Aparecido Raimundo de Souza
O amor, no meu entender,
posso estar errado, é um tumor que nos devora a alma. Como tumor, fode o nosso
“eu” até os fundilhos das nossas entranhas. Porém, visto por outra ótica,
transforma todo o nosso escondido, “TODO,” de cabo a rabo. Pergunto, pois, às
queridas amigas e amadas leitoras e, claro, aos amigos que nesse momento estão
a ler meu texto: será? Pois bem! Nessa linha, é exatamente sobre o meu pecado
de amor (ou pecados) que desejo explorar esse sentimento paradoxal que se
entrelaça com a essência da minha existência, misturando o doce e o amargo, o
certo e o incerto, o ontem e o hoje, o agora e o depois, o claro e o escuro, o
mel da chupeta e o fel da separação.
O amor, senhoras e senhores, em sua plenitude, não passa de um enigma. É o pecado excelso (pode até não ser) pelo qual nos culpamos sem remorsos. É a violação bancarrotada mais gostosa e altaneira que nos faz sentir vivos e com todos os fios encapados e desencapados ligados no 220 da eletricidade vinda da tomada. Meu pecado de amor se revela (imaginem que coisa mais interessante) ou se propaga e se irradia em cada olhar furtivo, em cada palavra sussurrada ao vento, em cada toque que me faz tremer e esquecer a lógica-ilógica de todas as convenções. Há algo de libertador nele? Sim, sem dúvida alguma! É um tipo de pecado-segredo simples e, ao mesmo tempo, soez. E por qual razão? Pelo fato achavascado da gente se entregar como a um vício. Sabemos que toda inópia (como o cigarro, a bebida e outros prazeres impuros e mundanos) traz consigo uma dose excessiva do mais impulsivo prazer e dor, numa característica de um ciclo interminável de altos e baixos. Quem de nós, senhoras e senhores, já não passou por isso? Façam uma reflexão rápida. Uma introspecção momentânea, mas séria. Difícil? De forma alguma!
Compreendam que o meu pecado de amor (ou pecados) não é diferente de todos os demais da nossa vida aqui na Terra. A mingua do amor me atrai como um imã irresistível e intenso. Também, em contrapartida, me arrasta como uma folha seca ao vento, tipo assim, como se eu estivesse no meio de um vendaval estonteante, sem escapatória, totalmente incapacitado –, pés e mãos amarrados, sem achar uma saída decente, ou por mais esquisita que seja, ou que fosse, não importa, onde eu pudesse me agarrar de forma satisfatória. Nesse certo-incerto, para piorar as coisas, pinta, do nada, um turbilhão de dúvidas e inseguranças. Na maioria das vezes, caras amigas e diletos amigos, eu me vejo acorrentado num labirinto condexo (condexo nada mais é que uma coisa sem volta, sem portas ou janelas para serem abertas), um emaranhamento embaraçoso e mistifório de emoções, onde cada escolha que faço – pasmem – parece me levar para o mais fundo ou ao centro nevrálgico de uma entrada secreta, para uma espécie de Torre de Babel até os cornos da sua estrutura.
Essa Babel vive sempre
empanzinada de desejos e expectativas as mais atarantadas e, ao mesmo tempo, de
rosto sombrio e anarquizado. Apetências, luxúrias e expectações nunca sentidos.
O amor, acreditem, não é apenas uma sensação passageira; é uma força terrivelmente
impulsionadora e avassaladora que molda, a seu bel prazer, quem somos e quem
nos tornamos. Sério! Podem levar fé. Em razão disso, o meu pecado de amor (ou
os meus pecados, batendo na mesma tecla, afinal foram e ainda são tantos) não
importa, o melhor deles se moldou no desejo taciturno de ser algo mais, de
transcender os limites da razão e pular de cabeça num voo cego, tipo um avião
desgovernado voando em espiral, grosso modo, enroscado num espaço-fenda como um
“parafuso torto” em direção a um oceano tenebroso dentro de uma anatomia
completamente desconhecida pelo meu pobre e desditoso ser.
