Luciano Henrique
Lemos o seguinte na revista Época (e
depois comento):
Turquia revogou as licenças de
21 mil professores que trabalham em instituições privadas, disseram
autoridades. Esta é mais uma das medidas de repressão do governo turco após a
tentativa de golpe militar da semana passada. Além disso, o Conselho de Ensino
Superior ordenou a saída de 1.577 reitores universitários por todo o país. Mais
cedo, havia sido anunciado o afastamento de 15 mil funcionários do Ministério
da Educação.
Após a madrugada sangrenta que
matou 290 pessoas na Turquia entre sexta-feira e sábado, o governo chamou os
insurgentes militares — que tentaram tomar o poder — de terroristas. O
presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, vem sugerindo a possibilidade de reestabelecer
a pena de morte para punir os rebeldes.
Nesta terça-feira, em uma
tentativa de tranquilizar a comunidade internacional, o primeiro-ministro
turco, Binali Yildirim, negou a existência de um “espírito de vingança” contra
as pessoas envolvidas na tentativa de golpe. A declaração, no entanto, não
parece condizer com as ações tomadas pelo governo.
Em um comunicado, o Ministério
da Educação já havia anunciado a suspensão de mais de 15 mil de seus
funcionários suspeitos de ter vínculos com o imã Fethullah Gülen, acusado de
estar por trás do fracassado golpe. As novas demissões em massa somam-se aos já
cerca de 20 mil militares e servidores civis destituídos ou detidos na
sequência do levante militar.
“Uma coisa assim é
absolutamente inaceitável no Estado de direito”, disse Yildirim no Parlamento.
“Esta nação tira sua força do povo, não dos tanques”.
Antes que eu siga com meus
comentários, leia o que a matéria ainda tem a dizer sobre o desrespeito de
Erdogan pelo estado de direito:
As imagens que mostram
agressões e humilhações contra os soldados golpistas que se renderam provocaram
uma grande polêmica, sobretudo nas redes sociais. Líderes ocidentais apelaram à
Turquia para que se respeite o Estado de Direito.
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Imagem: Reuters |
“O nível de vigilância e de
atenção será importante nos próximos dias”, advertiu o secretário de Estado
americano, John Kerry.
Fontes informaram que 257
funcionários do gabinete do premier foram afastados também por suspeita de
envolvimento na tentativa de golpe. No mesmo dia, uma autoridade turca informou
que cem funcionários da Inteligência foram suspensos por susposta ligação com o
movimento religioso de Gülen — um pregador exilado nos Estados Unidos.
Em uma entrevista ao canal
CNN, Erdogan disse que sua vida correu perigo durante a tentativa de golpe, mas
os detalhes de seu retorno da cidade de Marmaris (oeste), onde estava de
férias, continuam sendo confusos.
“Se tivesse ficado 10 ou 15
minutos a mais no hotel, teriam me matado, sequestrado ou transferido”, disse
na segunda-feira à noite à rede de televisão americana.
Até o momento, ao menos 118
generais e almirantes foram detidos em todo o país por suposta participação no
golpe, segundo a agência de notícias estatal Anatolia.
Um tribunal de Ancara
determinou a prisão preventiva de 26 generais e almirantes do Exército na
segunda-feira, acusados, entre outros crimes, de tentativa de derrubar a ordem
constitucional, de liderar um golpe armado, de tentativa de assassinato do
presidente Erdogan e de formação de um grupo armado.
Um dos generais presos, Akin
Ozturk, que segundo parte da imprensa teria sido o cérebro da intentona, nega
as acusações.
“Não sou a pessoa que planejou
ou liderou o golpe. Não sei quem o fez”, afirmou Ozturk em um texto apresentado
ao tribunal. “Com base em minha experiência, acredito que a estrutura paralela
(uma referência à rede do pregador Fetulhah Gülen) aplicou a tentativa de golpe
de Estado militar”.
O tenente-coronel Erkan
Kivrak, assistente militar de Erdogan, também foi detido, segundo a agência. O
Estado-Maior afirmou que a grande maioria das Forças Armadas não teve
absolutamente nada a ver com a tentativa de golpe.
