dia é um bezerro desmamado diferente que pinta na sua área, digo, no seu quarto...
Bebel: — E daí? O que você tem a ver com isso? Na sua ‘Bun-Nada não vai dinha?’ Está me chamando de meretriz?
Ana Alice: — Claro que não. Fiz apenas uma observação. Por sinal...
Bebel: — Por sinal de muito mau gosto, sua nojenta.
Ana Alice: — Desculpe. Mal ou mau?!

Bebel: — Os três. Voltando à sua indagação. Isso lá é pergunta que se faça, sua descarada? Quem dorme comigo é o Eduardo Buraco de Ozônio.
Ana Alice: — Quem?
Bebel: — O Eduardo Buraco de Ozônio, conhecido pelo apelido de Síndrome de Guillain-Barré.
Ana Alice: — Nunca ouvi falar nesse Barré. Seria essa criatura uma pessoinha feita de barro —, palavra oriunda do inglês barret?
Bebel: — Ana, você para passar à categoria de jumenta só está faltando sentar no meio fio aqui da rua e latir...

Ana Alice: — Jumenta, sua energúmena, não senta no meio fio, nem late...
Bebel: — Então não está faltando nada.
Ana Alice: — Calma, olha o coração. Voltando ao passado... você não namorava o Zé Suíno?
Bebel: — Sim, namorava. Trocamos algumas noites no bem bom. Por sinal, depois do rala e rola, nem dormia. Ele roncava muito e soltava uns puns cheirando a comida podre.
Ana Alice: — E só por esse motivo você largou daquele vistoso coroa? Que desperdício!

Bebel: — Não, sua idiota...
Bebel toma fôlego e segue explicando: —... Larguei do Zé por uma série de outros pequenos fatores. Ele cheirava a chiqueiro. Apesar da vara... quando íamos para a cama, eu tinha a impressão de que me deitava com um javali... daí me dedicar agora somente ao Buraco do buraco de Ozónio.
Ana Alice: — Calma aí: javali ou suíno?
Bebel: — Sei lá...
Ana Alice: — Me fale da vara... como era?
Bebel: — Você está de sacanagem comigo, amiga? Vou acabar perdendo as estribeiras. Vara é o coletivo de porcos. Uma cambada de porcos...

Ana Alice: — Ok. Mas entre chiqueiros e pocilgas —, ou melhor —, partindo para os ‘finalmente...’ a vara do suíno não se fazia saborosa, robusta, potente e mastigável? Palavras suas, amiga...
Bebel, meio fora de si, enfeza os traços faciais: — Ana Alice? Você tem mãe?
Ana Alice: — Que pergunta mais sem propósito! A minha mãe não batizou o seu leitãozinho?
Bebel: — Você está chamando meu rebento de leitão? Pior, de leitãozinho?
Ana Alice: — Maneira carinhosa de...

Bebel, ataca. Parte para o confronto: — Carinhosa coisíssima nenhuma, sua vadia. Leitãozinho é o marido viúvo da sua mãe divorciada.
O tempo fecha o rosto numa espécie de caricatura mal-ajambrada. No minuto seguinte, entra em campo uma farta distribuição gratuita de porradas e palavrões cabeludos. Cada um pior que o outro, bem ainda uma série de socos, unhadas, beliscões, pernadas, sapatadas, puxões de cabelos e dentadas, culminando o quadro dantesco com as rasgações de roupas. Ambas as jovens, de repente, ficam como vieram ao mundo: peladas.

Uma viatura, por acaso cruza a rua principal e se depara com o fuzuê a todo vapor. O motorista estanca, apressado, os passos —, mil perdões —, mete os pés com tudo, nos freios. Seus ocupantes —, quatro soldados parrudos saltam diligentes e impacientes tentando pôr um final feliz no fuzuê. Em contínuo, não logrando êxito na empreitada, os fardados, adotando esforços hercúleos, finalmente conseguem algemar e levar (sobre uma barulhenta chuva de vaias e protestos dos transeuntes que se agrupavam para assistirem ao espetáculo das peladonas com seus rostos, narizes, braços e pernas sangrando aos borbotões).

Após passarem pela unidade do postinho de saúde e serem medicadas, seguem para as dependências da delegacia policial local.

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha no Espírito Santo, 15-9-2024

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