domingo, 27 de julho de 2025

[As danações de Carina] Tipo assim, como uma asfixia mecânica

Carina Bratt 

BASTOU UM SIMPLES olhar para a moça e ele se encantou com o rosto dela. Verdade seja dita: era um semblante diferente. Ele jamais havia visto um igual, O sorriso, então, o deixou em estado de êxtase. Se tivesse aquela fofura em seus braços, (pensou com seus botões) certamente seria o homem mais feliz na face da Terra. Imaginou-se de braços dado com ela. Seus amigos ficariam com uma pontinha de inveja. Uma pontinha não. A galera entraria numa espécie de deslumbramento difícil de ser descrito. 

A beldade lhe sorriu e nesse sorriso, ele foi aos píncaros do céu e voltou. Meio sem saída, parecia um bêbado transgressor depois de ter tomado todas. Ele se sentiu, num repente, como aquele rapaz solitário e triste, com o coração de poeta. Se fizesse um mapeamento do seu ‘eu’, veria uma longa existência medíocre.  Mas como todo encantamento tem o seu anticlímax, bastou ela se aproximar e emparelhar com ele, para que o coitado notasse algo estranho. 

Não era o perfume que ele imaginara — dava a impressão de algo entre jasmim e poesia associado em um cheiro forte de creme de hidratação capilar misturado com álcool em gel. E então ele viu:   um contentor de cabelos. Sim, um prendedor, desses de salão, segurando uma mecha rebelde no alto da cabeça. E no rosto, uma máscara — não de carnaval, nem de mistério, mas uma daquelas cirúrgicas, azul-celeste, que escondia metade do sorriso que o havia levado ao paraíso. 

Ele piscou. A realidade aproveitou a oportunidade e desferiu um tapinha em sua carinha de homem apaixonado. Talvez o sorriso fosse só um reflexo da luz. Ou a beleza, um truque da distância. Ou quem sabe ele estivesse apenas carente demais. A moça não parou. Passou por ele sem fingir notar seu devaneio. Ou disfarçou muito bem. E ele ficou ali, parado, estancado, com o coração ainda meio embasbacado, tentando entender se tinha se apaixonado por uma mulher... ou por uma ideia. 

A jovem seguiu seu destino. Caminhou com a leveza de quem sabe que, às vezes, o amor é só um espelho embaçado no meio da tarde. A graciosa não tinha, de fato, a intenção de parar. Somente passou, virou a esquina e desapareceu. Escafedeu como se nunca tivesse existido. Com ela foi embora também aquele instante de beleza que, por um segundo, pareceu capaz de redimir toda a sua existência. Ele, bestificado, ficou parado, olhando o vazio onde antes estivera o sorriso dela. 

Por breves segundos permaneceu estático como quem assiste ao fim de um sonho bom demais para durar. Por fim, sentiu-se ridículo.  Um homem feito, parado no meio da rua, com o coração batendo por uma fantasia. Que droga! Ela era só uma moça. Um rosto bonito. Um sorriso. E, ainda assim, ainda assim parecia que algo dentro dele havia se quebrado — ou talvez só tivesse se revelado: a solidão antiga, o cansaço de ser sempre o mesmo, de viver à margem da vida que gostaria de ter. 

Reunindo forças, voltou à realidade. Deu a volta por cima. Sacudiu a poeira da tristeza e se pôs em frente. Seguiu andando devagar, os passos moderados, como quem carrega um peso invisível. E pensou com seus botões, que talvez fosse isso o amor, no fim das contas: uma sucessão de rostos que passam e desaparecem.  Por derradeiro, o que resta?  Bem, o que resta, fica no ‘para sempre’. Permanece inalterado com a sensação de que chegou tarde demais. 

Para aumentar o seu desencanto, aquela coisinha fofa inopinadamente virou a esquina e desapareceu. A deusa encantada sumiu como se nunca tivesse existido. E com o sumiço dela se desfez também o instante de beleza lúdica, aquela magia que, por um segundo, pareceu capaz de redimir toda a sua existência. E ele, o pobre Mané Coitado, ficou ali, parado, estático, extasiado, tresloucado, embasbacado, como quem tenta segurar uma nuvem suspensa lá no céu, com as mãos. 

Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 27-7-2025 

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