domingo, 22 de setembro de 2024

[As danações de Carina] Camisinha e ‘pipi’

Carina Bratt

O PEQUENO e esperto Davi, outro dia, viu pendurada numa banca de jornais, uma revista masculina acompanhada de uma camisinha. Com a ingenuidade dos seus cinco anos chegou para o pai e pediu que comprasse, para ele um exemplar, a fim de guardar em casa, argumentando que quando o ‘pipi’ dele ficasse grande, ele já a teria em mãos.


O pai se fechou numa carranca, tentou desconversar, mas o garoto parecia disposto a não arredar pé do seu propósito. Olhou para o filho muito sério e explicou que a tal camisinha da revista só serviria para quando ele ficasse um pouco maior.
— Mais grande?
— Sim.

— Mas já sou grande.
— Tem que ser maior ainda.
— Mais?
— Pelo menos um pouquinho...
— Meu ‘pipi’ já é velho, pai...
O patriarca se arreganhou numa risada inesperada:

— Que história é essa de ‘pipi’ velho, meu príncipe?
— Ele já cresce, vai sozinho ao banheiro... faz xixi, dá descarga no vaso...
— Não estou entendendo.
— Pai, o seu ‘pipi’ não cresce?
O chefe da prole, se prostrou atônito e vexado, e para piorar, se quedou sem resposta.

O moleque insistiu, taxativo:
— Não cresce, pai?
— Está legal. Sim, cresce!

— Então, pai... o meu também...
— Que história é essa, Davi?
— Toda vez que a minha babá Eleonora me dá banho, ele fica...
— Fica?
— O senhor sabe...
— Não, pelo visto estou por fora... mais que umbigo de vedete.

Novos risos, desta feita, do pequeno homenzinho sapeca.
— Umbigo de quê?
O sujeito tentou, em vão acompanhar a sagacidade do filho.
— Não me enrola. Quando a Eleonora lhe dá banho o que é que acontece?
— Meu ‘pipi’ fica duro, furioso, potente... e me tira do sério...
Boquiaberto, os olhos arregalados, o pai se flagrou num espanto indescritível:
— Duro, furioso, potente... e lhe tira do sério?
— É pai.

De cara no chão, o líder supremo daquele pestinha seguiu sem palavras, de queixo caído:
— Quer dizer que toda vez que a Eleonora lhe dá banho seu ‘pipi’ fica duro?
— Sim senhor...
— E como é que ela faz para que ele fique... duro?
— Ela não faz nada, pai. Só lava e passa sabão, ora!
— Eu sei que ela só lava e passa sabão. Mas por esses simples gestos ele cresce, digo endurece?

— É que também ela esfrega ele de um jeito gostoso.
— De um jeito gostoso? Como é esse jeito gostoso?!
— O senhor sabe...
— Não, não sei.
— Ela faz igual à mamãe quando toma banho com o senhor.
Completamente sem fôlego e além de sem fôlego, sem chão, o pai se assombrou, estupefatado e sem saída:
— O que é que a sua mãe faz em mim, meu filho?

E o guri, sem meios termos, se abriu inocente feito malha velha:
— Ela dá banho no seu ‘pipi...’ esfrega, morde, depois assopra... por que diabos a mamãe assopra?
Como se tivesse molas no traseiro, o pai pulou do sofá:
— Quem lhe disse isso?
— O senhor promete não brigar comigo?
Aparvalhado, estatelado, sem uma resposta coerente, o pai faz que sim com a cabeça:
— Eu espiei...
— Espiou?
— É.
— Como?
— Pelo buraco da fechadura do seu banheiro e de mamãe.

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha no Espírito Santo, 22-9-2024

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2 comentários:

