Este ano lectivo, Coimbra
recebeu 749 alunos estrangeiros. As tradições académicas convencem-nos de imediato,
mas a língua é sempre o maior problema
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Coimbra, foto: JP, 29-12-2011 |
“Coimbra é uma lição, de sonho
e tradição. O lente é uma canção e a Lua a faculdade. O livro é uma mulher, só
passa quem souber e aprende-se a dizer... saudade.” Este fado de José Galhardo
é um dos hinos de Coimbra e tem sido um lema daqueles que vivem na cidade
durante curtos espaços de tempo, como é o caso dos estudantes de Erasmus. De
Espanha à Rússia passando pela Lituânia até ao Brasil são variadas as origens
das centenas de estudantes que todos os anos escolhem Coimbra para fazer parte
do seu currículo académico. As principais razões incluem a história e a
tradição da cidade.
Em Coimbra há actualmente 749
alunos estrangeiros no programa Erasmus (só de Espanha chegam 246 alunos), num
total de 82 nacionalidades: no fim de contas, 18,33% dos cerca de 20 mil alunos
da universidade são estrangeiros.
Pinar Ersoy, turca, foi uma
das alunas que estiveram a estudar na Universidade de Coimbra ao abrigo do
programa Erasmus. Viveu ali durante seis meses, o suficiente para se apaixonar:
“Adorei o rio Mondego. Ia todos os dias às docas para tomar o pequeno-almoço,
sair à noite ou simplesmente para ir ver o rio e os patos”, diz, não
conseguindo disfarçar o sorriso. A jovem de 22 anos recorda vários momentos
marcantes, mas o mais flagrante confessa que é o significado do seu nome no
calão português. “A memória mais engraçada que tenho é, sem dúvida, o que quer
dizer o meu nome. Nem vale a pena falar nisso, acho que podem imaginar. Todos
os portugueses faziam piadas sobre isso”, diz. Contudo, a estudante de Economia
não levou a mal o sentido de humor português e descreve os lusitanos como
pessoas prestáveis: “Mesmo quando não sabem falar inglês, tentam e ajudam
sempre”, explica.
Embora na Turquia haja festas
estudantis parecidas com a Queima e a Latada, a jovem conta que ficou
surpreendida com o cortejo académico, evento que descreve de forma simples: “É
uma celebração em que durante um dia inteiro os estudantes tomam banho de
cerveja.”
Javier Sanjurjo, espanhol,
teve mais sorte e permaneceu um ano na cidade dos estudantes. Ao i diz que
escolheu Coimbra porque tinha ouvido falar no ambiente universitário de
Portugal e considera que não foi enganado: “As minhas primeiras impressões
foram positivas. Mal cheguei senti-me em casa e pressenti logo que ia ser um
ano formidável”, recorda. O estudante de Arquitectura conta que o que mais
gostava era de acordar de manhã e não saber como nem onde iria acabar o seu
dia. “Em Coimbra é tudo imprevisível. Há sempre barbecues, festas, concertos. A cidade não pára”, relembra o
espanhol de 24 anos, acrescentando que foi nestes eventos que conheceu aqueles
que hoje considera os seus melhores amigos. Para Javier, o melhor sítio que
existe na maior cidade é a Praça da Sé Velha. Talvez por isso o jovem diga que
a melhor memória que guarda é da Serenata da Queima das Fitas: “Foi absolutamente
mágico”, diz.
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Coimbra, foto: JP, 29-12-2011 |
Mireias Planas, conterrânea de
Javier, optou por Coimbra convencida por um amigo que já tinha feito ali
Erasmus. “Ele ficou apaixonado. Só dizia que tudo era um encanto: muita
tradição académica, muitas festas e lugares incríveis”, conta a espanhola.
Depois deste discurso, Mireia não resistiu e arriscou. À semelhança de outros
estudantes estrangeiros, rendeu--se no primeiro minuto: “Mal cheguei
ajudaram-me a procurar casa e nos assuntos académicos”, relembra. A aluna de
Animação Socioeducativa deixou-se envolver pela mística coimbrã e não resistiu
a experimentar tudo aquilo a que tinha direito: Festa das Latas, Queima das
Fitas, praxe, Serenata, jantares de cursos e até foi baptizada no rio Mondego.
