Charlotte d’Ornellas
Quem são esses jihadistas, o que querem e
por que partiram?
O livro Le combat vous a été prescrit,
une histoire du jihad em France, (O combate vos foi prescrito, uma
história do jihad em França), revela a história daqueles que querem voltar –
para a França.
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Para Romain Caillet, os
jihadistas que querem regressar vão, evidentemente, [...] representar um perigo
para a França. Foto: Zuma/REA
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De “Lobos solitários” a
“radicalizações expressas”, o vocabulário é escolhido para tentar minimizar o
desenvolvimento de uma ideologia que seduz futuros soldados há três décadas na
França. Com a ajuda de fontes policiais e judiciais, confidências do serviço de
Informações ou de próprios jihadistas, Romain Caillet e Pierre Puchot mostram
na sua obra uma pesquisa minuciosa e corajosa, que ajuda a entender como a
França deixou crescer em seu seio os que só sonham em destruí-la.
O seu nome suscita críticas...
Quem é você exatamente?
Eu fui muito próximo do
movimento jihadista e não nego. Tinha um pé dentro, ainda que eles nunca me
tenham reconhecido como um deles. Algumas teses me seduziam, sobre os regimes
árabes, notadamente. Mas nunca estive de acordo com a luta contra o Ocidente.
Fui um companheiro parceiro de 2000 a 2007 antes de romper com eles,
violentamente.
Desse período, guardei os
contatos, amigos e em seguida continuei a vigiá-los sob pseudônimo
Hoje em dia, alguns me
detestam, outros aceitam o meu trabalho que julgam objetivo, e outros, enfim,
continuam meus amigos apesar das divergências. Alguns me passam informações.
Esclareço que desde julho de 2013 não uso nenhum pseudônimo: foi a data a
partir da qual muitos jihadistas foram para a Síria, eles se comunicam
facilmente.
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Romain Caillet, foto:
Sébastien Ortola/REA
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Fala-se atualmente no retorno deles, no das suas esposas ou dos seus
filhos. Deve-se ter receio?
Evidentemente, os
“regressados”, como são chamados depois do sucesso do livro de David Thomson,
vão representar um perigo nos próximos anos. Se alguns irão abandonar
convicções jihadistas, muitos conservarão essas convicções e aparecerão como
veteranos ou exemplos a seguir para a próxima geração de jihadistas. Além da
percepção bem real, no plano de segurança pública, os políticos compreenderam
que a opinião pública rejeita massivamente toda e qualquer ideia de
reabilitação ou de perdão, contrariamente ao que se faz, às vezes, no mundo
árabe para os jihadistas.
Na mesma ordem de ideias,
penso que o governo (da França) vai fazer tudo para impedir ou atrasar o
regresso dos que estão detidos no Iraque ou na Síria e, de qualquer maneira,
seria suicídio político considerar uma outra solução. Até agora, é a melhor
coisa a fazer? Na minha opinião só existem más respostas para esta questão. No
papel, é tentador para as autoridades deixar cair no esquecimento, lá no fundo
de uma prisão iraquiana ou síria, mas as coisas não se passarão dessa maneira.
Se, em França, ainda não se viu nenhuma fuga de jihadista, no mundo árabe não é a mesma coisa. Lembremos que em 2007 o francês Peter Chérif se evadiu de uma prisão iraquiana, onde estava cumprindo pena de quinze anos de prisão. O que aconteceria se não fosse um, mas dezenas de jihadistas franceses se evadindo nos próximos anos? No que concerne as mulheres, tenho a impressão que a percepção no seio do debate público passou de um extremo a outro: há alguns anos eram descritas como vítimas, ao passo que, atualmente, é quase como se elas fossem mais culpadas do que os seus maridos.
Bom, está certo que elas
aderiram à ideologia jihadista, ao projeto do Estado Islâmico, e muitas delas
aprovaram os atentados cometidos em França, mas a grande maioria se contentou
com o papel de esposa de jihadista, sem exercer nenhuma responsabilidade.
