Um pingue-pongue
com Rogério Big Brother: “EU NEGO TUDO.”
O desabafo do homem que carrega sozinho nas costas o rock baiano há um quarto de século.
O desabafo do homem que carrega sozinho nas costas o rock baiano há um quarto de século.

Miguel Cordeiro é um gênio
mesmo: ele disse tudo com essa teoria do voo da galinha.
A banda que mais me deu
desgosto foi os Dead Billies. Eu vi a porcaria de contrato deles com a WR e
falei pra eles: “Olha, aquele seu contrato já expirou depois de 7 anos. Vocês
só precisam passar no escritório da WR e assinar um papel pra rescindir sua
ligação com eles. Daí eu mesmo posso relançar os seus dois discos em vinil, com
um contrato vantajoso pra vocês pela Big Boss Records.” Sabe o que eles
fizeram? Nada. Só me responderam que não dava pra fazer isso ainda,
porque cada um tava ocupado com isso e aquilo, que não dava pra os quatro se
reunirem, porque um deles tava morando em outra cidade, outro não podia sair de
casa, e ficaram só enrolando.
Quer dizer: esses caras não
querem se mover pra nada mesmo. Estão todos muito acomodados com a vidinha
deles: Rex fica feliz com a profissão dele de publicitário de agência de
design, desenhando embalagem de amendoim; Morotó largou os Retrofoguetes porque
só quer ser professor de violão clássico; Glauber ficou doido; e Joe processou
Pitty!
O que mais me dói mesmo é ver
o sucesso de outras bandas bem fracas lá na Europa: até os Autoramas ganham
1400 euros por show! E não é só pela bilheteria, não: assim que o show acaba,
os músicos abrem a mala com os CDs da banda e vendem os discos deles ali mesmo!
Sem distribuidor, sem precisar dividir a grana com intermediários. Eles fazem 7
shows por semana, tocam até na Lituânia. Agora imagine só se as melhores bandas
daqui, como os Dead Billies e as Shes, excursionassem pela Europa nesse mesmo
esquema independente, tocando bem melhor e cantando em inglês: eles iam faturar
mais alto do que Pitty no Brasil!
Então se você quer uma
explicação para o rock baiano não se desenvolver é porque a maioria dos músicos
são pessoas de classe média que não querem sair da zona de conforto. Ninguém
aceita sacrificar a segurança por uma aposta no Exterior. Nenhum deles quer se
arriscar.
Ernesto Ribeiro: A questão fundamental é: por que eles não querem se arriscar? Eles não são como os caras do Camisa de Venus, que no início dos anos 1980 toparam correr o risco de abandonar seus empregos fixos e cair na estrada, sem nenhuma garantia de sucesso, só contando com a moral do público, tendo tudo o mais contra eles. Gustavo Müllem era bancário, Robério Santana era desenhista publicitário, Marcelo Nova era radialista de uma das maiores emissoras do Nordeste. E por aí vai. Então eles foram mesmo muito corajosos para quebrar a casca e sair daqui, mesmo sem gravadora, sem apoio da mídia, sem dinheiro nem para comer uma refeição decente, vivendo na Boca do Lixo e morando de favor por quase um ano no apartamento da ex-esposa de Gustavo.
Pra se dedicar 100% á carreira
musical, com todos apostando contra você, é preciso tenacidade, fibra de
guerreiro e total auto-confiança. Isso dá todo o exemplo que não é seguido
pela quase totalidade dos roqueiros baianos desde os anos 90. Eu nunca vi nada
disso em nenhum de meus ex-colegas de faculdade, vizinhos e conhecidos que se
dizem "rockers" mas que não mexem mais do que uma palha para
ir além da Bahia. Então se você quer a minha explicação para o rock
baiano não conquistar o mundo lá fora, eu acho que é por várias razões, mas a
primeira delas é a falta de coragem.
Rogério Big Brother: Quando
Glauber veio até a mim da primeira vez em que ele gravou um CD solo, foi o
maior esforço do mundo só pra ele sair de casa e me encontrar na rua. Eu só vi
o carro da mãe dele parar por um instante na minha frente, quando ele abriu o
vidro da janela só o suficiente pra empurrar o CD com a gravação master através
da fresta, até entregar o disco na minha mão. Aí ele fechou a janela e o carro
partiu. Ele nem falou uma só palavra comigo.
