Mais do que os tiros que mataram um
policial gay, a lassidão que deixou à solta um terrorista criminoso e
reincidente é um elemento de choque na eleição
Vilma Gryzinski
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Forte, indignada, emocionada:
Marine Le Pen apertou todos os botões certos na reação ao atentado na rua mais
famosa da França. Foto: Lionel Bonaventure/AFP
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Muitas pessoas que acompanham
com certa atenção a política francesa chegaram à mesma conclusão ao ouvir as
primeiras notícias sobre o terrorista que atacou policiais na avenida mais
famosa da França: Marine Le Pen e François Fillon serão os mais votados no
primeiro turno, amanhã.
Os que se informam através do
New York Times e do Guardian devem ter concluído que o atentado não teria
influência nenhuma e que a pior coisa que aconteceu foi o presidente Donald
Trump tuitar especulando sobre seu peso no resultado eleitoral.
Só para lembrar, já que poucos
se dão conta de que ele continua sendo presidente: François Hollande declarou
recentemente que tinha “vontade de vomitar” ao ouvir certos comentários de
Trump. Ele havia dito que “Paris não é mais Paris” por causa do terrorismo.
Qualquer um pode concluir por si quem teve mais finesse.
Como têm jornalistas e
comentaristas da mais mais alta elite, apesar de prejudicados pelas lentes
ideológicas, tanto o Times quanto o Guardian, pilares do progressismo,
começaram a emitir sinais de pânico diante de uma potencial ascensão de Marine
Le Pen. Só os leitores muito distraídos não percebem.
O FiveThirtyEight,
especializado em análise de dados e pesquisas, tentou se proteger: “A eleição
francesa está muito apertada para cravar o resultado”. Não quer dizer muita
coisa, exceto que o fiasco infligido por Trump ainda dói em quem tem algum
senso de honra profissional.
A hipótese de dar Le Pen e
Fillon no segundo turno decorre de um raciocínio que pode ser excessivamente
simplista. O atentado à véspera da eleição levaria muitos franceses a voltar
para Fillon, que era o candidato favorito antes de se implodir pelos empregos
fantasmas para mulher e filhos.
MADONNA E KYLIE MINOGUE
Fillon era favorito justamente
por seguir uma linha dura em relação a terroristas, locais ou estrangeiros, e à
imigração leniente. Com a vantagem de não ter nem a bagagem pesada nem a
ideologia conspurcada pelo passado de Marine Le Pen.
Agarrou-se à candidatura que
parecia em estado terminal, abandonado até por aliados envergonhados com os
vexames sucessivamente expostos sobre os salários pagos aos familiares. Os
aliados mais leais também persistiram. Na falta de argumento melhor, começaram
a falar nos “algoritmos” favoráveis a Fillon.
Seja por efeito dessas
entidades misteriosas ou por algum outro motivo, Fillon ficou firme na faixa
dos 20%. Marine Le Pen e Emmanuel Macron estavam na faixa de 22% a 25%. Ou
seja, tudo embolado, principalmente por causa do grande número de eleitores
indecisos.
O atentado na Champs Elysées
pode ter uma razoável influência nesse processo de decisão. O policial
assassinado por Karim Cheurfi dentro de seu carro-patrulha era quase um poster
do bom mocismo. Perto de completar 38 anos, Xavier Jugelé ia mudar de ramo na
carreira, saindo da área de policiamento de trânsito para a da policia
judiciária.
Tinha participado das
operações de rua na época do atentado contra o Bataclan, em 13 de novembro de
2015. Voltou à casa de shows quando foi reaberta, seis meses depois, num ato
“simbólico” de defesa de “nossos valores cívicos” e rejeição ao terrorismo,
segundo disse a uma revista.
Era gay, vivia em união
estável com o parceiro e adorava cinema. Também gostava de Madonna e de Kylie
Minogue. Guardava numa parede de sua casa duas cartas de agradecimentos de
pessoas que ajudou a salvar num prédio destruído por uma explosão acidental.
O GRANDE PIOR
Os sindicatos da polícia estão
revoltados. Muitos policiais têm sido visados por terroristas como Karim
Cheurfi – que, por incrível coincidência, tem origem argelina. Um
esclarecimento necessário, pois como ele é sempre descrito como francês e ponto
final, alguém poderia imaginar que poderia ter brotado de algum ramo letão,
cambojano ou havaiano. No caso mais ignominioso, um casal de policiais foi
morto a facadas dentro de casa, na frente do filhinho.
