Um aspecto realmente
extraordinário – e não usamos aqui a palavra na sua conotação mais positiva –
desse processo é que ele se deu de forma gradual e aceita por parcela
significativa da nação, o que inclui a imprensa, formadores de opinião e
entidades da sociedade civil organizada. Ocasionalmente ocorriam alguns
protestos isolados diante de episódios mais grotescos, como a censura da
revista Crusoé, ainda nos primórdios do inquérito das fake news, mas de resto,
com a exceção de algumas vozes isoladas, incluindo a desta Gazeta do Povo, o
arbítrio foi se espalhando sem grandes contestações, em grande parte devido à
ideia de que certas medidas eram necessárias para se conter um grupo tido como
“antidemocrático”.
Os autênticos democratas têm o
dever, neste momento, de romper a espiral do medo e denunciar o sistema abusivo
instalado no STF e no TSE com fins de perseguição política pura e simples
Agora todos sabem, ou deviam saber, o que alguns já percebiam havia muito: os antidemocráticos, na verdade, eram outros, os que perseguiam, os que censuravam, os que subvertiam o devido processo legal. E o chacoalhão provocado pelas reportagens da Folha de S.Paulo precisa levar a uma reação forte dos democratas. Não falamos dos democratas de fachada, aqueles que têm o termo “democracia” na ponta da língua e o usam a torto e a direito enquanto apoiam entusiasticamente a perseguição aos adversários políticos; falamos dos verdadeiros democratas, aqueles comprometidos com as liberdades e garantias constitucionais, com o império da lei, com o devido processo legal, com a ampla defesa – para todos.
Se dias atrás nos referimos
especialmente aos que têm poder e não o usam, hoje tratamos daqueles que têm
voz, e que precisam se fazer ouvir. Os autênticos democratas têm o dever, neste
momento, de romper a espiral do medo e denunciar o sistema abusivo instalado no
STF e no TSE com fins de perseguição política pura e simples. Formadores de
opinião, lideranças de todos os setores e entidades de classe, especialmente
aquelas com histórico de décadas em defesa da democracia, precisam estar na
linha de frente do esforço pela recuperação do pleno sentido das liberdades e
garantias constitucionais, especialmente da liberdade de expressão, a mais
agredida pelo modus operandi que abasteceu os inquéritos dos últimos anos.
E não basta, aqui, pedir
simplesmente o fim desses inquéritos. Ainda que eles sejam fechados, nada
garante que não surjam outros semelhantes, mais cedo ou mais tarde – isso já
ocorreu em 2021, quando Moraes encerrou o inquérito dos “atos antidemocráticos”
e, ato contínuo, abriu o das “milícias digitais”. É preciso denunciar e se opor
a toda a mentalidade que tornou possível essa distopia brasileira: a confusão
total entre fake news e opinião, a criminalização de críticas mais
contundentes, a invenção de “crimes de opinião” e “crimes de cogitação”, a
legitimação da censura prévia por meio da suspensão total de perfis. Em resumo,
recuperar o verdadeiro sentido da liberdade de expressão para que o Brasil
supere o “apagão” em curso desde 2019.
Nada disso ocorrerá, no
entanto, sem pressão forte da opinião pública. Ninguém mais pode alegar
ignorância a respeito de tudo o que vem sendo feito desde 2019. Não é preciso
simpatizar com os alvos da perseguição de Moraes para perceber que os métodos
empregados e a doutrina e a jurisprudência construídas por STF e TSE são
profundamente antidemocráticos, e por isso o silêncio deixou de ser uma
alternativa razoável para quem realmente se compromete com a defesa da
democracia e das liberdades no Brasil. Calar, agora, é aceitar.
Título e Texto: Editorial,
Gazeta
do Povo, 18-8-2024, 18h
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Acredite se quiser!
ResponderExcluirPost REMOVIDO dos perfis FB JP e CqF!! 😡😡