Marcelo Duarte Lins
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A abertura total do capital
estrangeiro, que saiu de 20% para 100% nas empresas aéreas brasileiras, vai
muito além da cabotagem pura.
É sempre bom lembrar que os
EUA permitem 25%, e a União Europeia 49%, no máximo de capital estrangeiro nas
suas empresas aéreas. Por que será?
São pouquíssimos os países no
planeta que desnacionalizaram as suas empresas aéreas. Entre eles temos o
Chile, Colômbia, Singapura e Austrália.
Nenhum deles tem dimensões
territoriais e características socioeconômicas semelhantes às do Brasil.
Sem falar do problema de
soberania nacional com as questões de nossas cidades isoladas, fronteiras,
invasões de terra e narcotráfico.
O que o governo Temer fez foi
entregar o quarto maior mercado doméstico de aviação do mundo de mão beijada.
Em outras palavras, promoveu muito mais do que a nona Liberdade do Ar que trata
do direito de cabotagem pura.
Neste sentido vale revisitar o
artigo "Apagão aéreo e a entrega do
estratégico setor aéreo ao domínio estrangeiro", que escrevi em 2006
juntamente com a jornalista Sônia D'Azevedo publicado em alguns meios de comunicação.
Passado mais de uma década,
hoje eu só trocaria a sigla CPI pela expressão "Operação Lava Jato".
"Além da desorganização,
em todos os níveis, o que assistimos hoje, na aviação civil brasileira, é o
desrespeito, em grau máximo, aos cidadãos-contribuintes – que pagam caro pelos
serviços que não recebem – e aos trabalhadores do nosso setor aéreo – cujos
postos de trabalho têm sido paulatinamente ceifados ou aviltados, num processo
de desmonte jamais visto anteriormente no país. Ironicamente, tal ocorre quando
temos um governo dos Trabalhadores, cuja atenção deveria estar focada na
geração de empregos formais, no bem-estar social dos cidadãos e no cumprimento
dos Direitos Trabalhistas.
Do desaparecimento da Varig,
empresa 100% nacional, geradora de milhares de empregos e fonte de captação de
divisas no exterior, à bagunça em que se transformou o controle do tráfego
aéreo brasileiro, todas as etapas desse processo de degradação nos levam a uma
análise do que vem ocorrendo em todos os setores industriais, a partir dos anos
70/80, quando a “Nova Ordem Mundial” instituiu o neoliberalismo econômico como
filosofia e a desregulamentação do mundo do Trabalho como ação estratégica.
Em sua essência, o
neoliberalismo prega a “precarização” do universo do Trabalho. Nesta corrente
de pensamento, trabalhadores são intitulados “colaboradores” ou “parceiros”;
salário é chamado de “remuneração”; horas extras vão parar num “banco de
horas”, sendo trocadas por brindes de final de ano; direitos e indenizações
trabalhistas desaparecem por meio de contratos de “terceirização” ou, quando
cobrados, esbarram em leis de última hora que não apontam quem os pagará. É o
homem explorando o homem e agindo, deliberadamente, para extinguir os últimos
vestígios de Humanidade e Justiça nos ambientes de produção laboral.
Desregulamentar os setores
produtivos é o passo principal deste processo. Desregulamentação no final dos
anos 70, os Estados Unidos iniciaram a desregulamentação de seu setor aéreo,
estimulando o que chamavam de “política de céus abertos”. Permitiram, assim, a
proliferação de companhias low cost (baixas
tarifas), a contratação temporária da mão-de-obra de baixa qualificação, por
salários vis, e instituíram a concorrência predatória numa indústria cujo
objetivo prioritário deve ser a segurança dos usuários. Em menos de dez anos,
surgiram e desapareceram dezenas de companhias. E, com elas, dezenas de
milhares de empregos. Nada, porém, que intimidasse a “maior economia do
planeta”, visto que a mão-de-obra, já em si não regulamentada, rapidamente era
absorvida por outros setores.
O Brasil, “aberto” desde
sempre às novidades globais, encantou-se com a política neoliberal e elegeu a
navegação para experimentar o veneno. Ainda nos anos 80, enquanto ostentava o
título de “8ª economia mundial”, nosso país entregava sua marinha mercante a
preço vil, começando pelo desmonte deliberado do Lloyd Brasileiro. Empresa
estatal centenária, da noite para o dia o Lloyd foi transmutado, por ordem de
nossos governantes, num mamute a ser extinto a qualquer custo, para que
empresas privadas obtivessem mais lucro. Engano. O fim do Lloyd significou,
também, a abertura de nosso setor mercante às companhias de navegação
estrangeiras, que já praticavam, há muito, a política de “bandeira de
conveniência” – espécie de prima-irmã daquela imposta pelos norte-americanos à
aviação comercial.
