![]() |
Ilustração: WAE Imories, 2015 |
Rui Ramos
As elites europeias, com o seu desinteresse
pelo destino da cristandade oriental, admitem que o multiculturalismo está
condenado no Médio Oriente. Porque pensam então que terá futuro na Europa?
No passado Dia de Ramos, os
jihadistas mataram 45 cristãos no Egito. Legitimamente horrorizados pelos
atropelamentos na Europa, esquecemos que a maior parte das brutalidades do
fundamentalismo islâmico se exerce fora da Europa, sobretudo no Médio Oriente.
Os alvos são as comunidades religiosas condenadas pelo Islão sunita, como os
muçulmanos xiitas e, claro, os cristãos (os judeus já foram, na sua maioria,
empurrados para Israel). A perseguição e o massacre das comunidades cristãs do
Médio Oriente e do norte de África é uma das grandes tragédias do nosso tempo.
A Europa, no entanto, parece indiferente ou pelo menos evita reconhecer um caso
específico. Talvez valha a pena refletir nisso hoje, Sexta-Feira Santa.
Há quem atribua a indiferença
dos governos ocidentais a cautelas estratégicas (evitar marcar as comunidades
cristãs com uma solidariedade comprometedora, por exemplo). Mas talvez haja
outras dificuldades, como a errada assimilação entre o Médio Oriente e o Islão,
que fará alguns encarar o desaparecimento do cristianismo na região como algo
de inevitável. Acontece que os cristãos do Médio Oriente, que representam a
mais antiga das cristandades, não estão a extinguir-se “naturalmente”. No
princípio do século XX, apesar de séculos de discriminação e repressão
islâmica, cerca de um quinto das populações do Médio Oriente ainda eram
cristãs. No Egito e na Síria de hoje, aliás, continuam a ser 10%. É essa
heterogeneidade cultural e étnica que está a ser eliminada por repetidos apelos
à jihad, como o que os Otomanos lançaram durante a I Guerra Mundial. Os
cristãos foram as suas principais vítimas. Primeiro, houve o genocídio dos cristãos
arménios (1,5 milhões de mortos?) e assírios. Depois, a matança e a expulsão
dos cristãos gregos (700 000 mortos e 1 milhão de refugiados?). Os jihadistas
de hoje propõem-se completar essa limpeza pelos mesmos métodos.
No século XIX, as potências
europeias ainda protegeram os cristãos sob domínio islâmico no Médio Oriente.
Depois da I Guerra Mundial, quando exerceram mandatos na região em nome da
Sociedade das Nações, desenharam um Estado para os cristãos, o Líbano. Acabaria
subvertido pela demografia e pela violência sectária (os cristãos, que eram a
maioria, são hoje a minoria). No Médio Oriente, resta hoje aos cristãos esperar
a benevolência de algum ditador militar interessado em dividir para reinar, ou
convencido de que uma minoria perseguida, à mercê do poder, será sempre mais
leal. Por isso, na Síria estão com Assad, e no Egito com Al-Sisi. Mas por isso
também, os jihadistas os atacam especialmente, para deslegitimarem os poderes
estabelecidos como protetores do cristianismo.
É verdade que o Islão é
diverso e não tem uma história de maior intolerância do que outras religiões ou
ideologias seculares (na Birmânia, são os budistas que perseguem violentamente
os muçulmanos). Também é verdade que o maior confronto religioso no Médio
Oriente passa por dentro do Islão (sunitas contra xiitas). O ponto aqui é que a
religião, sobretudo depois do fracasso dos nacionalismos árabe e turco, é hoje
o fundamento identitário principal no Médio Oriente. Essa é a segunda
dificuldade das elites europeias, profundamente secularizadas, perante o
martírio dos cristãos orientais: não conseguem levar a sério a religião como
identidade cultural e base de uma comunidade. Ao Islão, ainda respeitam, como
relíquia terceiro-mundista, com cuja salvaguarda tentam expiar velhas culpas
coloniais; mas não ao cristianismo, que na Europa julgam ter substituído de
vez, enquanto razão de pertença e de lealdade, pela nação ou pela lei secular.
No Médio Oriente, porém, a religião é a cultura, é a comunidade, é até a lei.
No fundo, as elites europeias, com o seu desinteresse pelo destino da
cristandade oriental, estão a admitir que o multiculturalismo está condenado no
Médio Oriente. Porque pensam então que terá futuro na Europa?
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
14-4-2017
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-