sábado, 18 de fevereiro de 2012

Mordemos o cão

Carina João
Ultimamente, avaliar a vida pública e política portuguesa pelo que é noticiado em jornais e revistas (alguns, é certo) parece coisa saída de um sketch humorístico. Parece. A discussão com substrato passa ao lado, a densidade das matérias é frequentemente reduzida a meros episódios, pormenores ou comentários laterais. O que é pena.
 Há uns anos comprei um livro do Markl, o do “Homem Que Mordeu o Cão”, e não fossem os episódios alusivos à vida quotidiana dos cidadãos poderíamos estar perante um relato político actual.
Começou com o ministro Gaspar, que unia desvio com colossal, o que dava, logicamente, desvio colossal. O ministro Álvaro exemplificava o que seria um bom princípio de internacionalização e foi-lhe arremetido o pastel de nata à cara. O ministro Aguiar-Branco pede actuações dentro da esfera de responsabilidade de cada associação e acossam-lhe um brado de que quem não está que se ponha fora. O chefe de governo, Passos Coelho, pede compreensão para as dificuldades e pede menos choradeira com o rigor que deve ter (e que se deve exigir) a educação dos estudantes e é logo acusado de chamar piegas ao povo nacional… É difícil adivinhar o que se segue, mas qualquer coisa que derive de uma palavra diferente é certamente motivo mais que suficiente para termos novo caso para analisar ou comentar até à exaustão.
Este estado de coisas, além de perturbar, vicia, descredibiliza e, pior que tudo, desculpabiliza… Se alguém entende que o poder é mais bem exercido por um escrutínio destes, está longe de o perceber. Aconteceu assim durante algum tempo com Sócrates: entretinha-se Portugal com coisas corriqueiras enquanto os ratos dividiam o queijo.
A culpa não reside apenas na imprensa. Tal como não reside apenas na política. A malfadada culpa não reside isoladamente em nada, mas no conjunto de todas estas realidades e mais uma, muitas vezes ignorada: a pouca cidadania portuguesa. Já diversas vezes escrevi que a ignorância é o pior inimigo da democracia e é, sem dúvida também, a ausência de melhor (pelo menos mais saudável) e plena cidadania.
Mas como as instituições devem funcionar, tomemos, por exemplo, a actuação de Pinto Monteiro como fiel desta balança. Pois. Mas a ele também o mordeu o cão, porque deve ter estado muito quietinho, de repouso durante muito tempo. A entrevista a que assisti na terça-feira, quase me fez acreditar. Quase. A rainha de Inglaterra pode ser mais cara, mas também é mais eficaz.
Mas também podemos ir a outras instituições que ao longo dos anos dos peixinhos de aquário (1) se limitaram a fazer recomendações, relatórios e mais ou menos cócegas a processos irresponsáveis (e imorais) e a empresas públicas que os assumiram como seus, longe que estavam de independência de actuação política.
Lutar pela cidadania é uma aposta bem mais eficaz que qualquer mudança de paradigma no imediato, porque também mais difícil.
Dou por mim a pensar nisso quando vejo, por exemplo, as manifestações do povo no Terreiro, dos 300 mil que afinal também não o eram. Que diacho, não somos mesmo nada bons em números... E assim se vão continuando a ler por aí as diabrites da vida política portuguesa, certamente perto da realidade, mas com um quê de inusitado. Tais são os casos com que todos os dias somos brindados, em que cada happening mais se assemelha ao outro que mordeu o dito. E vem aí o Carnaval, com a tolerância no ponto não concedida ao público, avizinhando-se desde já os muitos e bons sketches que isso nos dará. Pena que não resolva nada.
A alternativa? Cidadania. Muita e da boa.
Título e Texto: Carina João, Deputada do PSD, jornal “i”, 17-02-2012

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