Carina Bratt
EMANUELLE ESTAVA encantada com a sua viagem à distante e quase perdida cidade de Bons Ventos da Serra. Distava uma hora e quarenta de voo da capital onde morava. Pouco antes de pousar, foi saudada por um céu de um azul inconfundível e lá embaixo, uma vista maravilhosa de um lugarejo que parecia saído de um conto de fadas. Ao descer, sentiu a atmosfera vibrante se expandindo, contracenando elegantemente com as cores vivas das fachadas das casas simples e o aroma das árvores que circundavam uma calçada seguida de um mar calmo e sereno. Tudo ali se encaixava exatamente naquilo que ela havia imaginado para suas férias de uma semana. Esfomeada, procurou o hotel para o qual havia ligado e reservado aposentos.
O hotel, ou melhor, o chalé, ficava colado a um
restaurante aconchegante, cujo endereço não demorou a encontrar assim que se
viu na praça principal. Após a hospedagem, banho tomado, roupas trocadas,
desceu para o almoço. Barriguinha cheia, resolveu explorar a localidade. Seguiu
pela praça, atravessou a velha estação de trem e, sem se aperceber, pegou a
estrada que emparelhava com o mar silencioso de águas calmas. A beleza
inebriante também veio acompanhada de um labirinto de ruas e vielas estreitas,
além de becos tortuosos, de subidas e descidas que pareciam se transformar a
cada esquina. Foi em uma dessas ruas, depois de um almoço especialmente
delicioso à base de arroz e carne assada, que Emanuelle se perdeu.
Estava completamente absorvida pela conversa animada com um rapaz que conhecera ainda no terminal do pequeno aeroporto logo após descer do avião. O jovem lhe recomendara uma pizzaria perto do farol, onde se servia uns lanches maravilhosos, segundo ele, ‘os melhores da cidade.’ Quando finalmente ergueu a cabeça e decidiu voltar à sua realidade, percebeu que o ambiente familiar das ruas conhecidas tinha dado lugar a uma paisagem desconhecida. O pânico começou a se instalar. Aquelas ruelas estavam mais estreitas, o cheiro dos frutos do mar tinha dado lugar a aromas indeterminados e as pessoas que passavam se faziam diferentes das que ela havia visto antes. Ela se perguntava se cometera algum erro ao seguir as instruções ou se estava, de fato, em uma parte da cidade que poucos turistas conheciam.
Tentou usar o GPS do celular, mas a conexão era
oscilante e instável, e o mapa parecia se mover por conta própria, como se
estivesse jogando um jogo de esconde-esconde. Decidiu procurar alguém para
pedir ajuda, todavia, as ruas e seus desvãos pareciam desertas e silenciosas. O
tempo começava a escurecer, e a sensação de deslocamento aumentava com a
diminuição da luz do dia. A sorte de Emanuelle mudou quando encontrou uma
pequena loja de artesanatos com uma vitrine repleta de coloridos itens locais.
O proprietário, um homem idoso, já passando dos setenta, com um bigode branco
como a neve, estava sentado à entrada, trabalhando em um delicado mosaico de
cerâmica. Ele levantou o olhar e, com um sorriso caloroso, depois de trocar
algumas palavras, convidou-a a entrar.
Emanuelle explicou a sua situação, e o homem a
ouviu atentamente. Ele a tranquilizou e a convidou para um café. Em seguida,
com uma paciência serena, o idoso desenhou um mapa rudimentar em um pedaço de
papel de embrulho. Seus olhos brilhavam com uma sabedoria tranquila, e suas
instruções se tornaram precisas e calmas. ‘Às vezes,’ - disse ele com um leve
sorriso – ‘se perder é a melhor maneira de encontrar algo novo." Seguindo
o mapa, minutos depois, Emanuelle se pegou guiada de volta às ruas familiares e
finalmente retornou ao seu local de descanso. Naquela noite, enquanto jantava e
via tevê, refletiu sobre o primeiro dia. Percebeu que o pequeno extravio pelo
qual passara tinha sido, de fato, uma bênção disfarçada de algo bonançoso. A
sensação de estar completamente fora de seu elemento, havia sido uma
experiência enriquecedora, lhe permitindo explorar aspectos de uma região que
ela nunca teria descoberto de outra forma.
O turismo solitário, resumindo esse meu textinho
bucólico desse domingo, muitas vezes se modifica no instante em que o novo e o
desconhecido, de uma só vez, se fazem presentes. Foi através de seu desvio
inesperado de rota, num lugarejo esquecido nos confins do nada, que Emanuelle
encontrou um pedaço autêntico da cidade e, de contrapeso, uma lição valiosa e
importante sobre a jornada que fez nessa descoberta ao acaso. Assim, ao se
perder, acabou se encontrando a si mesma, bem como ao seu âmago frangalhado, dentro
de uma realidade pujante e avassaladora. Concluiu, sorridente, que a sua
vidinha corrida e atabalhoada, vivida nos grandes centros, composta por uma
rotina agitada, seu "eu" interior nem sabia existir fluindo como um
rio manso e acolhedor dentro de seu coração e de sua alma.
Título e Texto: Carina Bratt, de Vinhedo, interior de São Paulo, 11-8-2024
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