Pedro Almeida Vieira
“Numa altura em que é vital
focarmo-nos na defesa do jornalismo sério e independente como pilar
estruturante da democracia, importa pensar como o Estado pode ressarcir os
media dos seus erros e do viés das suas políticas públicas”. Esta é uma das
frases de um artigo de opinião de Francisco Rui Cádima, investigador
do ICNOVA – Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa publicado
na semana passada no jornal Público. Nem de propósito, ou muito a propósito,
esta opinião surge num jornal que apresentou, no ano passado, prejuízos de 4,5 milhões de euros e o seu ‘mecenas’, o Grupo Sonae, já se cansa de encaixar
resultados líquidos negativos desde 2017 da ordem dos 24 milhões de euros.
A tónica de Francisco Rui Cádima apenas faz eco de um coro cada vez mais crescente da generalidade dos grupos de media, e mais os seus defensores, em reivindicar apoios ao Estado, ao mesmo tempo que se estabeleceu um forrobodó de práticas censuráveis. No sector privado dos media, com a excepção da Medialivre, assistimos a um absurdo de gestão financeira e de recursos, com jornalistas genericamente mal pagos, mas diretores principescamente pagos, que republicam as mesmas notícias, os mesmos temas, as mesmas abordagens, numa cansativa e única perspectiva, não se destacando na mediocridade uma das outras. E no mercado, o público é soberano, e até as empresas, que de início apreciavam a promiscuidade das parcerias comerciais, olham agora com desconfiança para um ‘chão que já só dá para vinagre’.
Sou defensor do jornalismo
como um bem público, no conceito económico do termo, que, por trazer mais
vantagens à sociedade do que o seu valor de mercado (concedido pelos seus
clientes), merece apoio público. Mas cabe também ao Estado – e à sociedade – a capacidade
de separar o trigo do joio, para que não cometa o viés de trazer vantagens às
negociatas que se fazem através dos media. E, por esse motivo, sou e serei um
opositor ferrenho de ‘salvar o jornalismo’ despejando dinheiro em mau
jornalismo.
A crise no sector dos media
está longe de se dever ‘apenas’ à não-valorização do seu papel pelos
consumidores, mas sim a uma crise de credibilidade. Quem acredita estarem a ser
as redes sociais a causar a morte do jornalismo, estará a enganar-se a si próprio.
A proliferação rápida de (suposta) desinformação pelas redes sociais surge
porque a imprensa deixou de ser um ‘porto seguro’ de credibilidade. Se antes se
podia ‘emprenhar pelos ouvidos’ num café entre amigos, mas o que se se ouvia
nesses ‘mentideros’ caía numa consulta dos jornais; agora, tal deixou de ser
uma garantia. Atualmente, num misto de ignorância e de notícias ideologicamente
enviesadas, temos necessidade de recorrer à fonte para saber se uma determinada
‘informação’ que nos chega é verdadeira ou falsa, quer seja transmitida por um
post viral ou por uma ‘notícia’ da imprensa mainstream. Este é
o drama; esta é a causa da crise.
E essa é a crise – e não se resolve despejando ‘dinheiro público’, sobretudo quando o ‘leitmotiv’ aparenta ser uma «boia de salvação’ de grupos de media em dificuldades, alguns dos quais, com a Trust in News e a Global Notícias à cabeça, deveriam até já ter desaparecido literalmente, por uma questão de sustentabilidade ética do mercado, de integridade do jornalismo e de abertura de espaço para novos players.
De entre as soluções de apoios do Estado sugeridas, concordo com duas: tornar gratuito, mas apenas para os pequenos órgãos de comunicação social, o acesso ao material fotográfico da Agência Lusa; e permitir que os cidadãos possam decidir, através de uma espécie de ‘voucher imprensa’, quem, de entre os diversos órgãos de comunicação social, merece receber os apoios estatais. Só assim se corrigirão erros e vieses de um bem público como é a imprensa. Se a opção for burocrática e política, com o Governo a distribuir dinheiro e prebendas pelos ‘suspeitos do costume’, a tal correção das ‘falhas de mercado’ será um embuste, apenas agravando o problema da qualidade e credibilidade da imprensa, até ao dia em que acordarmos com uma imprensa não lida, não ouvida e não vista, existindo somente como receptáculo de uma fonte de despejos de dinheiro chamado Estado.
Infelizmente, na esfera da
discussão dos apoios à imprensa e do papel do Estado, não tem entrado neste
debate – e não será por esquecimento – o papel do Governo (e do Parlamento) num
assunto fundamental para o trabalho da imprensa: a transparência da Administração
Pública e o acesso à informação dos jornalistas, que são ‘instrumentos’
essenciais para a prática do (bom) jornalismo.
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