Almir Pazzianotto
Políticos, imprensa e a elite civil reagem
coléricos à declaração atribuída ao presidente Jair Bolsonaro, para quem o País
seria ingovernável. Relembro que a frase pertence ao ex-presidente José Sarney,
que a disse após tomar conhecimento do texto da Constituição de 1988.
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Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil |
Isso já foi dito em outras
ocasiões por presidentes e primeiros-ministros de distintos países. A confusa
Itália é exemplo de país ingovernável, escreveu Norberto Bobbio. De Gaulle
também o teria dito a respeito da França. Líbia, Iraque, Venezuela, são vítimas
de ingovernabilidade. O mesmo não se pode dizer da Alemanha, do Japão, ou da
China. A Inglaterra suportou os horrores da Segunda Grande Guerra sem prejuízo
da governabilidade, assegurada pela liderança de Churchill.
Afinal, o que são os nossos
legislativos municipais, estaduais e federais, senão a representação amalgamada
de velhos e condenáveis usos, costumes e culturas, como os analisou Paulo Prado
no imortal Retrato do Brasil. Governabilidade é definida no Dicionário Houaiss
como “a situação em que as instituições funcionam bem, existe tranquilidade
política e suficiente estabilidade financeira para que o governo possa
governar”. “A não governabilidade é o produto conjunto de uma crise de gestão
administrativa do sistema e de uma crise de apoio político dos cidadãos às
autoridades e ao governo”, observa Gianfranco Paquino no Dicionário de
Política, escrito em parceria com Norberto Bobbio e Nicola Mateucci (Editora
UNB, Brasília, DF, 1909). Costuma se agravar em períodos de aguda crise fiscal.
Governar é o desafio diário
enfrentado pelo chefe do Poder Executivo, chame-se Sarney, Collor, Itamar,
Fernando Henrique, Luís Inácio, Dilma Rousseff ou Jair Bolsonaro. Exige mais do
que voluntarismo e desejo de acertar. Necessita de retaguarda partidária
sólida, coesa, confiável, e de ministros de Estado dedicados, competentes,
despidos de vaidade. Dele se espera que saiba parar, refletir e calar em
momentos de pressão e dificuldade.
A tranquilidade essencial para
o exercício do governo é comprometida quando os partidos se reduzem a voláteis
legendas, fracas, pusilânimes, empenhadas na prática da fisiologia e na defesa
dos interesses corporativos, tribais, pessoais.
A instabilidade financeira
esteve presente em todos os governos democráticos, desde a queda do regime
militar. Nunca há dinheiro suficiente para atender às demandas sociais e às
necessidades de investimentos em infraestrutura. Quando existe é dilapidado na
corrupção ou consumido em obras faraônicas. Ambiciosos projetos são lançados,
iniciados e paralisados por falta de recursos. Como frutos colaterais da instabilidade,
temos a imprevisibilidade e as turbulências geradoras de incerteza, que
atravancam o processo de desenvolvimento e debilitam o mercado de trabalho.
Nas últimas décadas, o País
tem sido vítima de opressiva mediocridade política. Com a naturalidade típica
dos oportunistas, desenvolvem-se as negociações em torno de ministérios,
cargos, diretorias, empregos e favores, segundo o desavergonhado princípio do
“toma lá dá cá”. Os presidentes das casas legislativas se utilizam dos
regimentos internos para manipular ordens do dia e pautas de votações, em
sintonia com a conveniência pessoal, regional ou partidária.
Veja-se, para não ir longe, o
caso da Previdência Social. Que o sistema previdenciário previsto na
Constituição de 1988 é deficitário e inviável, todos sabemos. Errou a
Assembleia Nacional Constituinte quando redigiu, sob o comando de relatores e
sub-relatores alucinados, o Título VIII que trata Da Ordem Social (arts.
193/232). Várias tentativas de adaptá-lo ao mundo real fracassaram. Diante da
crise já instalada, o presidente Michel Temer incluiu a Reforma da Previdência
como prioridade de ambiciosa Agenda Para o Brasil, apresentada no final de
2017.
Ouvido pela imprensa declarou
na ocasião o ministro da Fazenda Henrique Meirelles: “A reforma da Previdência
será aprovada dentro de dois meses” (IstoÉ, 1º/11/2017). Estava iludido.
Passaram-se quase dois anos e o destino da última proposta de emenda,
apresentada pelo ministro Paulo Guedes, é incerto e desconhecido. Já se cogita
da possibilidade de ser abandonada.
O Brasil vive processo de
ingovernabilidade. Não crucifiquem o presidente Jair Bolsonaro pelo gesto
impulsivo. Eleito acidentalmente, sem dispor de retaguarda política forte,
firme, confiável, não lhe basta o apoio discreto de honrados oficiais generais.
As batalhas que o aguardam na Câmara dos Deputados, no Senado, e no Poder
Judiciário, dificilmente serão vencidas se insistir em ser voluntarioso à
frente de indisciplinado pelotão de deputados e senadores dotados de armamento
obsoleto, com escasso paiol de munição.
Título e Texto: Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi
Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Diário do Poder.
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