A reclamação dos policiais é a
mesma feita no Brasil, em outras circunstâncias: eles prendem, a justiça solta.
Karim Cheurfi não era um ficha S – ou vigiado por islamismo radical – , ao
contrário do que foi dito aqui inicialmente, mas deveria estar no fundo da cela
mais funda que o sistema carcerário francês permite.
Estava solto por leniência
revoltante do judiciário, que agora pode beneficiar Le Pen ou Fillon. Mesmo sem
ficha S, tinha uma “capivara” espantosa. Desde 2016, haviam chegado informações
de que Cheurfi falava em “matar policiais para vingar os muçulmanos mortos na
Síria” – por outros muçulmanos, ressalve-se, embora a lógica não seja o forte
dessa turma.
Detido em 23 de fevereiro
passado por procurar conseguir armas e contatos através de um militante do
Estado Islâmico, foi solto no dia seguinte.
O serviço de espionagem, DGSI,
abriu uma investigação sobre ele em março por causa desses sinais ativos e
evidentes de intenção terrorista. Mas não foi considerado de periculosidade
alta.
Cheurfi vinha de um histórico
de violência contra policiais que, por si, exigiria maior cumprimento do dever
dos encarregados de proteger a sociedade. Como Damastor Dagobé do conto de
Guimarães Rosa, era o “grande pior” nesse ramo. Em 2005, foi condenado por três
tentativas de homicídio. Dois dos esfaqueados eram irmãos e policiais em
treinamento.
JUIZ BONZINHO
Beneficiado por regressão de
regime e outros artifícios perfeitamente legais, embora igualmente revoltantes,
foi solto em 2013. Um ano depois, voltou a seu ambiente natural, condenado a
quatro anos por assalto. Saiu no ano seguinte, em regime de liberdade vigiada
que imediatamente tratou de descumprir: não podia deixar o país, mas mesmo
assim foi para a Argélia. Um juiz bonzinho aceitou a explicação de que tinha
viajado para se casar.
Marine Le Pen teve a melhor
reação ao atentado. Num discurso forte, claro e emocionado, propôs, entre
outras medidas, a expulsão de todos os estrangeiros com indícios de atividade
terrorista. Qual é a parte errada disso, considerando-se que os enquadrados
teriam proteção legal e provavelmente uma greve de fome em peso de toda a
esquerda francesa, em sinal de apoio? Por que um país tem que abrigar
terroristas que declaram intenção de matar o maior número de pessoas que
conseguirem?
Ela propôs também a cassação
da cidadania francesas dos portadores de dupla nacionalidade que cometerem atos
terroristas (proposta idêntica, feita pelo governo Hollande, não decolou).
Mesquitas onde o extremismo é propagado incessantemente pelos imãs? Fecha. Os
pregadores do ódio? Fora da França.
GUERRA ASSIMÉTRICA
Só um resumo sobre estilo – as
propostas políticas e econômicas dos vencedores do primeiro turno serão
analisadas posteriormente. Marine muitas vezes parece irônica demais. Não tem
nada do “le chic français” , aquele invejável e inimitável estilo de se vestir
e se comportar associado às francesas em geral e às parisienses em particular.
Não liga para roupas, usa
maquiagem antiquada, tem rugas e barriguinha excessivas para seus 48 anos. Dá a
impressão de estar louca para sair de qualquer compromisso público para tomar
um vinho e fumar um cigarro – esta, com certeza, uma característica positiva
para seu eleitorado.
No seu discurso de
sexta-feira, ela acusou sucessivos governos de ingenuidade, impotência e
leniência diante de “uma ideologia totalitária bárbara e monstruosa”.
“Esta guerra é assimétrica e
monstruosa, é uma guerra na qual toda a população, todo o país são o alvo; é
uma guerra que, obviamente, não podemos perder”
Emmanuel Macron declarou
depois do atentado: “Esta ameaça, este problema imponderável, isso fará parte
das nossas vidas por muitos anos”.
A eleição de amanhã também
fará parte da vida dos franceses por muitos anos.
Título e Texto: Vilma Gryzinski, VEJA,
22-4-2017
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