Na essência desse pecado
reside a dualidade do ser humano. Em cada gesto apaixonado, em cada momento de
êxtase, há um reflexo pérmico (pérmico se traduz por alheio, exótico e
longínquo) ou ainda divorciado da nossa fragilidade. A paixão cega, sem a visão
do bem e do mal, nos faz acreditar que podemos tudo, e é essa crença ésbica (o
mesmo que força incontrolável e sem sentido) que nos leva a ultrapassar as
barreiras do inconcebível, bem ainda a desafiar normas e a nos arriscar em nome
do sentimento que nos consome e nos devora, como uma chama acesa ladeada em
derredor de um botijão de gás vazando dentro de quatro paredes hermeticamente
fechadas.
Contudo, há um preço a
pagar. Aliás, em nosso cotidiano vivemos para pagar. Enquanto houver uma
desgraça chamada “político-mamador” (aquele que mama e suga até nossos
colhões), estaremos sem norte num Lago Paranoá de Fuça e águas procelosas e
cheias de merdas e bostas. O pecado de amor é um boleto mensal que não foge às
regras. É ainda um jogo perigoso onde, muitas vezes, a derrota se faz
inevitável. A dor da perda, a insegurança do não ser correspondido, o medo
tétrico do abandono – são esses um dos mais de trocentos “castigos-ocultos” que
enfrentamos quando nos entregamos ao completamente algaraviado. O amor pode ser
um torturador inquisitorial e grotesco. Uma urna de votação numa zona de
meretrício séria (kikikikikiki) onde você vota para “C” e aparece o “L” também
será sempre, aconteça o que acontecer, a fonte de água viva inesgotável de
nossa maior força e vulnerabilidade.
Por mais que eu tente, ou
fuja, ou me esconda debaixo da cama, ou me introduza em força total numa boceta
quentinha e nela parta para as delituosas canjas oriundas das mais ecléticas
transgressões, não posso evitar esse pecado. Ele é parte de mim, como a língua.
A desgraçada da língua age por conta, como um reflexo da minha busca incessante
por algo que me complete. Cada erro, cada falha, cada acerto – todos são
testemunhas da minha caminhada através desse amor que é tanto minha maldição
quanto a minha redenção. Assim, senhoras e senhores, aceito o meu pecado de
amor (ou os meus pecados, melhor dito) com todas as suas complexidades. É um
fardo, uma mala sem alça que carrego com orgulho, uma marca indelével que
define a minha estrada e, logicamente, o meu futuro. Em cada dia, em cada
noite, o amor me desafia a ser melhor e a enfrentar os meus próprios demônios.
Ao final da vida (estou na casa dos setenta), talvez descubra que a verdadeira anomalia não é amar, mas manter aceso o pavio amor em toda a sua plenitude e intensidade. Por derradeiro, meu (meus) pecado de amor é, em dias de hoje, uma celebração da minha condição humana – uma dança entre a luz e a sombra, o elo faltoso da corrente, um testamento da minha capacidade de sentir profundamente e viver intensamente cada segundo de uma vida que não sei quando ou onde terminará. É esse pecado que me lembra que, apesar de tudo (cinco mulheres, seis filhos e uma renca de netos), ainda sou capaz de amar com todo o meu espírito jovial. Se alguém der mole, poderá aparecer mais uma e eu trazer ao mundo o sétimo rebento. Como dizem por aí: a raspa do grelo – perdão –, a bolinação fustigativa no tacho ainda perdura, se assanha e se arreganha como uma vulta de melindres imensuráveis.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Barretos, interior de São Paulo, 30-8-2024
Anteriores:O Patinho Feio que não era feio
Desejos aprisionados
Como uma bola de neve esperando ser chutada para gol
Fila indiana
Xavecadas
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-