domingo, 27 de dezembro de 2015

O figurão do ano

Se nunca experimentei irreprimível orgulho em ser português, hoje o sentimento é a pura vergonha. Ao contrário do que cheguei a pensar, o dr. Costa não é apenas péssimo para o País: será provavelmente o seu coveiro

Alberto Gonçalves

Venho aqui, de corda simbólica ao pescoço, confessar o meu erro. Durante semanas, acreditei que António Costa era uma nulidade disléxica e perigosa, que em prol da sobrevivência política imediata estaria disposta a dar ligeiras abébias a ambos os partidos comunistas e, no essencial, a aplicar as habituais e infalíveis receitas do PS a caminho da bancarrota. Alguns, os que confiam ou fingem confiar na ponderação, no “europeísmo” e na habilidade ecuménica da criatura, alertaram-me para o excessivo pessimismo. Mas o meu defeito foi ser demasiado otimista.

Bem sei que, conforme garantem tantas almas dóceis, não estamos em 1975. O problema é que PCP e BE gostariam que estivéssemos, e o problema maior é que é o próprio dr. Costa a liderar, cantando e rindo, a viagem de regresso. Em vez de chamar os extremistas à razão, destapou a careca da irracionalidade do PS, apesar de tudo uma inovação.

Nem vale a pena referir a eventual suspensão das concessões dos transportes terrestres, que já preocupam diplomatas de Espanha, França, Reino Unido e México. As aéreas declarações sobre a TAP, que prometeu resgatar à força da posse dos acionistas privados, são evidentemente o momento mais alucinado em 40 anos de sucessivos governos, eleitos ou impostos como o atual. Nunca, desde o distante 25 de novembro e o degredo do Companheiro Vasco, um primeiro-ministro exibira, sequer remotamente, tamanho empenho em remover-nos do “quadro” europeu e democrático a que, por conveniência geográfica, tolerância alemã e uns pozinhos de mérito intrínseco, temos pertencido.

Ainda que, na melhor das hipóteses, a ameaça não passe disso, desenhou-se a linha: de agora em diante, somos oficialmente, e descontada a redundância, um exotismo terceiro-mundista onde nenhum estrangeiro sem distúrbios investirá 10 cêntimos sem antes se despedir deles para sempre. Esqueça-se a felizarda Grécia e repita-se, ao jeito da “Espanha” de Sócrates: “Venezuela, Venezuela, Venezuela”, que pelo menos dispõe da atenunate da vizinhança igualmente folclórica. Se nunca experimentei irreprimível orgulho em ser português, hoje o sentimento é a pura vergonha. Ao contrário do que cheguei a pensar, o dr. Costa não é apenas péssimo para o País: será provavelmente o seu coveiro.

Será útil decidir se a sorridente criatura age por estupidez ou por convicção? Não é. A primeira não tem remédio. E a segunda, quando cegamente orientada por ideologias trágico-cómicas, é por definição estúpida. Útil seria arrancar o dr. Costa do poder com os mesmos bons modos com que ele o tomou. A Sagrada “Conchtição” (sic), tão pródiga em artigos lindos, não inclui um artigo destinado a proteger-nos de irresponsáveis terminais? Não há um candidato presidencial genuinamente aflito com o rumo das coisas? A generalidade dos media irá continuar a abençoar a “normalidade” da situação? O edificante universo “empresarial” prosseguirá impávido até às negociatas de curto prazo e o cataclismo sem retorno? E o povo trabalhador, que usualmente sai à rua a fim de acautelar salários, horários, feriados e regalias, acha de facto que sairá a lucrar desta história ou apenas receia constipar-se?

Não sei. Sei que na noite de 31, só os loucos ou os cínicos farão votos de Bom Ano. Por azar (?), Portugal está repleto de amas as espécies. O dr. Costa é uma espécie de consequência.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sábado, nº 608, de 22 a 28 de dezembro de 2015
Digitação: JP, 27-12-2015

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