Aparecido
Raimundo de Souza
TODA VEZ
QUE O EURÍPIDES ia cobrar o tal do Horácio, quem aparecia para atender à porta era a
mulher dele, uma jovem com dezessete anos, acompanhada de um garotinho nos
braços. O apartamento do sujeito ficava no segundo andar, no final de um
corredor comprido e de frente para a porta de um banheiro nojento que exalava
um mau cheiro que se sentia de longe a catinga.
Cada andar do prédio comportava vinte
residências, ou melhor, apertadas e raquíticas quitinetes, já que os aposentos,
por dentro, não iam além de uma sala enorme, uma cozinha americana e um quarto.
Não havia área de serviço e os residentes quando queriam lavar suas roupas
tinham que subir para um terraço onde o senhorio instalara um tanque e um varal
coletivo que ocupava todo o pavimento.
Aquela já era a quarta vez que o Eurípides batia
a campainha na casa do Horácio e também a quarta vez que a mulher dele vinha
atender, com a criança no colo e a resposta à mesmíssima das vezes anteriores:
- O senhor deu azar novamente. O Horácio ainda
não chegou e nem sei a que horas vai dar as caras. O senhor não quer entrar,
tomar uma água, ou um cafezinho?
Nas visitas passadas Eurípides recusara os
convites. Não ficava bem entrar, sentar, tomar café, ainda mais com aquele
pedaço de mau caminho que o ilustre caloteiro mantinha em casa. Verdade, a
mulher do Horácio, embora fosse uma mocinha recém-saída das fraldas, dava um
belo de um caldo. Não era de se jogar fora. E a safadinha atendia à porta
vestida em poucas roupas.
Uma sainha muito curta, uma blusinha colada ao
corpo insinuando um par de peitos fartos, sem sutiã, os biquinhos dos mamilos
arrebitados. Sem falar nas pernas bem feitas, na barriguinha com o umbiguinho
de fora e, nos lábios carnudos que se abriam sensuais e tentadores. Resumindo:
a esposa do Horácio indubitavelmente se constituía numa tremenda de uma
tesãozinha.

- O senhor tome assento, por favor...
Eurípides se acomodou num sofá encardido, de dois
lugares apenas, fedendo a urina e a cocô. A mulher botou o menino no chão e o
rodeou com uma pá de brinquedos. Passou a cozinha que comportava um fogão de
quatro bocas, uma mesinha cheia de panelas, pratos e copos, amontoados,
misturados a restos de uma cesta básica dessas de supermercados, com pacotes de
arroz, pela metade, feijão, lata de óleo e duas caixas de leite.
Eurípides se limitou a sorrir enquanto esperava
lhe fosse servida a bebida. No assoalho desigual com alguns tacos faltosos, o
garotinho não ficou um segundo quieto. Levantou-se e caminhou em direção ao
quarto do casal, cômodo esse dividido por uma porta faltosa com um bercinho
bastante antigo e caindo aos pedaços. O moleque chegou perto da cama e se
abaixou. Olhou para Eurípides e apontou o dedinho em riste:
- Pa... pa... pai... pa... pai... lá...
A princípio Eurípides não entendeu bulhufas o que
o menino sinalizava em sua inocência. Só depois que a moça saiu às carreiras da
cozinha e foi até ele, e o puxou, com força, pelo braço, se abaixando e
deixando nesse mergulho, entrever a calcinha amarelinha minúscula, a ficha caiu
e ele tomou pé da verdadeira situação.
- Juninho, fica quietinho aqui. Mamãe está
ocupada atendendo o titio. Quer ver televisão?
Sem esperar por resposta, ligou o aparelho, mas
nem o desenho que passava conseguiu prender a atenção do sapeca:
- Pa... pa... pai... pa... pai... lá... emba...
repetiu na sua inocência mal desabrochada.
Eurípides, num momento voltou à realidade. O indivíduo
que ele fora cobrar estava em casa e, pior, escondido, feito um rato, acuado
embaixo da cama.
Título e
Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
de Viracopos Campinas, São Paulo. 31-5-2019
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