Salvador Massano Cardoso
Quando comecei a ler Konrad Lorentz, há
muitos anos, fiquei fascinado com as suas pesquisas e descobertas. A etologia,
ciência do comportamento dos animais, revelou aspetos que podiam, pelo menos em
parte, explicar muito do que é o ser humano e o que faz. E faz coisas
verdadeiras miseráveis, a ponto de envergonhar qualquer outra espécie. É a
única que mata o seu semelhante com uma violência e perversidade que não se
observa em qualquer outro animal.
A agressividade é inata, assim
como outras formas básicas de vida, caso dos comportamentos sexual e alimentar
entre outros.
Ficou para a história a imagem
dos patos a segui-lo como se fosse a mãe. Os patos quando nascem seguem o que
se mexe no momento. Até faz lembrar certas pessoas da nossa praça que, quando
nascem para a política, seguem o chefe como se fosse a "mãe". Mas
este é outro fenómeno para ser autopsiado noutra altura!
Ganhei gosto pela etologia. Li
muito sobre tão importante ciência que ajuda a compreender a nossa natureza,
sobretudo, repito, a violência com que somos capazes de tratar o próximo.
A agressividade é inata, vital para a sobrevivência do indivíduo e da espécie, mas no caso dos humanos, seres "criados à imagem e à semelhança de Deus", as coisas complicam-se. O uso das mãos, dos dentes, das unhas e dos pés, são substituídos por arcos e flechas, facas, machados, pistolas, espingardas, bombas e todo o arsenal que a mente humana é capaz de criar, ou seja, multiplica a uma escala nunca vista aquilo que pode ser útil à sobrevivência, matando e destruindo. Muitos dos fenómenos etológicos são úteis porque ajudam a explicar a humanidade; fragmentada em sociedades, grupos, ideologias e religiões que, na prática, se comportam como "espécies" diferentes e ameaçadoras umas das outras.
Lorentz era um médico
austríaco que lutou na segunda grande guerra e foi feito prisioneiro pelos
russos. Ganhou o prémio Nobel da Medicina conjuntamente com dois amigos,
Nicholas Tinbergen e Karl Von Frisch. O primeiro fez parte da resistência
holandesa e foi prisioneiro da sinistra Gestapo, enquanto o segundo tinha
sangue judeu.
As suspeitas de que Lorentz
era nazi não é de hoje. Após o final da guerra desculpou-se, segundo julgo,
argumentando que foi obrigado a inscrever-se no partido para não perder o
emprego. Agora, a Universidade de Salzburgo desclassificou-o, "post
mortem", anulando o título de doutor "honoris causa" por esse
facto. Fico confuso e muito perturbado.
Uma das épocas mais tenebrosas
da medicina prende-se com o período nazi. Não é que Lorentz tenha tido parte ativa
nas mais execráveis experiências e comportamentos de que há memória. No
entanto, o facto de ter concluído pelo efeito "negativo do
hibridismo", fenómeno que não corresponde à realidade, contribuiu para
reforçar a tese da supremacia racial. Este é apenas um aspeto que norteia a
tese nazista do investigador. Nas suas obras, Lorentz tenta explicar em parte a
razão de ser do mal da humanidade através de muitos comportamentos inatos a que
os seres humanos não são imunes. Agora fico dividido entre o respeito que tenho
pelos seus trabalhos e a ofensa da sua atitude política. Seja como for, muitos
aspetos da sua obra continuam a ajudar e a explicar muito do que são os seres
humanos, violentos à escala mais absurda da perversidade, mas também capazes
dos maiores feitos em que o amor e o carinho se podem manifestar com a mesma
intensidade, mas de sinal contrário.
Como é possível que alguém que
ajudou a compreender a razão do mal possa ter aderido a uma ideologia que é um
dos mais tenebrosos símbolos em termos ideológicos?
Uma pergunta que lhe gostaria
de ter feito.
Agora tento imaginar qual
seria a(s) sua(s) resposta(s).
Quase que me apetece dizer que
o ser humano consegue ser mais misterioso do que todos os mistérios do
universo, com Deus, sem Deus ou apesar de Deus.
Título e Texto: Salvador Massano Cardoso, “4R – Quarta República”, 23-12-2015
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