Ernesto Ribeiro: Eles
são como cães de raça pura e bom pedigree, que só comem ração especial e
filé mignon. Na melhor das hipóteses, largam tudo e se mudam para o Canadá, a
Europa, os EUA. Isso porque vivem bem desde que nasceram e não querem sair do
conforto.
Somente Pitty correu atrás e
ralou desde o começo, precisamente porque ela veio de baixo. Desde que era uma
molequinha molambenta que não se depilava e vestia roupas de rapaz, com cabelo
crespo trançado e correndo como um vira-lata, ela nunca largou o osso.
Trabalhou desde os 13, estudou Música na Universidade Federal da Bahia, onde
aprendeu compor, tocar e cantar; fundou uma banda pauleira de rock sujo, a
Inkoma; depois tocou bateria num grupo de punk rock hardcore só de meninas, as
Shes; fez dueto ao vivo numa canção dos Dead Billies, montou uma banda cover
onde cantou todas as músicas do Nirvana no Tributo a Kurt Cobain; e finalmente decidiu
fazer uma carreira solo com 3 instrumentistas de bandas mortas. Taí o
resultado: só ela conquistou TUDO e se tornou a Rainha do Rock brasileiro, pois
escolheu viver somente de música como uma profissão de vida e morte. E
se satisfazer em ter um padrão de vida classe média até modesto. Pitty sempre
teve mais culhões do que todos os caras juntos.
Rogério Big Brother: Eles
querem que as coisas caiam do céu na mão deles. Não querem ralar. Eles querem
que um grande empresário arranje um grande contrato com uma grande gravadora
pra eles irem tocar nos Estados Unidos. Eu falo pra eles: “Mas os Estados
Unidos são o lugar mais difícil do mundo para um músico estrangeiro entrar.”
Ernesto Ribeiro: Os
sindicatos de músicos americanos não deixam ninguém invadir o mercado deles.
Você só entra se estiver contratado por uma grande gravadora americana. E pela
matriz, não a filial. Essa estória dos EUA como o país do livre comércio é
conversa fiada. Os Estados Unidos da América são um dos países mais protecionistas
do mundo. Descobri isso antes mesmo de ir pra lá, quando eu telefonei ao
consulado americano em Salvador para conseguir informações sobre como os Dead
Billies ou outros grupos de músicos brasileiros poderiam se estabelecer por lá.
Sem chance. Mesmo fazendo música americana, mesmo cantando em inglês. É
praticamente impossível. Talvez na década de 1960 fosse mais fácil. Mas depois
o corporativismo profissional deles fechou a porta e tornou tudo cada vez mais
inacessível. Conseguir um vínculo empregatício é dificílimo.
A grande ironia disso tudo é
que o meu avô paterno era primo de João Gilberto, o músico brasileiro mais
bem-sucedido da História, que estourou na América como um super astro, morou em
Nova Iorque por uma década, toca sozinho em estádios lotados cobrando 100
dólares o ingresso e tem milhões de fãs em todo o mundo, até no Japão. E só
tocando Bossa Nova.
Título: Ernesto Ribeiro, 28-08-2014
Após o show do Camisa de Venus, no barzinho exterior do Dubliners Irish Pub, eu e Rogério temos nossa conversa: longa, animadíssima, reveladora e emocionada, que começa do lado de fora, prossegue lá dentro e vai para a rua.
ResponderExcluirConcordamos em TUDO.
No final, eu estava de cabeça baixa, uivando de tanto desgosto.
Rogério pôs a mão no meu ombro, tentou me consolar e me disse:
"Não vale a pena chorar por causa disso, cara. Eu mesmo já parei de sofrer pelo rock baiano faz muuuuuuuuuuito tempo..."
Eu disse a ele: "Você deveria escrever um livro contando tudo o que sabe."
Big Boss: "O título é: "EU NEGO TUDO." rarara..."
Viver no Terceiro Mundo nunca foi tão doloroso como agora. Oh, que vergonha.