Aparecido Raimundo de
Souza
O URUBUGANÇAVIC entrou
no ônibus lotado até os cabelos do motorista. Nessa hora, não havia nenhum
assento vago. Viagem de trajeto longo, careceu de ficar um bom tempo amargando
em pé seu sofrimento, até que um cidadão que ocupava uma daquelas cadeiras destinada
aos idosos sinalizou que saltaria na próxima parada.
Atrapalhando aos
empurrões uns tantos “bocas abertas” em seu caminho, finalmente, por pura
sorte, conseguiu se acomodar. Em face do cansaço do corpo provocado pelo
trabalho árduo, onde de sete da manhã às cinco da tarde descarregava caminhões
e carretas que chegavam ao supermercado, não levou muito tempo, caiu nos braços
de Morfeu*.
A medida que o
coletivo marchava em direção ao seu bairro, um trajeto de (quase uma hora e
vinte de viagem), com pessoas subindo e se acotovelando, outras tantas
descendo, sem mencionar a sinalização ao longo das vias e o problema insolúvel
do trânsito caótico, Urubugançavic acabou literalmente envolvido num sono
pesado. Enquanto isso, o quarenta janelinhas* seguia a sua rota de destino,
objetivando galgar o ponto final.
Em meio ao trajeto, de
repente, dois passageiros se estranharam e começaram a discutir acaloradamente.
Ao entorno deste bafafá, Urubugançavic despertou de sua exaustão letárgica. Não
fosse por tal imprevisto, certamente teria passado da hora aprazada de cair
fora e quem sabe, somente fosse acordar no final da linha. Graças a Deus, a
briga lhe servira de base para voltar à realidade do seu mundinho habitual.
Lado outro, se não
apeasse na localidade costumeira, se veria obrigado a morrer em uma nova
passagem, o que implicaria em um crédito a menos em seu cartão com dias de idas
e vindas contados. Três esquinas antes de deixar a condução, se levantou. Perto
de sua comunidade, poucos gatos pingados. Pediu licença para uma jovem
lindíssima sentada ao seu lado. Ela se fazia cheia de sacolas de compras.
Ao tempo em que a diva concedia o pedido para que saísse do canto onde estivera acomodado, a formosa, num gesto gentil puxou conversa.
Moça: — Descansou?
Urubugançavic: — Não como queria, mas valeu...
Moça: — Você roncou alto. Nossa, parecia uma locomotiva puxando um trem de carga desgovernado. Me desculpe... foi mal... me perdoa... meu nome é Thayssa.
Ambos riram.
Urubugançavic explicou: — Meu trabalho é pesado. Chega neste horário, saio do ar... prazer, eu sou o Urubugançavic...
Para Urubugançavic, a sua parada de machimbombo* finalmente se fez presente. Apesar do tempo escasso, trocaram nomes e telefones. Urubugançavic pressionou o botão da campainha. Se abrindo num rosto de alegria e felicidade, completou: — Me liga...
A moça, encantada com o carinho que emanava da voz máscula daquele espadaúdo, se deixou ser levada por uma emotividade radiosa:
— Ligo sim. Tchau. Bom descanso... não vá se esquecer, meu nome é Thayssa...
Urubugançavic apeou sorrindo de felicidade. Na calçada, depois de acenar um adeus para a sua mais nova companheira de viagem, ao olhar para seus pés, se espantou. Não só se espantou. Mais que isso —, se abalou, estarrecido. Meteu as duas mãos na cabeça. Começou a tremer copiosamente. Estava descalço. Enquanto ele dormia, alguém passou os cinco dedos* em seu par de tênis novinhos em folha que recentemente havia ganhado de sua mãe.
Explicações necessárias:
*Cair nos braços de Morfeu: Dormir pesado.
*Quarenta janelinhas: um dos muitos nomes atribuídos aos transportes de passageiros. O mesmo que ônibus.
*Parada de machimbombo: maneira diferenciada de dizer local de descida, ou ponto de descida.
*Cinco dedos: se refere a um furto simples, roubo ou assalto, dependendo de quem pratica e como o meliante interage para a execução plena da ação.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, 5-12-2025
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