quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Revanchismo caviar

Duarte Marques

Na passada sexta-feira assistimos na Assembleia da República a um dos momentos mais tristes do debate sobre a educação em Portugal. Após anos de experiência, e alguma polémica inicial, o recurso aos exames da quarta classe revelou-se bastante positivo e até algo surpreendente para muitos professores, pais e encarregados de educação. O jornal Público fez uma longa reportagem sobre o tema e vários foram os professores que, céticos à partida, se revelaram apoiantes entusiasmados dos "malditos exames".

Chamaram-me a atenção as razões apontadas pelos diversos professores, alguns mesmo diretores, ouvidos nas mais diversas reportagens que foram publicadas a propósito da prevista extinção dos exames. A mais surpreendente de todas é aquela que recorda a maior preocupação e responsabilidade dos pais na educação e sucesso dos filhos. Sim, o papel dos pais na educação dos filhos é fundamental, não substituindo o papel do professor mas cumprindo o seu papel de pai e cuidador. Pais empenhados na educação dos filhos costuma resultar em filhos com melhor aproveitamento escolar. Outros pais, e encarregados de educação, revelam que são entusiastas dos exames porque isso legitima mais a sua exigência quanto ao empenho dos filhos nos estudos. Por umas ou por outras razões, e apesar da histeria inicial, a verdade é que os exames da quarta classe convenceram os mais céticos, os diretores mais renitentes e até os pais mais distantes.

Os exames preparam os alunos para a exigência, são um teste às suas capacidades, mas também uma oportunidade para avaliar o sistema pois permitem comparar os resultados. O PS em campanha, e no seu programa eleitoral, prometia "avaliar o sistema de exames nacionais", mas não hesitou, no primeiro debate sobre educação, em votar a favor das propostas da extrema-esquerda portuguesa e, agora, sua aliada. Fê-lo sem debate, sem ouvir os parceiros do sector e, pior do que tudo, contrariando o seu programa eleitoral e usando um argumento falso que seria a concordância do Conselho Nacional de Educação (CNE) com a extinção dos exames.

O grupo parlamentar do PS citou falsamente, e de forma ardilosa, um suposto parecer do CNE que defenderia o fim dos exames nacionais. Jamais o CNE defendeu a extinção dos exames da "4.ª classe", jamais houve um parecer a defender a eliminação destes exames.

Para não ficarmos com dúvidas o melhor mesmo é ler o dito parecer e facilmente se perceberá que a realização de exames nunca foi posta em causa. Aquilo que se diz é: "Reavaliar a adequação das provas finais de 4º e 6º ano aos objetivos de aprendizagem dos ciclos que encerram, bem como rever as condições da sua realização". Ou seja, adequar o conteúdo dos exames aos objetivos de aprendizagem e realizá-los fora do período de aulas, à semelhança dos restantes. Aliás, o que é proposto pelo PSD/CDS e pelo PS nos seus programas eleitorais é muito semelhante nesta matéria e concordante com esta posição do CNE.

No referido debate em plenário, o Bloco de Esquerda chegou até a reconhecer os bons resultados obtidos nesses exames nacionais, mas atingiu o absurdo quando afirmou que os resultados do 4.º eram bons "porque muitos alunos chumbam no 3.º ano com medo dos exames". À falta de argumentos mais inteligentes, este utilizado pelo BE atinge o Olimpo da estupidez.

De uma assentada, o PS foi a reboque da esquerda radical, tal como na questão dos exames dos professores (matéria legislada pelo próprio partido socialista), contrariando o seu programa, o seu passado e a sua tradição. Sem debate, sem discussão e sem ouvir os parceiros habituais, a nova coligação de esquerda "mandou às urtigas duas das reformas mais corajosas, e de maior sucesso, que foram feitas na área da educação. Apetece repetir a pergunta que ontem o Alexandre Homem de Cristo fez no Observador "Quem manda na Educação?" pois não acredito que seja o PS. Não me parece que o novo Ministro da tutela, tendo em conta o seu percurso e formação, tenha concordado com esta diminuição da exigência e de rigor.

O perigo real é verificar que o PS está mesmo refém dos seus parceiros de coligação, não só noutras áreas mas sobretudo na educação onde as reformas têm um impacto direto na formação das novas gerações. Os jovens não podem ser cobaias do radicalismo de esquerda, do novo revanchismo caviar que apenas procura uma pequena vingança contra um modelo de educação que ao longo de 4 anos nunca conseguiram derrubar, um modelo assente na exigência, na qualidade e no rigor, características que causam repulsa ao ideário da esquerda radical que revê mais no facilitismo, na falta de exigência e na falta de avaliação.

Esta é a primeira grande pirueta do Partido Socialista após a tomada de posse do novo governo. É triste mas é verdade. Como diria Ferro Rodrigues "habituem-se".
Título e Texto: Duarte Marques, Expresso, 2-12-2015

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