“Viver tudo isto foi incrível. Ver tanta gente junta nas ruas a cantar, a
dançar, a beber, poder fazer parte desse mundo... Não há palavras para
descrever”, afirma. Para a espanhola não existe nenhuma tradição académica no
mundo como a de Coimbra e ainda reforça que toda esta experiência mudou a sua
vida. “Coimbra tem tudo: história, tradição, modernidade, festa, boa comida e
bom vinho.” Aliás, com tantos convívios, Mireias chega mesmo a admitir que o
que recorda com mais carinho são os momentos em que jogava às cartas, bebia
traçadinho e, de repente, alguém começava a cantar: “Mão direita, mão direita é
penálti” e todos bebiam o copo cheio sem intervalos. “Era incrível”, finaliza.
Christin Ottersted tinha
apenas um objectivo quando veio para Coimbra: aprender a falar português.
Infelizmente, mesmo com os seis meses que passou em Portugal, a alemã não
conseguiu dominar a língua de Camões. “É muito difícil aprender a língua”,
lamenta. Essa crítica é comum à maioria dos estudantes estrangeiros, que se
queixam da dificuldade de acompanhar as aulas e de alguma falta de apoio para
aprender português.
Felizmente, isto não criou
nenhuma barreira para a alemã Christin Ottersted. “Adorei Coimbra desde o
início. As pessoas são simpáticas e hospitaleiras”, afirma. Mas, como não há
bela sem senão, o que foi realmente difícil foi a adaptação ao estilo de vida:
“A vida é mais relaxada que na Alemanha, onde somos muito mais rígidos. Seja
nos prazos de trabalhos, seja na burocracia académica, em Portugal tudo é
vivido de uma forma mais calma. Custou a habituar-me, mas no final já gostava
disso”, confessa. A alemã admite que o seu passatempo preferido era passar as
tardes à beira do rio Mondego e ver os estudantes vestidos com o traje
académico, que foi o que mais a fascinou na tradição coimbrã.
Para Cristina García Marrufo,
a capa e batina dos estudantes foi um “choque”. Segundo a espanhola, a primeira
impressão que teve quando chegou e viu todos os alunos do ensino superior de
preto é que eram discípulos do Harry Potter.
Feitiçarias à parte, para Igor
Lebedev o verdadeiro choque quando chegou à cidade dos estudantes foi outro,
bem mais difícil de ultrapassar, e as diferenças entre Portugal e a Rússia
foram um verdadeiro desafio. “A maior diferença que senti foi o clima. Gosto de
calor e havia muito mais sol aqui do que no meu país”, esclarece. Isto para não
falar do pouco frio que se sente em Portugal quando comparado com a Sibéria:
“Fazia-me confusão não existir neve. Foi uma grande surpresa nunca nevar em
Coimbra. Antes não conseguia imaginar sequer um Inverno sem neve”, afirma o
estudante. Outra grande mudança sentida por Igor foi a falta de chá ou café nas
cantinas estudantis para beber durante as refeições. “Na Rússia costumamos
acompanhar a comida com bebidas quentes, ao contrário do que acontece em
Portugal”, conta.
Já o que mais surpreendeu
Francesco Monamaco foram as imensas oportunidades académicas que Coimbra
oferece aos estudantes: “No meu país não existem tunas nem convívios e muito
menos uma associação académica. Fiquei também surpreso pelo papel de absoluta
importância que em Coimbra tem o ensino superior”, declara o italiano.
Embora muitos admitam que em
Portugal a burocracia é demasiado “lenta” e “confusa”, o leque dos 84 cursos
que existem na Universidade de Coimbra (UC) consegue cativar os estudantes.
Alguns estrangeiros decidiram mesmo vir para a UC devido ao seu prestígio
internacional. Em relação aos professores, os estudantes dividem-se: uns dizem
que estes foram “sempre prestáveis”, outros que “pareciam fugir deles”.
Lorena
Xavier Aquino sublinha que, no seu caso, gostou mais do curso de Jornalismo em
Portugal que daquele que frequentou no Brasil, por ser “muito mais prático”.
ENCANTO DA DESPEDIDA
Coimbra encanta, mas cansa.
Para todos os estudantes estrangeiros, o único ponto negativo da cidade é
geográfico. São as ruas íngremes, chamadas por muitos verdadeiras “montanhas”.
Mas nem isso os demove da opinião que formaram sobre aquela que muitos chamam
“cidade perfeita”.
Título e Texto: Márcia
Oliveira, jornal “i”, 25-01-2012
Edição: JP
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