De setor altamente
regulamentado, produtivo, gerador de empregos confiáveis e salários dignos, a
navegação mercante brasileira tornou-se um arremedo de setor produtivo que, em
vez de arrecadar, passou a provocar a evasão de divisas do país. Sem contar o
prejuízo causado aos demais setores que gravitavam em sua esfera – infraestrutura
dos portos, construção naval, maquinaria especializada, estiva, entre outros. Nos
anos 90, a aviação.
Se algo devemos ao governo
Collor de Mello, além da abertura de nossos portões à entrada das grifes de
luxo, sem dúvida, o começo do desmonte da aviação civil brasileira é fator
inquestionável. Sob a toada de que a (verdadeira) Varig, nossa companhia “de
bandeira”, monopolizava o mercado, o governo Collor implantou a concorrência
predatória no setor, permitindo que a Vasp voasse as mesmas rotas – e para os
Estados Unidos!!! Ora, na aviação existe um protocolo internacional intitulado
“acordo de reciprocidade”. Se uma companhia de determinado país voar para
outro, este último tem o direito de manter o mesmo número de voos de volta,
para o país do parceiro.
Ao “liberar” também para a
Vasp, o Brasil permitiu a vinda de gigantes norte-americanas da aviação. E
iniciou, em “grande estilo”, nosso desmonte. Decerto, já naquela época, abalar
a estrutura da Varig era uma clara intenção, embora qualquer motivo para tal
extrapolasse os limites do bom-senso. Afinal, todos os países cônscios de sua
responsabilidade social e da importância do setor aéreo para a soberania
econômica mantêm uma única companhia “de bandeira” voando rotas internacionais.
O setor aéreo era, de fato, o último ainda plenamente regulamentado neste país.
E, ao longo dos anos 90, foi paulatinamente desarranjado.
Sob o governo FHC o
neoliberalismo, então florescente, enfim frutificou. De Brasília, sucessivas
canetadas desmontavam parâmetros, permitiam transgressões, cassavam fontes de
arrecadação e meios indispensáveis à sobrevivência do setor – como a
possibilidade de obter por preço mais em conta o combustível, o querosene
utilizado pelos aviões (QAV-1), produto nobre e caro, porém subsidiado por dez
entre dez governos preocupados em “pensar estrategicamente” o fortalecimento, e
não o enfraquecimento, de suas economias nacionais.
A (verdadeira) Varig
desapareceu no primeiro semestre de 2006, afundada em dívidas, asfixiada pela
indiferença de nossos governantes para com uma verdade inquestionável: de que
um país só vale, no mercado econômico mundial, aquilo que arrecada, em divisas
e royalties.
Se os Estados Unidos, após a
“invasão chinesa” e a débâcle do dólar frente ao euro, ainda são considerados
uma economia forte, é porque detêm o maior número de patentes registradas no
planeta. Com elas, arrecadam royalties. Com sua movimentação, divisas.
A nós, resta meditar sobre uma
impressão antiga – mas recorrente e, portanto, atual -, firmada por Eduardo
Galeano em suas “Veias abertas da América Latina”: nascemos para sermos
colonizados e explorados. O fim da (verdadeira) Varig parecia sinalizar, para
as concorrentes nacionais, o fim de um “monopólio” nos céus e a possibilidade
de novos mercados, lucros maiores. Ilusão: não tinham nem estrutura, nem
conhecimento, nem sabedoria para herdar (ou abocanhar?) os bens e produtos da
“pioneira”.
Até o momento, só as
concorrentes estrangeiras estão lucrando (e muito, de forma até exorbitante).
Enquanto isso, o país perdeu milhares de postos de trabalho estáveis, salários
dignos, impostos pagos e divisas certas. Em nome do quê? Satisfazendo aos
interesses de quem? Façam suas apostas, senhores!! CPIs do Apagão Aéreo.
Eis que, logo após o
“desaparecimento” da (verdadeira) Varig, um acidente aéreo em território
nacional, envolvendo outra empresa brasileira, a Gol, “detona” uma crise sem
precedentes no segmento do controle do tráfego aéreo nacional. Até que ponto,
porém, a tragédia de setembro de 2006 não foi apenas um reflexo de todo o
desmonte que já vinha ocorrendo em nosso setor aéreo?
