Aprendia-se na escola que o
chefe dos Lusitanos e vencedor dos Romanos era “um pastor dos Montes
Hermínios”. Mas ele não era pastor nem tinha nada que ver com a Serra da
Estrela.
Luís Almeida Martins
Toda a gente conhece Viriato – ou julga conhecer.
Faz parte da cultura geral do português médio descrevê-lo como “um pastor dos
Montes Hermínios” que, à frente dos Lusitanos, combateu vitoriosamente os
invasores Romanos, preservando a independência portuguesa. Sim, Montes
Hermínios era o nome dado em tempos remotos à Serra da Estrela. Imaginamos
então os patriotas lusitanos, meio ocultos nas vertentes, a lançarem grandes
pedregulhos sobre as legiões que desfilavam ordeiramente pelos vales. Entre
dois combates, Viriato e a sua gente recolhiam-se à Cava que tem o seu nome, e que fica na cidade de Viseu. De acordo com
esta ideia feita, terá sido assim a primeira guerra portuguesa pela
independência.
Mas, na realidade, Viriato era um poderoso chefe
guerreiro da tribo dos Lusitanos que viveu e combateu no Sul da Península
Ibérica – no Alentejo, na Estremadura espanhola e na Andaluzia. Entre os anos
147 e 140 a.C., infligiu de facto algumas derrotas aos Romanos, que acabaram
por levar a melhor depois de terem mandado assassiná-lo à traição, durante o
sono.
Provenientes da Europa Central, os Lusitanos eram
um dos muitos povos que então povoavam a Península, habitando uma área que se
estendia de ambos os lados da atual fronteira luso-espanhola. Depois de
conquistada e pacificada a região, os Romanos deram o nome de Lusitânia a uma
das províncias em que dividiram a Hispânia: estendia-se pela moderna Espanha
adentro e a sua capital era Mérida. Mas na época renascentista começou a
dizer-se e a escrever-se que os Portugueses descendiam dos Lusitanos. Tal
hipótese foi descartada por Alexandre Herculano em meados do século XIX, mas
isso não impediu que o Estado Novo retomasse, para efeitos de propaganda, a
ideia de que os Portugueses descendem dos Lusitanos. Ora, os Portugueses são
uma mistura de múltiplos povos, na qual talvez entre a componente lusitana, mas
em muito menor medida do que a fenícia, a romana, a germânica, a árabe, a
berbere, a judaica, a francesa do período napoleónico ou até (basta olharmos em
volta) a brasileira, a ucraniana ou a africana dos nossos dias. Escusado será
dizer que devemos muito mais aos Romanos – que nos organizaram e de quem
herdámos a língua, que bebiam vinho e comiam pão de trigo – do que aos
Lusitanos, que tinham costumes estranhos e falavam um idioma perdido e que
agora nos seria totalmente incompreensível.
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Foto: João Lopes, agosto 2006 |
E quanto à Cava de Viriato, nada tem que ver com o
caudilho lusitano, embora uma pequena estátua sua ali tenha sido erguida em
1940. Trata-se de uma fortificação basicamente da época muçulmana, embora com
vestígios romanos atestando a sua utilização já em épocas anteriores. Só no
século XVI é que começou a ser associada a Viriato – que provavelmente nunca
pôs os pés na bonita cidade beirã, nem na Serra da Estrela.
Texto: Luís
Almeida Martins, in “365 dias com
histórias da História de Portugal”, página 15.
Digitação: JP
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