Paulo H. Santos
Compreender toda a
complexidade da moralidade não é uma tarefa simples como pode parecer. Em
primeiro lugar, precisamos lidar com o ser agente da moral; o ser humano é uma
tarefa a cumprir. Nascemos humanos, mas precisamos construir nossa humanidade
ao longo da vida. Os pontos objetivos e subjetivos de nossas questões, dados
pela racionalidade, nos diferenciam de todos os seres e de todas as raças. Como
sabemos, nenhum outro animal se questiona sobre suas ações, escolhas e
sentimentos.
Compreendendo isso, precisamos saber que existem coisas que nos tornam mais seres humanos e coisas que nos destroem como seres humanos. É neste momento que entra a questão moral. Em resumo, tudo o que nos realiza de uma forma que está conectada com a virtude humana natural, ou seja, que vá de encontro com a Areté, é moralmente bom. E o que nos destrói ou rompe com a natureza da virtude humana, isso é moralmente ruim. A moral admite que haja uma certa objetividade de acordo com a natureza do projeto humano, que pode até mesmo ser compreendida tão somente pela razão natural. Entretanto, somente com a revelação divina temos um acesso mais completo em relação a esse tema. Mas mesmo com a fé, que não é um sentimento, mas um conteúdo de adesão religioso, precisa muitas vezes ser filtrada por nossa decisão incorruptível de segui-la e aceitá-la mesmo com todas as inclinações opostas. Para ter uma âncora moral, é necessário aceitar a verdade uma vez que compreendida, ainda que não seja capaz de correspondê-la com a frequência que gostaria.
O livre-arbítrio nos dá a capacidade de cometer atrocidades, de destruir o que somos ou de ser caridosos, gentis e excelentes, e é por isso que a moralidade nunca poderia ser espontaneamente expressa, porque ela é um esforço. Embora seja intuitivamente evidente, é um conhecimento passível de ser rejeitado. Por isso, não importa o quanto a consideremos natural, temos uma corrupção íntima no nosso ser que faz com que a moralidade, como todas as coisas boas, precise ser escolhida por nós até o dia de nossa morte.
Em um mundo onde a moralidade
é vista como uma escolha subjetiva e pessoal, o risco de relativismo moral
cresce exponencialmente. Este relativismo ameaça a coesão social, pois, ao
considerar que cada indivíduo pode determinar o que é moral ou imoral, perde-se
o fundamento comum que sustenta a convivência harmoniosa. Sem um entendimento
compartilhado do que constitui o bem e o mal, a sociedade se fragmenta,
resultando em conflitos intermináveis e na incapacidade de resolver questões
éticas de maneira coletiva e justa. E é necessário que fique claro: o mundo
nunca viu outra moral senão a cristã.
Além disso, a negação de uma
moralidade objetiva abre caminho para a justificação de ações que, apesar de
serem prejudiciais ao indivíduo e à sociedade em geral, são defendidas sob o
pretexto de liberdade pessoal. Esta visão distorcida ignora o fato de que a
verdadeira liberdade não é a ausência de restrições, mas a capacidade de fazer
escolhas que promovam a liberdade em seu sentido mais estrito: a excelência. A
escolha consciente da moralidade, portanto, é essencial não apenas para a
realização pessoal, mas também para o fortalecimento da sociedade como um todo,
pois cria uma base de valores compartilhados que orientam o comportamento e as
decisões de todos os seus membros.
Consequentemente, a escolha
por recusar a moral que claramente distinguiu o rumo do ocidente nos últimos 2
mil anos, é também a decisão de restringir a experiência da realidade histórica
aos movimentos e revoluções que, permeados de um ímpeto contra a moralidade e
tudo o que ela representa, mancharam as páginas não somente dos livros de
história, mas os de filosofia, de teologia e que sobretudo continuam a manchar
as páginas das vidas de inúmeras pessoas afogadas numa falsa compreensão de
liberdade.
Título e Texto: Paulo H. Santos, professor
particular de filosofia, bacharel em filosofia (UCP – Brasil) e licenciado em
História (UNESA – Brasil). Católico. ContraCultura,
30-8-2024
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