A respeito de Gülen, Ancara
indicou ter enviado informações a Washington por seus supostos vínculos com a
tentativa de golpe, anunciou Yildirim. Mas o clérigo, exilado nos Estados
Unidos desde 1999, nega qualquer envolvimento na intentona.
“Sempre fui contra a
intervenção de militares na política interna”, afirmou na segunda-feira em uma
entrevista à AFP nos Estados Unidos. “Em um panorama como este, já não é possível
falar de democracia, de Constituição, de uma forma de governo republicano”,
acusou o líder opositor, ex-aliado de Erdogan e atualmente seu grande inimigo.
Além disso, o religioso
afirmou que o governo pode ter desempenhado um papel na tentativa de golpe.
“Há informações da imprensa
que indicam que membros do partido no poder estavam a par da tentativa oito, 10
ou 14 horas antes”, disse.
Como este blog havia informado
dias atrás, Erdogan é um sujeito maquiavélico, mas com um nível de realismo que
seus adversários golpistas não possuíam. As lições da política moderna nos
mostram que só existem duas alternativas de se obter o poder: (1) pela via
democrática, a partir da guerra política, (2) pela via do totalitarismo
dissimulado, a partir da guerra política para corromper a democracia. Outros
modelos obsoletos incluem: (3) pela via democrática, sem jogar a guerra
política, e aí, no máximo, contando com colapsos absurdos causados pelo
oponente, (4) pela via do totalitarismo, a partir de ações do golpismo de
estado formal, colocando tanques na rua.
Os adversários de Erdogan
utilizaram essa quarta alternativa. Com isso, Erdogan morreu de rir. Sabia que
seus adversários, ao escolherem um modelo obsoleto de tomada de poder, estavam
no máximo dando mais poder a ele. Com seu retorno ao cargo, e em seguida
adotando táticas dissimuladas de tirania moderna, Erdogan poderá utilizar
a repressão contra seus opositores.
Você pode até dizer que minha
análise é “imoral”. Falso. Ela é uma análise amoral, tal como avaliar se vai
chover ou não, ou se a febre de alguém aumentou ou não. Não há aspectos morais
nisto. Mas é bom lançar uma observação: de fato Erdogan é imoral até a medula,
ao utilizar os métodos da tirania moderna. Mas para combatê-lo seria preciso
esperteza, e não burrice precipitada, a qual foi impetrada através de ações
obsoletas e desalinhadas com qualquer estratégia moderna.
Quando falamos aos intervencionistas
modernos que eles servem aos interesses do PT, muitos deles se enfurecem. Claro
que não conseguirão ver uma intervenção acontecendo (pois o exército brasileiro
não seria tão estúpido quanto o exército turco), mas a mera existência de seres
humanos verbalizando o desejo de que ocorra uma intervenção militar serve aos
interesses propagandísticos do PT. Totalitário, o partido de Lula e Dilma
queria alguma forma de coerência ao frame “estamos sofrendo um golpe”. Para dar
essa coerência, a presença de pessoas estampando cartazes pedindo “intervenção
militar já” foi instrumental, mesmo que eles nem sonhassem que somente serviam
aos interesses do PT. Tal como os intervencionistas turcos (que aí sim
conseguiram colocar os tanques na rua) serviram aos interesses de Erdogan.
No fim, a política é bela por
nos dar lições como esta: o mundo é dos espertos. E os intervencionistas
precisam começar a entender que, se não jogarem a guerra política (o que os
faria deixar de serem intervencionistas, no mínimo), só servirão como
instrumentos nas mãos de seus opositores muito mais espertos. Repetindo o que
disse Alvin Toffler: “Se você não tem uma estratégia, você é parte da
estratégia de alguém”.
Erdogan agora poderá curtir a
vida de tirano moderno (e ele escolheu o modelo 2 de tomada de poder, ou seja,
da tirania dissimulada). Ele poderá se esbaldar. Porque ele merece. É triste?
Sim. Mas é a realidade.
Título, Imagem e Texto: Luciano Henrique, Ceticismo Político, 22-7-2016
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