sexta-feira, 30 de agosto de 2024

[Aparecido rasga o verbo] Meus Pecados de Amor

Aparecido Raimundo de Souza

AS PESSOAS entendidas no assunto afirmam categoricamente que o amor se apresenta para nós, simples mortais bobocas e quadrados, sem aquela visão frágil do verdadeiro coração apaixonado, como um bem sublime, uma coisa intocável que dura para sempre. O gostar de alguém, para essas cabeças, age dentro de nosso âmago como se fosse uma coisa imorredoura. Se mostra aos nossos esbugalhados em sua totalidade, se deixa ver por inteiro, sem meios termos, como uma chave à fenda do paraíso Adão e Eva, um sublime que, na maioria das oportunidades, deixamos ficar (às vezes, por erro grosseiro, noutras pela falta de entendimento). Dito de forma mais ampla: abandonado esse gostar de alguém ao deus-dará, em algum lugar esquecido dentro da nossa cegueira mais estapafúrdica.

O amor, no meu entender, posso estar errado, é um tumor que nos devora a alma. Como tumor, fode o nosso “eu” até os fundilhos das nossas entranhas. Porém, visto por outra ótica, transforma todo o nosso escondido, “TODO,” de cabo a rabo. Pergunto, pois, às queridas amigas e amadas leitoras e, claro, aos amigos que nesse momento estão a ler meu texto: será? Pois bem! Nessa linha, é exatamente sobre o meu pecado de amor (ou pecados) que desejo explorar esse sentimento paradoxal que se entrelaça com a essência da minha existência, misturando o doce e o amargo, o certo e o incerto, o ontem e o hoje, o agora e o depois, o claro e o escuro, o mel da chupeta e o fel da separação.

O amor, senhoras e senhores, em sua plenitude, não passa de um enigma. É o pecado excelso (pode até não ser) pelo qual nos culpamos sem remorsos. É a violação bancarrotada mais gostosa e altaneira que nos faz sentir vivos e com todos os fios encapados e desencapados ligados no 220 da eletricidade vinda da tomada. Meu pecado de amor se revela (imaginem que coisa mais interessante) ou se propaga e se irradia em cada olhar furtivo, em cada palavra sussurrada ao vento, em cada toque que me faz tremer e esquecer a lógica-ilógica de todas as convenções. Há algo de libertador nele? Sim, sem dúvida alguma! É um tipo de pecado-segredo simples e, ao mesmo tempo, soez. E por qual razão? Pelo fato achavascado da gente se entregar como a um vício. Sabemos que toda inópia (como o cigarro, a bebida e outros prazeres impuros e mundanos) traz consigo uma dose excessiva do mais impulsivo prazer e dor, numa característica de um ciclo interminável de altos e baixos. Quem de nós, senhoras e senhores, já não passou por isso? Façam uma reflexão rápida. Uma introspecção momentânea, mas séria. Difícil? De forma alguma!

Compreendam que o meu pecado de amor (ou pecados) não é diferente de todos os demais da nossa vida aqui na Terra. A mingua do amor me atrai como um imã irresistível e intenso. Também, em contrapartida, me arrasta como uma folha seca ao vento, tipo assim, como se eu estivesse no meio de um vendaval estonteante, sem escapatória, totalmente incapacitado –, pés e mãos amarrados, sem achar uma saída decente, ou por mais esquisita que seja, ou que fosse, não importa, onde eu pudesse me agarrar de forma satisfatória. Nesse certo-incerto, para piorar as coisas, pinta, do nada, um turbilhão de dúvidas e inseguranças. Na maioria das vezes, caras amigas e diletos amigos, eu me vejo acorrentado num labirinto condexo (condexo nada mais é que uma coisa sem volta, sem portas ou janelas para serem abertas), um emaranhamento embaraçoso e mistifório de emoções, onde cada escolha que faço – pasmem – parece me levar para o mais fundo ou ao centro nevrálgico de uma entrada secreta, para uma espécie de Torre de Babel até os cornos da sua estrutura.

