Aparecido Raimundo de Souza
Nesses meus natais de
outrora, essa sala parecia pequena demais para tanta gente. A mamãe, meu pai,
meus irmãos, os vizinhos e amigos da rua descalça... as cadeiras eram
disputadas, e sempre alguém acabava sentado em um banquinho improvisado ou
mesmo no braço do sofá coberto com um pano improvisado. Mas ninguém reclamava:
o importante era o “estar junto”. A rádio vitrola na antiga Rádio São Paulo,
tocava músicas natalinas antigas, e havia sempre uma criança tentando cantar
mais alto que os adultos, como se quisesse provar que o “Natal era dela”.
O tempo parecia correr
mais devagar. E, de fato, corria. A ansiedade pela chegada do Papai Noel se
fazia quase palpável, e mesmo os adultos fingiam acreditar, só para manter viva
a magia. A árvore, simples e cheia de enfeites no mesmo canto de sempre, (esses
enfeites gastos e repetidos ano após ano), guardava histórias em cada detalhe:
a estrela torta no topo, o sino que já não tocava, a bola vermelha com um risco
que lembrava a queda de um ano qualquer.
Hoje, olhando para
trás, hoje olhando para trás, percebo que aqueles natais se faziam feitos de
simplicidade e afeto. De ternura. De maviosidade. Não havia luxo, mas, em
contrapartida, pairava uma abundância de abraços. Não havia tecnologia, no
lugar dela, eu via olhos atentos e sorrisos sinceros. Talvez seja isso que a
minha memória insista em guardar: não os presentes, mas a presença. A presença
que hoje se faz vazia, oca, e bem sei, não existe mais...
E assim, cada vez que o Natal se aproxima, como agora, no momento em que escrevo essa crônica, eu sinto que carrego comigo, aqui dentro do meu “escondido”, um bocadinho daqueles natais de outrora — carrego consciente como se fossem brasas que aquecem o coração, lembrando que o verdadeiro espírito natalino não está no que se compra, mas no que se compartilha, no que se dá em reciprocidade. Esse espírito nunca morre, nunca é enterrado.
Hoje, sem a presença
de meu pai, sem a presença de minha mãe, ambos falecidos, sem a presença das
minhas ex-mulheres, do meu filho e filhas e dos netos que cresceram e seguiram
suas vidas, eu fiquei por aqui. Fiquei sozinho. Permaneci perdido num desvio da
vida, estancado como se fosse uma locomotiva abandonada numa estação qualquer
do passado.
Por conta, em repeteco
da vida cansada, passada, do já vivido, pressinto que não há vozes chamando da
cozinha, nem passos apressados às carreiras pelo corredor. Meu pai e minha mãe,
sempre lembrando, infelizmente já se foram e ao partirem, levaram consigo a
ternura dos natais de minha infância.
No mesmo tom, meu
filho e minhas filhas cresceram, os netos que eles me deram seguiram seus
próprios trilhos, e até os amores de outrora, kikikikikikikiki, até os amores
de outrora ficaram em outras paradas dessa vida... desse tempo que não volta.
Eu, como era de se
esperar, fiquei aqui, sozinho. Permaneço
como uma locomotiva esquecida numa estação deserta. O ferro frio, coberto de
ferrugem, ainda guarda a memória dos dias em que partia cheia de energia, levando
sonhos e passageiros. Hoje, porém, apenas o vento atravessa os vagões vazios, e
o apito que antes anunciava chegadas e partidas, num repente sem volta, tudo se
calou. Algo inexplicável, a tudo emudeceu...
E você, você, aí do
outro lado, você, meu caro leitor e amigo que me lê agora. Saiba que apesar dos
pesares, há algo curioso nesse abandono: a estação, mesmo deserta, ainda
existe. E dentro dela, há ecos. Barulhos e sons de risadas, visões de abraços,
um toque de ternura das músicas desafinadas cantadas em coro. Esses mimos são
como brasas que resistem ao tempo, lembrando que os Natais, notadamente os que
ficaram presos e adormecidos no “meu ontem”, não apenas esse em que eu vivo
agora, mas também os de um tempo bom e maravilhoso, um tempo que se guarda
dentro do que ainda resta do meu coração, do meu coração setenta e dois anos
depois.
Talvez eu seja mesmo
uma locomotiva parada. Me vejo assim, mas ainda carrego vagões cheios de
lembranças. E quem sabe, em algum futuro, alguém (sei lá quem), volte a
embarcar — nem que seja só para me trazer à memória, que mesmo no silêncio
pesado, e denso, ainda há vida esperando para ser celebrada. Apesar dos
pesares, ou melhor, apesar da solidão, das mágoas que afloram e notadamente das
lágrimas que derramo, a todos os meus amigos e leitores, do que ainda resta de
mim, FELIZ NATAL!
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 24-12-2025
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