Claudio Dantas
Existe uma lei não escrita
em Brasília que impede um poder de colocar a mão no bolso de outro. Flávio
Dino, talvez querendo agradar ao governo de seu padrinho Lula, violou a regra
dias atrás ao suspender o pagamento das bilionárias Emendas Pix. A medida, às
vésperas das eleições municipais, foi compreendida como um ataque direto ao
Congresso -- o ministro determinou também que a CGU faça uma auditoria nos
repasses já realizados. Para piorar, o PGR Paulo Gonet reforçou o entendimento,
levando Câmara e Senado a recorrer ao próprio Supremo, classificando a decisão
de um de seus ministros como pura "subversão", um "atentado às
determinações constitucionais que estruturam o Estado Democrático de
Direito". Numa antecipação do que parece ser o entendimento majoritário da
Corte, o decano Gilmar Mendes fez coro ao discurso de Dino e Gonet. Mas foi
além, acusando o Legislativo de "desaparecimento de recursos" (roubo)
e de deteriorar o "jogo de freios e contrapesos na relação do do Congresso
com o Executivo".
Há alguns meses, durante a
discussão sobre a PEC contra as drogas, ouvi de um senador que a paciência com
o ativismo do Judiciário estava se esgotando entre os parlamentares e que, no
jogo político, era esperado que o Supremo cedesse em algum momento para que o
país pudesse vir a ter uma perspectiva, ainda que remota, de retorno à
normalidade. A cassação sumária de um deputado (Deltan Dallagnol), a
detenção arbitrária de ex-ministros e a inabilitação desarrazoada de um
ex-presidente (Jair Bolsonaro), que vive diariamente sob achincalhe público e
ameaça de prisão, encheu o copo. A gota d`água, entretanto, foi o avanço sobre
as emendas parlamentares. O novo entendimento do TCU sobre as joias e
relógios recebidos por Bolsonaro representou um constrangimento menor do que a
entrevista concedida por Nelson Jobim à CNN.
Ex-deputado, ex-ministro da Justiça, ex-ministro da Defesa, ex-presidente do Supremo e, hoje, sócio de André Esteves no BTG, Jobim enumerou as violações de Alexandre de Moraes como se cumprisse um script aprovado previamente: criticou a expansão do objeto do inquérito das Fake News, explicou pacientemente que a catarse coletiva dos patriotas do 8 de janeiro nunca poderia ser enquadrada como terrorismo ou tentativa de golpe e ainda comparou com outras invasões violentas promovidas pela esquerda, afirmou que não é competência do Supremo julgar uma "senhora que pintou (de batom) uma estátua", que condenações exaradas por Moraes contra essas pessoas são "copia e cola" e ainda aconselhou os ministros a não se envolverem numa disputa política radicalizada. "Vocês hão de convir comigo que a radicalização vem do presidente Bolsonaro, mas também é provocada pelo presidente Lula."
Ressalto o simbolismo da fala
de Jobim, que serve como porta-voz informal do universo político, do jurídico e
do sistema financeiro -- lembrando que ninguém aguenta mais a
irresponsabilidade fiscal e a sanha arrecadatória do atual governo.
É nesse contexto que surge
a denúncia da Folha, pelas mãos do inefável Glenn Greenwald. Para além da
coincidência, o simbolismo aqui também parece evidente: o carrasco da Lava Jato
agora expõe as arbitrariedades de Moraes, com mensagens que escancaram a sobreposição
dos papeis de investigador, acusador e julgador. Trata-se, portanto,
de um emissário acima de qualquer suspeita. Diferentemente de inquéritos
conduzidos pelo ministro-delegado, aqui as provas são abundantes: não só
mensagens, mas áudios, mostram que Moraes também sobrepôs suas funções como
ministro do STF e presidente do TSE, criando uma espécie de gabinete
compartilhado, no qual auxiliares das duas cortes eram usados informalmente
para fabricar relatórios encomendados pelo próprio Moraes, para embasar suas
próprias decisões que, pelo visto, já estariam tomadas. "Quando ele cisma,
é uma tragédia", diz um dos assessores. Nas palavras de um articulista do
jornal, "a decisão de queimar etapas em segredo e simular passos desse
processo, por sua vez, indica que Moraes escolheu ignorar alguns limites à sua
autoridades".
O Supremo parece
encurralado, mas soltou uma nota para negar qualquer ilegalidade. Diz que tudo
foi feito "nos termos regimentais". "Todos os procedimentos
foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e
investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral
da República." Quem duvida? No Senado, a oposição volta à
carga para que Rodrigo Pacheco paute o impeachment de Moraes. As circunstâncias
mudaram, de fato. Mas estaríamos ou não naquele ponto de não retorno? Dino e
Gilmar vão rever o entendimento sobre as bilionárias emendas do Congresso,
correndo o risco de humilhação pública? Jobim vai retirar o que disse em rede
nacional? A Folha recuará? A Globo virá em socorro? A cada dia, avançamos mais
um pouco no caminho já trilhado por gente da laia de Hugo Chávez e Nicolás
Maduro. Quantos mais precisarão ser presos ou mortos?
Título e Texto: Claudio
Dantas, X,
14-8-2024, 2h12
13-8-2024: Oeste sem filtro – Moraes usou o TSE de forma ilegal contra críticos
12-8-2024: Oeste sem filtro – TSE amplia poder de polícia de juízes eleitorais
Revista Exílio é censurada no Instagram
Moraes vai proibir que o povo fale com Bolsonaro ?
Exilado envia mensagem para Moraes
Brasil de Paulo Freire!! Deu certinho! 👍🏽
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