Essa Babel vive sempre empanzinada de desejos e expectativas as mais atarantadas e, ao mesmo tempo, de rosto sombrio e anarquizado. Apetências, luxúrias e expectações nunca sentidos. O amor, acreditem, não é apenas uma sensação passageira; é uma força terrivelmente impulsionadora e avassaladora que molda, a seu bel prazer, quem somos e quem nos tornamos. Sério! Podem levar fé. Em razão disso, o meu pecado de amor (ou os meus pecados, batendo na mesma tecla, afinal foram e ainda são tantos) não importa, o melhor deles se moldou no desejo taciturno de ser algo mais, de transcender os limites da razão e pular de cabeça num voo cego, tipo um avião desgovernado voando em espiral, grosso modo, enroscado num espaço-fenda como um “parafuso torto” em direção a um oceano tenebroso dentro de uma anatomia completamente desconhecida pelo meu pobre e desditoso ser.

Na essência desse pecado reside a dualidade do ser humano. Em cada gesto apaixonado, em cada momento de êxtase, há um reflexo pérmico (pérmico se traduz por alheio, exótico e longínquo) ou ainda divorciado da nossa fragilidade. A paixão cega, sem a visão do bem e do mal, nos faz acreditar que podemos tudo, e é essa crença ésbica (o mesmo que força incontrolável e sem sentido) que nos leva a ultrapassar as barreiras do inconcebível, bem ainda a desafiar normas e a nos arriscar em nome do sentimento que nos consome e nos devora, como uma chama acesa ladeada em derredor de um botijão de gás vazando dentro de quatro paredes hermeticamente fechadas.

Contudo, há um preço a pagar. Aliás, em nosso cotidiano vivemos para pagar. Enquanto houver uma desgraça chamada “político-mamador” (aquele que mama e suga até nossos colhões), estaremos sem norte num Lago Paranoá de Fuça e águas procelosas e cheias de merdas e bostas. O pecado de amor é um boleto mensal que não foge às regras. É ainda um jogo perigoso onde, muitas vezes, a derrota se faz inevitável. A dor da perda, a insegurança do não ser correspondido, o medo tétrico do abandono – são esses um dos mais de trocentos “castigos-ocultos” que enfrentamos quando nos entregamos ao completamente algaraviado. O amor pode ser um torturador inquisitorial e grotesco. Uma urna de votação numa zona de meretrício séria (kikikikikiki) onde você vota para “C” e aparece o “L” também será sempre, aconteça o que acontecer, a fonte de água viva inesgotável de nossa maior força e vulnerabilidade.

Por mais que eu tente, ou fuja, ou me esconda debaixo da cama, ou me introduza em força total numa boceta quentinha e nela parta para as delituosas canjas oriundas das mais ecléticas transgressões, não posso evitar esse pecado. Ele é parte de mim, como a língua. A desgraçada da língua age por conta, como um reflexo da minha busca incessante por algo que me complete. Cada erro, cada falha, cada acerto – todos são testemunhas da minha caminhada através desse amor que é tanto minha maldição quanto a minha redenção. Assim, senhoras e senhores, aceito o meu pecado de amor (ou os meus pecados, melhor dito) com todas as suas complexidades. É um fardo, uma mala sem alça que carrego com orgulho, uma marca indelével que define a minha estrada e, logicamente, o meu futuro. Em cada dia, em cada noite, o amor me desafia a ser melhor e a enfrentar os meus próprios demônios.

Ao final da vida (estou na casa dos setenta), talvez descubra que a verdadeira anomalia não é amar, mas manter aceso o pavio amor em toda a sua plenitude e intensidade. Por derradeiro, meu (meus) pecado de amor é, em dias de hoje, uma celebração da minha condição humana – uma dança entre a luz e a sombra, o elo faltoso da corrente, um testamento da minha capacidade de sentir profundamente e viver intensamente cada segundo de uma vida que não sei quando ou onde terminará. É esse pecado que me lembra que, apesar de tudo (cinco mulheres, seis filhos e uma renca de netos), ainda sou capaz de amar com todo o meu espírito jovial. Se alguém der mole, poderá aparecer mais uma e eu trazer ao mundo o sétimo rebento. Como dizem por aí: a raspa do grelo – perdão –, a bolinação fustigativa no tacho ainda perdura, se assanha e se arreganha como uma vulta de melindres imensuráveis.  

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Barretos, interior de São Paulo, 30-8-2024 

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