Pedro Passos Coelho
O ano de 2016 será
importante para mostrar se o resultado alcançado pelo nosso país nos últimos
anos foi uma mera consequência da imposição da vontade dos credores ou se
correspondeu também a uma vontade inequívoca dos portugueses.
Não é, obviamente, indiferente uma hipótese ou outra.
No primeiro caso, dir-se-á que as autoridades nacionais, na ausência do
controlo exigente dos credores, não farão o que é necessário para continuar as
reformas estruturais já iniciadas e que encontrarão todas as desculpas para
interromper os esforços de consolidação orçamental, minando a confiança e pondo
em causa as condições mais adequadas ao crescimento económico e à criação de
emprego. Por outro lado, com isto tenderão a ressurgir dúvidas sobre a nossa
capacidade para sustentar a dívida e saldar responsabilidades, o que penaliza a
nossa capacidade de financiamento e as condições mais elementares de
crescimento.
No segundo caso, que é o que mais desejamos, dir-se-á que a saída limpa
do programa de assistência não foi um acaso e que Portugal decidiu marcar um
tempo de reforma estrutural que não quer reverter e que, pelo contrário, fará
até por aprofundar, incutindo confiança e garantindo uma recuperação económica
e social reforçada.
É evidente que o resultado final depende sobretudo da vontade política do
Governo. E é assim, felizmente, porque hoje a margem de escolha é, apesar das
restrições reais e conhecidas, muito maior do que nos anos precedentes, em que
cumpríamos o Memorando deixado pelo resgate. É também muito visível,
infelizmente, que as primeiras impressões que se podem recolher da vontade da
nova maioria socialista e comunista que suportam o Governo são negativas e
apontam mais para a hipótese que desejávamos rejeitar.
Cabe-me sobretudo, nesta ocasião, explicitar melhor as razões que, no meu
ponto de vista, recomendam uma estratégia diferente daquela que parece estar a
ser seguida, deixando os leitores julgar a pertinência das opções em aberto.
O país tem hoje uma economia a crescer e a gerar emprego, apesar do
elevado nível de endividamento público e privado acumulado durante muitos anos.
O mais importante é que tem conseguido suportar este crescimento com excedente
das suas contas externas, financiando o crescimento sem recurso ao
endividamento externo. Tem também algum espaço orçamental para remover
progressivamente medidas ditas de austeridade, que restringem o rendimento
disponível das famílias. O grande desafio aqui é conseguir um ritmo de
recuperação desse rendimento, tanto na vertente orçamental como fiscal, que
seja compatível com o caminho de redução do seu défice público e sem deteriorar
o equilíbrio externo. Ou seja, saber como aumentar o ritmo do crescimento da
economia e do emprego, bem como a recuperação do rendimento sem suscitar
dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública, e sem gerar novos
desequilíbrios, tanto no plano das contas externas como no plano orçamental.
A resposta parece óbvia: conhecidas as restrições quanto ao nível de
endividamento público e privado, o único caminho sustentável para o crescimento
é a atração de investimento direto externo, já que a fraca poupança interna
dificilmente permitirá um financiamento alternativo adequado. De certo modo, é
o que se vem observando no caso irlandês. A elevada taxa de crescimento (quase
7% em 2015) não vem tanto da procura interna alimentada pelo consumo ou pelo
investimento endógeno, mas vem sobretudo do elevado grau de abertura da
economia irlandesa e da forte capacidade para atrair e fixar investimento
estrangeiro. Também para Portugal, e independentemente da melhoria do mercado
interno que se deseja, o caminho deverá ser o do reforço das exportações,
impulsionado pelas medidas de melhoria da competitividade económica, e o da
capacidade para atrair e fixar investimento estrangeiro. A ideia é simples: se
o Estado e os privados nacionais têm pouca margem para gastar e investir,
porque têm dívidas elevadas para pagar e porque o nosso mercado interno é
limitado, então, o crescimento mais forte terá de vir de fora.
