Se
nunca experimentei irreprimível orgulho em ser português, hoje o sentimento é a
pura vergonha. Ao contrário do que cheguei a pensar, o dr. Costa não é apenas
péssimo para o País: será provavelmente o seu coveiro
Alberto Gonçalves
Venho aqui, de corda simbólica
ao pescoço, confessar o meu erro. Durante semanas, acreditei que António Costa
era uma nulidade disléxica e perigosa, que em prol da sobrevivência política
imediata estaria disposta a dar ligeiras abébias a ambos os partidos comunistas
e, no essencial, a aplicar as habituais e infalíveis receitas do PS a caminho
da bancarrota. Alguns, os que confiam ou fingem confiar na ponderação, no
“europeísmo” e na habilidade ecuménica da criatura, alertaram-me para o
excessivo pessimismo. Mas o meu defeito foi ser demasiado otimista.
Bem sei que, conforme garantem
tantas almas dóceis, não estamos em 1975. O problema é que PCP e BE gostariam
que estivéssemos, e o problema maior é que é o próprio dr. Costa a liderar,
cantando e rindo, a viagem de regresso. Em vez de chamar os extremistas à razão,
destapou a careca da irracionalidade do PS, apesar de tudo uma inovação.
Nem vale a pena referir a
eventual suspensão das concessões dos transportes terrestres, que já preocupam
diplomatas de Espanha, França, Reino Unido e México. As aéreas declarações
sobre a TAP, que prometeu resgatar à força da posse dos acionistas privados,
são evidentemente o momento mais alucinado em 40 anos de sucessivos governos,
eleitos ou impostos como o atual. Nunca, desde o distante 25 de novembro e o
degredo do Companheiro Vasco, um primeiro-ministro exibira, sequer remotamente,
tamanho empenho em remover-nos do “quadro” europeu e democrático a que, por
conveniência geográfica, tolerância alemã e uns pozinhos de mérito intrínseco,
temos pertencido.
Ainda que, na melhor das
hipóteses, a ameaça não passe disso, desenhou-se a linha: de agora em diante,
somos oficialmente, e descontada a redundância, um exotismo terceiro-mundista
onde nenhum estrangeiro sem distúrbios investirá 10 cêntimos sem antes se
despedir deles para sempre. Esqueça-se a felizarda Grécia e repita-se, ao jeito
da “Espanha” de Sócrates: “Venezuela, Venezuela, Venezuela”, que pelo menos
dispõe da atenunate da vizinhança igualmente folclórica. Se nunca experimentei
irreprimível orgulho em ser português, hoje o sentimento é a pura vergonha. Ao
contrário do que cheguei a pensar, o dr. Costa não é apenas péssimo para o
País: será provavelmente o seu coveiro.
Será útil decidir se a
sorridente criatura age por estupidez ou por convicção? Não é. A primeira não
tem remédio. E a segunda, quando cegamente orientada por ideologias
trágico-cómicas, é por definição estúpida. Útil seria arrancar o dr. Costa do
poder com os mesmos bons modos com que ele o tomou. A Sagrada “Conchtição”
(sic), tão pródiga em artigos lindos, não inclui um artigo destinado a
proteger-nos de irresponsáveis terminais? Não há um candidato presidencial
genuinamente aflito com o rumo das coisas? A generalidade dos media irá continuar a abençoar a “normalidade”
da situação? O edificante universo “empresarial” prosseguirá impávido até às
negociatas de curto prazo e o cataclismo sem retorno? E o povo trabalhador, que
usualmente sai à rua a fim de acautelar salários, horários, feriados e
regalias, acha de facto que sairá a lucrar desta história ou apenas receia
constipar-se?
Não sei. Sei que na noite de
31, só os loucos ou os cínicos farão votos de Bom Ano. Por azar (?), Portugal
está repleto de amas as espécies. O dr. Costa é uma espécie de consequência.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sábado, nº 608, de 22 a 28 de dezembro de 2015
Digitação: JP, 27-12-2015
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