A investigação deve ser
profunda, sob pena de jogarmos para baixo do tapete do esquecimento as
falcatruas e “vistas grossas” levadas a termo nos últimos anos – o câncer,
enfim, que vem corroendo as entranhas da nossa aviação civil. Que a CPI do
Apagão não se apequene, não se transforme apenas numa Comissão de Investigação
de Acidentes Aéreos. Que se investigue com profundidade o “fatiamento” e venda
da (verdadeira) Varig, num leilão envolto em tanta suspeição que motivou
investigação parlamentar na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro!!!
Que a CPI do Apagão discuta e
reveja o conceito de “empresa nacional” e o aumento de capital estrangeiro que
vem sendo proposto, no Senado, para as empresas de aviação.
O setor aéreo é vital para a
integração e o desenvolvimento de um país, principalmente quando possui a
dimensão territorial de um Brasil. Por definição, o transporte aéreo regular é
um serviço de concessão pública. Portanto, o Estado brasileiro tem o dever de
proteger a aviação comercial contra a concorrência ruinosa e impatriótica,
promovendo seu indispensável e imediato reordenamento, além de anular as vendas
ilegais da Varig, da VarigLog e da VEM a grupos estrangeiros, assumindo os
serviços concedidos (CF, art 21- XII, “c”).
Para realizar um trabalho
efetivo, condizente com seu dever de zelar pelo bem-estar e segurança do povo e
respeitar os direitos do cidadão-contribuinte, o Congresso Nacional precisa,
apenas, ter em mente que a corrente neoliberal, por meio do capital
estrangeiro, há muito prega a desregulamentação dos setores produtivos das
economias emergentes. Infelizmente, o Brasil vem fazendo este jogo.
O que assistimos, hoje, é um
processo que traz somente prejuízos ao país e ao povo brasileiro. Se o
Congresso Nacional – única instituição investida do poder suficiente – não
estancar agora esse curso, só restará às futuras gerações de brasileiros uma
colocação precária, de meio expediente, em redes de fast food ou drugstores,
cujas marcas são fortes patentes que geram bilhões de dólares em royalties...
mas não para nós.
Política que o Brasil precisa
implementar no Setor Aéreo:
- Conservar o mercado
brasileiro de aviação;
- Revitalizar a Indústria
Nacional;
- Manter e criar empregos -
Desonerar o Setor Aéreo;
- Estimular uma indústria
sadia e um Transporte Aéreo Seguro;
- Céus brasileiros para
Trabalhadores brasileiros.
Título e Texto: Marcelo Duarte Lins, 14-4-2017
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Realmente não sei mais se devemos ter algo fingindo que é "nacional', já que a Azul está no nome de um cara que só tem de brasileiro a dupla nacionalidade....
ResponderExcluirA única Nacional realmente é a GOL, mas baseando se nos últimos eventos, inclusive o "empréstimos" de jatinhos particulares em nome da empresa para políticos brasileiros..........
ResponderExcluirNenhuma empresa que voa aqui é brasileira. A TAM fez uma engenharia financeira complicadíssima para deixar o controle todo nas mãos dos chilenos, a Delta é a dona de fato da Gol, a Azul é de um grupo de investidores multinacionais (o Neeleman tem menos de 8% do capital, ele é só a cara do negócio, tem até a Etihad entre os acionistas - via fundos de investimentos).
ResponderExcluirO universo tem somente dualidades.
ResponderExcluirNo Brasil a dualidade tem um peso e duas medidas.
Fernando Collor ao acabar com a reciprocidade, abrindo os céus brasileiros para as grandes empresas, acabou com as empresas aéreas brasileiras.
Hoje todas dependem dos pools aéreos.
Vejam que a defasagem tarifária foi paga para a Vasp e Transbrasil, e elas logo após receberem fecharam.
A Varig espera por mais de 24 anos.
Voltando a dualidade será muito melhor as empresas nas mãos dos estrangeiros.
Com nossas leis trabalhistas e sem subsídios as empresas aéreas nacionais é impossível.
As companhias aéreas brasileiras não possuem terminais só para elas, se sujeitam ao tal de Infraero.
Não concordo com céus brasileiros somente para brasileiros. assim fosse em outros países nosso pilotos e comissários estariam desempregados.
Não podemos acabar com o mérito para depois exigir-se cotas.
Transporte aéreo seguro, difícil, a fiscalização é inócua, e quando controladores de voo erram, varrem para debaixo do tapete.
Com a nossa política temerária duvido muito que alguma grande empresa venha a comprar alguma nacional.
Seria mais fácil abrir uma no Brasil com sede em Bumpa-puta.
fui...
Excelente texto, mais ainda, a linha de raciocínio patriótico faz pensar aonde vamos parar, ou melhor, já chegamos lá no fim do Brasil.
