Aparecido Raimundo de Souza
Ele: — Tente de novo...
Ela: — Droga!
Ele: — Calma. Relaxe. Não tenha pressa.
Ela: — Não se esqueça que o nosso tempo está correndo. Temos menos de 25 minutos.
Ele: — Dá pra gente tirar de letra. Procure se desligar das coisas que a perturbam. Esqueça o relógio e se concentre em fazer a coisa direito.
Ela: — Por acaso não estou fazendo?
Ele: — Pra mim tudo bem, não sei quanto à você.
Ela: — Tá legal. É a minha primeira vez com você. Sou virgem. E estou um pouco nervosa.
Ele: — Ok. Vire um pouco para o lado.
Ela: — Assim?
Ele: — Não. Acho melhor virar para o esquerdo.
Ela: — Esquerdo?
Ele: — É. Esquerdo.
Ela: — E para que lado fica o esquerdo?
Ele: — Pelo amor de Deus, moça. Não acredito no que estou ouvindo!
Ela: — Nessa posição em que me encontro fica difícil. Coopera comigo.
Ele: — Esquece esse negócio de lado. Conseguiu desemperrar o zíper?
Ela: — Não, acho que o troço quebrou. Não seria mais viável eu levantar a saia e você tirar a calcinha?
Ele: — Bem pensado. Fecha as pernas...
Ela: — Tudo bem. Devagar, por favor.
Ele: — Nossa, que mau cheiro. Ta sentindo?
Ela: — É assim mesmo. Mais de duas horas derretendo a carcaça nesse calor infernal, não há Cristo que aguente. Depois a situação melhora.
Ele: — Quer saber de uma coisa? Embora mexa com essas coisas todos os dias, ainda não me acostumei. Confesso que às vezes tenho vontade de vomitar as tripas.
Ela: — Eu idem. Dias passados encarei um velho todo cagado.
Ela: — Não, de bosta mesmo.
Ele: — Entendi. Bem, vamos nós. Abre aqui embaixo e pegue a minha mangueira.
Ela: — Tá na mão. Credo! Que mangueira engraçada...
Ele: — O que ela tem de engraçada?
Ela: — É dura. E... comprida. Já se deu ao trabalho de espiar?
Ele: — Posso lhe fazer uma pergunta?
Ela: — Fique à vontade.
Ele: — É a sua primeira vez, não é? Essa história do velho... é pura balela...
Ela: — Está me questionando pelo fato de ter achada comprida a sua mangueira?
Ele: — Também. Mas no fundo, faço referência a este lugar e ao papel que estamos desempenhando aqui.
Ela: — Claro que não. Ficou doido? Tenho alguma experiência. Como falei, encarei um oitentão todo enlameado de bosta. Minha primeira vez, de verdade, foi com um garoto. O pirralho deveria ter uns quinze anos...
Ele: — Nossa! E como foi?
Ela: — Legal. Tirei de letra. Mas por qual motivo a indagação? Não estou me saindo bem?
Ele: — Você me parece uma passageira estabanada em sua primeira viagem de avião. Pelo visto seu currículo está mais por fora que leite azedo fora da caixinha...
Ela: — O que o faz pensar assim?
Ele: — O medo estampado em seus olhos. Chega a ser mórbido. Confesse...
Ela: — Engano seu. Estou tranquila...
Ele: — OK. Então vamos lá. Tira a blusa. Vamos aos peitos...
Ela: — Pronto.
Ele: — Agora vire de costas.
Ela: — Já?
Ele: — É. Já.
Ela: — Nossa! Como você faz tudo tão rápido. Virando de costas no três. Um, dois, três...
Ele: — Mama mia... socuerro...!
Ela: — O que foi agora?
Ele: — Que bunda! Desculpe. Que bela retaguarda...
Ela: — Percebeu que está ligeiramente avermelhada?
Ele: — Sim. Feche os ouvidos. Vou enfiar a mangueira com vontade. Em menos de um minuto verá que a vermelhidão sumirá e a coisa voltará à cor natural. Aproveita e passa bastante sabão...
Ela: — Sabão?
Ele: — Acaso tem algo melhor?
Ela: — Aqui tem detergente, ali sabão em pó... xampu...
Ele: — ...Atrás de você tem vaselina. No fim dá tudo no mesmo. Acho melhor a gente relaxar e gozar...
Ela: — Verdade. Chiiiiiiii! Nosso tempo acabou. Pega essa toalha aí atrás de você, rápido e me ajude a enrolar em volta do corpo. Estou toda respingada... credo, em cruz, quanta porra!
O sujeito da recepção (que cuidava dos defuntos que chegavam à funerária com a finalidade de serem preparados e após entregues aos respectivos familiares, para sepultamento) entrou porta adentro empurrando outro extinto sobre uma maca bastante envelhecida, as rodinhas rangendo em atrito com o piso, e, pior, todo o ambiente exalando fortemente a podre. Antes de dar o recado, se prostrou com as mãos na cintura, numa pose meio abichada. Ele não falou, na verdade gritou desmunhecando:
— Um recadinho aos pombinhos. Procurem agilizar o banho mais rápido. Vocês levaram quase uma hora para cuidarem dessa rapariga. Reduzam esse tempo para quinze minutos. Lembrem-se: tem uma “caravana” de cadáveres aqui dentro da geladeira e trocentos ou mais, nos carros funerários esperando vez. Sem falar nos familiares, na sala de espera, gritando e chorando em meus ouvidos. Nada de moleza. Mãos à obra. Façam isso pra ontem...
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Freguesia do Ó, São Paulo, Capital, 16-8-2024
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