Rui Ramos
Pablo
Iglesias explicou que não convinha ao Podemos que o PSOE saísse “forte” das
eleições. Percebe-se: o que lhe interessa é um PSOE na posição em que Costa pôs
o PS, derrotado e dependente
Contavam os mais velhos que
quando queriam saber o que se passava em Portugal ouviam a BBC. Era nos tempos
da censura. Mas há poucos dias, muita gente terá tido a mesma sensação ao ler o
artigo que o El País dedicou a António Costa. Eis, em espanhol, o que
ninguém em português pode escrever: que Costa foi, nas eleições, o “pior de
todos os candidatos”, que acabou derrotado por seis pontos percentuais de
diferença, e que apenas chegou a primeiro-ministro por ser um “grande
malabarista”.
O artigo de El País foi
por cá muito partilhado.
Percebe-se porquê: na imprensa da paróquia, Costa é um génio, cercado de
competências e destinado a conquistar “Portugal inteiro” com o aumento da
“procura interna”. E quem diz o contrário, está “ressabiado” ou é
“radical”.
A puxar pelo situacionismo não
estão só os costistas. Está quase toda a oligarquia, que sempre ansiou, nestes
últimos quatro anos, por ver o Partido Socialista no poder. Percebe-se porquê:
o PS foi, desde 1976, o partido que se podia entender com todos. Ao contrário
de outros partidos sociais-democratas europeus, não estava comprometido com
sindicatos poderosos. Dizia-se de esquerda, mas a direita habituara-se a votar
nele. Governou sempre conforme os ventos, entre os prós e os contras: umas
vezes reformando e outras resistindo às reformas. Confundiu-se de tal modo com
o regime, que a sua ideologia passou a ser aceite como senso-comum.
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Ilustração: Jorge Restrepo/El País |
Acontece que António Costa
comprometeu essa qualidade central do PS. O PS depende hoje do PCP e do BE como
nunca dependeu de nenhum outro partido desde 1976. Porquê? Porque o PS perdeu
as eleições, e só poder ser governo por mercê do PCP e do BE, sem alternativa.
É, por isso, o elo fraco da “nova maioria”. O primeiro resultado desta situação
foi a diluição do poder de governo num regime de assembleia, como já se se
constatou no caso da educação. Mas o parlamento não é toda a história: há
também a rua, onde o PCP prepara a inevitável vaga de greves nos transportes
públicos. A oligarquia tinha uma esperança: com o PS aliado à esquerda,
dissipar-se-iam os chamados “conflitos sociais”. Era uma ilusão. O PCP obrigará
Costa a beber a taça da humilhação até ao fim. Pelo que disse ontem na
Assembleia da República, Costa já deve ter percebido para que está destinado:
“Aquilo que o PCP não está disponível para apoiar, é aquilo que nós não estamos
disponíveis para propor”. É este o PS por que o PCP esperou durante quarenta
anos.
Anteontem, Pablo Iglesias explicou que não convinha ao Podemos
que o PSOE saísse “forte” das eleições. Percebe-se: o que lhe interessa é um
PSOE na posição em que Costa pôs o PS, derrotado e dependente. Mas se este PS
fraco serve à esquerda radical, a quem mais serve? Na companhia do PCP e do BE,
Costa pode repor rendimentos e aumentar impostos. Mas preparar o país para
competir no mundo do euro, da UE alargada e dos mercados abertos, e construir
um sistema social eficiente e sustentável, como tenta Matteo Renzi em Itália ou propõe Emmanuel Macron em França? Preso ao PCP e ao BE, Costa
pode ficar, perante “os bloqueios estruturais à competitividade” (expressão de
Costa), na situação de irrelevância em que o líder trabalhista Jeremy Corbyn está no Reino Unido perante a questão da
defesa.
É neste contexto
que a moção de rejeição do PSD e do CDS ganha um sentido diferente do
que lhe tem sido atribuído. Os costistas clamam que só servirá para cimentar a
Frente Popular, como se o objectivo mais importante para o PSD e o CDS fosse
dividir a “maioria de esquerda”. O costismo não percebe que o que interessa à
direita é reforçar a Frente Popular, para tirar ao PS o seu papel privilegiado
no regime. A direita foi tentada pelo curto prazo. Mas compreendeu que a médio
prazo o prémio será maior. Talvez El País possa explicar isso
um dia.
Título e Texto: Rui
Ramos, Observador,
3-12-2015
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