ExcluirO tópico sobre a reviravolta na aviação comercial brasileira teve início no começo dos anos noventa, durante o curto período do governo Collor; entre 1990 e 1992 muita coisa aconteceu e tudo isso serviu para começar o desmantelamento gradativo da maior empresa aérea nacional, marco referencial no transporte aéreo da américa do sul.
ResponderExcluirTudo, ou quase, foi escrito na crônica do articulista. Foi durante a era Collor que a desregulamentação da aviação comercial começou a produzir nefastas consequências. O governo americano viu-se no direito de pleitear a reciprocidade. Só que o mercado deles representava uns 5 por cento da malha aérea, enquanto que para nós, brasileiros, era uma grande fatia representativa, da ordem de 30 % ou mais no país deles
No entender de Collor a partir de então, qualquer um poderia “montar” uma empresa aérea no país e iniciar as operações. Carros produzidos no Brasil foram chamados de “carroças”.
Muito antes de a ANAC ser criada, um livro estava ainda nos manuscritos preliminares para ser editado. O título seria “A desregulamentação na aviação brasileira”. A empresa aérea protagonista receberia um nome fictício; pessoas, diretores e membros do governo, idem; mas nós sabíamos tratar-se da Pioneira. Fatos marcantes estavam bem delineados, e envolvia políticos da época e pessoas ligadas à Empresa Aérea.
O escritor, ex-colega, veio a falecer; com ele todo o trabalho se esvaiu, perdido em algum lugar no passado. Durante quase 90 anos o Brasil teve uma representatividade no exterior muito grande, através da “mega-embaixada” aérea nos portos pela VARIG servidos. Houve negociações entre diretores e governantes, trapalhadas e muitas ações mal sucedidas, irregularidades e descaminhos internos – assim eram os grandes rumores que corriam pelos quatro cantos e corredores, sendo que nada ficou efetivamente provado, tampouco não se tem conhecimento de alguma ação pública por parte de algum cidadão, responsabilizando quem quer que fosse por toda essa série de acontecimentos. Os tempos foram mudando, a globalização tomou forma e rumos em todo o planeta, e fomos nos habituando aos poucos a estarmos inseridos nesse cotidiano, digamos, turbulento e às “avessas” ...
Hoje temos empresas aéreas razoáveis, que nem genuinamente brasileiras são. Perdemos o
Ponto de referência nos ares; o transporte aéreo “low cost” é uma busca incessante no meio empresarial do ramo junto aos governos. Nos tempos de crise, glamour, catering sofisticado, conforto a bordo e etc., ficou em segundo plano. O negócio é baratear o processo para que o mais humilde indivíduo tenha o direito de viajar de avião...
Mas, e a segurança, quantos se preocupam primordialmente e enfatizam esse quesito em primeiro lugar?
Grande abraço a todos.
Sidnei Oliveira
Esta postagem já é a décima mais acessada.
ResponderExcluirAté o momento, 7 789 visualizações.
Faltam 703 acessos para subir para a NONA posição!
ResponderExcluirNeste exato momento, faltam 230 visualizações para o artigo subir para a nona posição dos MAIS LIDOS!
ResponderExcluir(A 9ª posição = 8 559; o artigo está com 8 329)
Já está na nona posição das mais acessadas.
ResponderExcluirParabéns!
Na oitava posição!
ResponderExcluirEm sétimo lugar das 10 mais lidas! Com 9 294 visualizações.
ResponderExcluirParabéns!
Proteger o privado com recursos do povo que não tinha dinheiro para voar é uma overdose de estupidez. As companhias quebraram porque o governo é pesado demais para carregar e com o fim do regime militar a fonte de subsídios foi secando. INCOMPETÊNCIA!
ResponderExcluirIMBECIL, IDIOTA PELEGO SINDICALISTA ANÔNIMO.
ResponderExcluirPROTEGER O PÚBLICO CHEIO DE CABIDES DE EMPREGOS PODE?
SUBSÍDIOS PARA COMPANHIAS AÉREAS NUNCA HOUVE.
INCOMPETÊNCIAS GERAIS E IRRESTRITAS DE TODOS.
A ÚNICA PARTE DESTE COMENTÁRIO DESPREZÍVEL QUE É UM AXIOMA É :
O GOVERNO É PESADO DEMAIS PARA PODER-SE CARREGAR.
VENHA AO DEBATE COMO GENTE NÃO COMO INSETO.
FUI...
Este post continua a repercutir...está com 11 910 visualizações. Faltando 180 acessos para atingir a SEXTA posição das MAIS lidas.
ResponderExcluirParabéns, Marcelo.
Em SEXTO lugar: 12 113 visualizações.
ResponderExcluirUp!
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