Enfim, no que toca a crianças,
somente os garotos com mais de nove anos e que puderam participar de sessões de
doutrinamento e treinamento militar representam um perigo real. O que não quer
dizer que meninas ou crianças nascidas lá, que têm menos de cinco anos, não
apresentem traumatismos que serão particularmente difíceis de gerir pelos
serviços sociais.
Por que há tão poucos universitários trabalhando sobre este assunto?
Constato desde há muito tempo
que existem bloqueios. Alguns são ideológicos, outros são técnicos: falta de
rede, falta de competências ou falta de contatos.
Ideológicos?
O meio universitário é muito à
esquerda e aterrorizado com a possibilidade de alimentar a extrema direita ou
de ser rotulado de islamofóbico. É um absurdo, porque não se trata de trabalhar
sobre o islão, mas sobre a corrente jihadista, que tem as suas próprias
referências. É minoritária no mundo muçulmano, mas é um componente.
Tem outro problema para os
universitários, é a questão da segurança. É uma questão que eles detestam em
geral. Um universitário me disse, um dia, que nós não devíamos ter
especialistas em jihad, mas em violência radical. Resultado, nos encontraríamos
com um antropólogo que não sabe árabe e não é especializado. No máximo, teria
se debruçado sobre a delinquência suburbana, pior, sobre a extrema-direita. Não
é sério.
Para completar, tem ainda o
problema da rede de conhecimentos. Muitos universitários sonham com um posto no
estrangeiro com um salário mais interessante. Para isso, é necessário ter boas
relações com os intelectuais locais, que, geralmente, têm um discurso
complotistas que acusa o Ocidente de todos os males do mundo. Portanto, eles
evitam falar sobre estes temas.
Sem contar que para obter um
cargo de diretor em um centro de pesquisas no estrangeiro é preciso ser
aprovado por um dos seus pares pesquisadores e igualmente por um conselho de
diplomatas. Eles (os universitários) nunca arriscarão criar inimigos.
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Atentados de 13 de novembro de
2015. Todos os jihadistas que realizaram atentados na França eram originários
da imigração, legal ou ilegal. Foto: Stéphane Allaman/SIPA
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O que devemos reter do vosso livro?
Que nunca existiriam atentados
sem a conjunção de dois fenômenos: jovens que desenvolvem ódio pela França e
uma organização riquíssima que colocou a França na sua agenda.
Se esquecemos o ódio à França
que se desenvolve nos subúrbios, não compreendemos. Se refletirmos, o Estado
Islâmico preferiria mil vezes atacar os Estados Unidos, mas é menos fácil. Na
França, eles sabem que são soldados. Inversamente, se ocultamos a questão
geopolítica, fica difícil compreender, porque a política internacional da
França é decisiva na comunicação do Estado Islâmico. Mas dizendo que eles são
malucos, evitam-se todas as questões incômodas para os políticos.
E o que dizer do qualificativo “desequilibrado”?
Evidentemente conheci
jihadistas que tinham antecedentes psiquiátricos, como em todos os movimentos
radicais. Mas reduzi-los a isso é um absurdo. Eles têm um argumentário racional
e não há a menor empatia nas suas palavras. Mas se compreende muito bem que
esta qualificação agrade a todo o mundo: tê-los como malucos, evitam-se as
discussões sobre imigração e sobre a política estrangeira da França.
Quem são eles, então?
Encontram-se em todos os meios
sociais e de todas origens. Em contrapartida, os que realizaram atentados em
solo francês são jovens provenientes da imigração, com um pesado passado
delinquente.
Nenhum francês de origem,
convertido ao islã, regressou para cometer um atentado na sua casa. O ódio pela
França não é o mesmo, sem dúvida.
O que pensa sobre o termo “lobo solitário”?
Essa ideia nasceu com Mohammed
Merah. Primeiramente, não consigo acreditar que se possa ir ao Afeganistão, ao
Paquistão, regressar, voltar lá, tudo sem ser fichado. Ele estava em processo
de recrutamento como informante, portanto, é muito provável que ele tenha se
beneficiado de alguma forma de impunidade.