Por outro lado, o contexto europeu e global em que nos inserimos
recomenda prudência nas políticas. A política monetária do BCE não se irá
manter indefinidamente. E no dia em que for revertida, como acontece agora nos
EUA, os que têm défices e dívidas maiores ficam sob stress financeiro e
deixarão de beneficiar de um euro mais competitivo para impulsionar as suas
exportações para fora da zona euro. Recentemente, o Banco de Portugal alertou
para estes efeitos negativos, prevendo que ocasionariam que as taxas a 10 anos
pudessem passar para um valor entre 4% e 5%. Também o preço do petróleo não vai
ser sempre favorável e a sua reversão ocasionará maiores custos, que reduzem as
possibilidades de consumo e de investimento. Em conjunto, este contexto
aconselha a não relaxar muito a estratégia económica e financeira, porque um
maior alívio hoje pode reduzir a nossa margem de autonomia no futuro e mesmo
custar mais apertos e dificuldades amanhã.
Ora, uma vez que já estamos a crescer e a criar emprego, parece que a
prudência é uma boa escolha.
Mas estes objetivos de prudência orçamental e de atração de investimento
externo, para serem alcançados, pressupõem a confiança dos investidores como
condição essencial. Porém, as primeiras indicações que têm sido dadas são
negativas.
Desde logo, a estratégia orçamental. Anuncia o Governo que pretende
continuar a reduzir o défice e a trajetória da dívida pública. Porém, as
medidas até agora anunciadas contradizem esta afirmação. O Governo não se
limitou a introduzir alguma flexibilização na trajetória apresentada em abril
deste ano no Programa de Estabilidade, relaxando um pouco as metas para a
despesa ou para a receita fiscal que ali estavam previstas. Se assim fosse, o
que estaria em causa era uma redução menos acentuada do défice e, portanto,
também da redução da dívida, mas, em todo o caso, uma redução - por
contrapartida de um objetivo mais ambicioso para o emprego. Mas o que realmente
aconteceu até agora foi um acréscimo de despesa e uma diminuição de receita,
não face ao que estava previsto para 2016, mas face ao que tivemos em 2015.
Isto significa que, na ausência de novas medidas que compensem o quase 1% do
PIB em mais despesa e menos receita, teremos em 2016 mais défice do que este
ano, e não o contrário como prometido.
Veja-se que a Comissão Europeia (CE), o Banco Central Europeu (BCE) e o
Conselho de Finanças Públicas (CFP) já chamaram a atenção para o choque que
esta estratégia representará para Portugal: a CE lembrou que o país tem de
continuar estes esforços de consolidação; o BCE disse mesmo que Portugal não
tinha, nas atuais condições, qualquer espaço para usar a política orçamental
para estimular o crescimento da economia; o CFP avisou que, na ausência de
medidas com um certo grau de austeridade, a economia poderia até crescer no
próximo ano, mas regressaríamos aos défices excessivos e ao risco de
desequilíbrio externo.
Políticas de reversão de privatizações e de concessões, com ameaças de
novas nacionalizações – como aconteceu no caso da TAP com a declaração do PM de
que o Estado voltaria a ter a maioria do capital da empresa mesmo que não
houvesse acordo com os investidores –, associadas a políticas de reversão de
reformas estruturais, como no caso da legislação laboral, tornando mais rígido
o mercado para satisfazer grupos de interesse sindical mais radicais, semeiam a
desconfiança e afastam os investidores, pondo em causa o crescimento e a
autonomia estratégica da política nacional.
Não surpreende, assim, que duas das maiores empresas de notação
financeira – a Fitch e a S&P- tivessem já vindo ameaçar que baixariam o
‘rating’ da dívida portuguesa se houvesse mais reformas estruturais a serem
revertidas e se a política orçamental se vier a afastar muito do quadro de
consolidação antes traçado.
2016 pode, assim, ser um ano razoavelmente bom ou o início de uma série
de anos bastante maus. Em face da realidade e não de qualquer outra fantasia,
cabe a quem governa escolher o caminho. O futuro de todos nós dependerá disso.
Título e Texto: Pedro Passos Coelho, Diário Económico, 30-12-2015
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