  1. Camisinha e pipi, essa crônica super legal, ou tri legal, da Carina Bratt, como diria a minha amiga Jéssica Messias de Capão da Canoa, em Porto Alegre, é uma crônica bastante simples e ao mesmo tempo muito complexa. Ela tem em seu conteúdo, um tom muito divertido e curioso. O jeito como o pequeno Davi aborda um assunto tão delicado com uma inocência e sagacidade impressionantes traz à tona a comédia da vida familiar. O pai, em sua tentativa de explicar e desviar a conversa, acaba sendo pego de surpresa pela curiosidade do filho. ´Na mosca. Aí está a diversão de toda a mensagem que o texto engloba. É interessante como a história mostra, lado outro, a percepção infantil sobre questões que muitas vezes consideramos complicadas ou embaraçosas. Davi, com suas perguntas e observações, revela a simplicidade e a pureza da infância, enquanto o pai lida com a confusão e o choque, criando uma situação cômica. A interação entre os dois, traz à nossa realidade o contraste entre a visão ingênua de uma criança e a experiência do adulto, o que pode levar às reflexões mais estapafúrdicas sobre como conversamos sobre temas que achamos ou reportamos delicados (sem na verdade ser uma coisa e outra assim tão difícil de ser entendida) com os nossos pequenos. É uma narrativa que, apesar do humor, levanta questões básicas sobre a educação e o entendimento de assuntos os mais intrincados. E aí está a coisa que todos os pais, muitas vezes se vêm atarantados diante de coisas simples, mas, de fundo literalmente complexo. (Fim da primeira parte)
    Tatiana Gomes Neves, Tati
    tatianagomesnevesistoegente@gmail.com
    Sitio Shangri-Lá, ES/MG

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  2. Continuação da primeira parte. - final
    Entre cobras e lagartos, qual a mensagem central dessa crônica pérola? A mensagem central da Carina, parece girar, ou melhor, de fato, gira como um carrossel em torno da inocência infantil e das complexidades da comunicação entre pais e filhos. Através da conversa entre Davi e seu genitor, a história ilustra como as crianças vêm o mundo de maneira simples e direta, sem as conotações ou tabus que os adultos costumam atribuir a certos temas. Além disso, Carina Bratt destaca a importância da honestidade e da abertura no diálogo familiar, mostrando que é possível abordar questões delicadas com humor e leveza. A situação cômica revela mais. Joga no ventilador e não só joga, coloca na berlinda como os pais muitas vezes podem se sentir despreparados para responder às curiosidades dos filhos, e isso pode levar (e de fato leva) a momentos engraçados, mas também mostra com clareza as oportunidades de aprendizados mútuo. Entendo e acredito, a narrativa nos lembra e nos traz aos medos e receios de nossa memória uma coisinha simples, corriqueira e banal da qual fazemos ou pintamos um bicho de sete cabeças. A comunicação aberta e descomplicada é fundamental (e deve ser sempre assim) para o completo entendimento entre gerações. Essa comunicação entre um e outro, sempre pode se beneficiar de melhorias. Com as mudanças na sociedade e na tecnologia, é essencial que os pais se adaptem e encontrem maneiras mais eficazes de se conectar com seus filhos. Eu sugeriria uma abordagem aberta. Como assim? Criar um ambiente onde as crianças se sintam seguras para fazer perguntas e expressar suas curiosidades sem medo de serem julgadas. Isso se faz crucial. E pode ajudar a evitar tabus e mal-entendidos. Para isso, levar em conta a empatia e a escuta ativa. Que é isso? Os pais podem se esforçar para entender a perspectiva dos filhos, ouvindo com atenção e respondendo de maneira que reconheça as suas emoções e preocupações. Os pais podem apelar para a educação sobre temas considerados delicados. Abordar questões como sexualidade, saúde mental e diversidade de forma clara e honesta, tudo pode ajudar as crianças a se sentirem mais preparadas e informadas. Com o advento das redes sociais e da comunicação digital, os pais podem explorar maneiras de se conectar com os filhos através desses meios, mas mantendo um diálogo aberto sobre o que acontece online. Por fim, não querendo ser chata, nem repetitiva, mas já o sendo, os pais devem modelar o comportamento. E como se faz isso? Simples. Tanto quanto tirar bala de crianças. Demonstrar a vulnerabilidade e admitir que não têm todas as respostas pode ser um poderoso exemplo para os filhos, mostrando que é normal buscar conhecimento e aprender juntos. Vocês todos que são pais, pensem nas melhorias da comunicação. Elas podem ajudar a fortalecer os laços familiares, criar um ambiente mais saudável e promover um desenvolvimento emocional mais equilibrado. Tudo é questão de dar uma parada e pensar. Não dói.
    Tatiana Gomes Neves, Tati
    tatianagomesnevesistoegente@gmail.com
    Sitio Shangri-Lá, ES/MG

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