Mas existe uma outra
interrogação: os sermões do seu mentor em Afeganistão estavam então acessíveis
em todos os fóruns francófonos! Como se pôde acreditar em Merah, que explicou
tê-lo encontrado por acaso? O termo “lobo solitário”, mesmo neste caso, é muito
pouco crível.
Escuta-se às vezes que os jihadistas não conhecem nada do Islão...
Outra desonestidade. Um juiz
antiterrorista explicou, um dia, que os jihadistas não conheciam nada do Islão,
pois que não sabiam diferenciar xiitas de sunitas. Eu nunca vi um jihadista que
não soubesse a diferença! Talvez as pessoas interrogadas estejam gozando com os
seus interrogadores...
É preciso também compreender
que muitos muçulmanos querem absolutamente mostrar que não existe nenhuma
relação com o Islão. Sem querer duvidar da sinceridade dessas boas pessoas, é
absurdo.
Como explicar o aumento considerável de partidas para a Jihad nos
últimos anos?
Houve três fases.
Primeiramente, a impressão de ir salvar Sírios oprimidos, por causa da
propaganda na qual todo o mundo participou, inclusive a mídia francesa.
Depois veio a ideia de
participar da história, de criar um Estado islâmico.
Enfim, a ideia de vingança
nasceu quando a coalizão começou a atacar o Estado islâmico.
Mas não podemos reduzir as
motivações deles a este conflito, muitos procuraram se juntar a uma “terra do
islão” antes.
Que lugar ocupa o componente geopolítico na motivação deles?
O jornalista David Thomson acha
que a geopolítica é um álibi. Debatendo com eles, eu tinha a consciência da
realidade. É um tema que eles evocam, mas eles não falam jamais sobre uma
sociedade excludente ou do desemprego, por exemplo...
No princípio desta movimentação,
os jihadistas visavam a França por causa do apoio ao regime argelino, agora porque
ela bombardeia o Estado Islâmico. Mas a França bombardeia porque atentados
foram cometidos precedentemente, justificados pelo apoio diplomático à coalizão...
enfim, é a história da galinha primeiro ou o ovo!
Como eles escolhem os seus alvos?
Eles visam os países pela sua
população. O atentado de Orlando (Flórida, Estados Unidos) perpetrado contra
uma boate gay, tinha, por exemplo, sido muito criticado por alguns jihadistas.
Eles não estão chocados por matar homossexuais, mas receiam que a mensagem seja
desfocada: eles querem matar americanos e não, primeiramente, homossexuais.
Quando o Estado Islâmico
reivindica o atentado contra o Padre Hamel, é a França que ele visa, pois que
os jihadistas identificam os seus inimigos de maneira confessional. Quando eles
atacaram o Bataclan, eles tinham a certeza de que matariam franceses de origem.
Eles nunca teriam escolhido um concerto de rap!
O atentado contra o Stade de
France contradiz um pouco a sua afirmação...
Efetivamente, eles poderiam
ter matado muitos imigrantes, mas seria simbólico: François Hollande estava no
local.
Eles não têm medo de empurrar os franceses para rejeitarem cada vez
mais o islão?
Eles não estão nem aí. A
situação dos muçulmanos na França não é um problema deles: a corrente jihadista
considera que a França não é uma terra do Islão, portanto, os muçulmanos não
têm nada que viver lá. Alguns até se perguntam se estes são verdadeiramente
muçulmanos.
O Estado islâmico está muito enfraquecido, devemos recear novos
atentados na França?
Eu não acredito que eles ainda
sejam capazes de organizar atentados bem logísticos, como o do Bataclan. Mas
lembremo-nos que o atentado mais mortífero foi o de Nice. Bastou um
simpatizante que respondeu ao chamado dos jihadistas.
Ora, os simpatizantes da
corrente jihadista são bastante numerosos, ainda que esse número não aumente
mais.
Entrevista a Charlotte d’Ornellas, Valeurs Actuelles, nº 4234, de 18 a 24 de janeiro de 2018
Prison in France: Terrorism and Islamism
ResponderExcluirAlemanha: "Refugiados" fazem disparar a criminalidade em 92%
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