Ultimamente, avaliar a vida
pública e política portuguesa pelo que é noticiado em jornais e revistas
(alguns, é certo) parece coisa saída de um sketch humorístico. Parece. A
discussão com substrato passa ao lado, a densidade das matérias é
frequentemente reduzida a meros episódios, pormenores ou comentários laterais.
O que é pena.
Há uns anos comprei um livro do Markl, o do “Homem Que Mordeu o Cão”, e não fossem os episódios alusivos à vida quotidiana dos cidadãos poderíamos estar perante um relato político actual.
Há uns anos comprei um livro do Markl, o do “Homem Que Mordeu o Cão”, e não fossem os episódios alusivos à vida quotidiana dos cidadãos poderíamos estar perante um relato político actual.
Começou com o ministro Gaspar,
que unia desvio com colossal, o que dava, logicamente, desvio colossal. O
ministro Álvaro exemplificava o que seria um bom princípio de
internacionalização e foi-lhe arremetido o pastel de nata à cara. O ministro
Aguiar-Branco pede actuações dentro da esfera de responsabilidade de cada associação
e acossam-lhe um brado de que quem não está que se ponha fora. O chefe de
governo, Passos Coelho, pede compreensão para as dificuldades e pede menos
choradeira com o rigor que deve ter (e que se deve exigir) a educação dos
estudantes e é logo acusado de chamar piegas ao povo nacional… É difícil
adivinhar o que se segue, mas qualquer coisa que derive de uma palavra
diferente é certamente motivo mais que suficiente para termos novo caso para
analisar ou comentar até à exaustão.
Este estado de coisas, além de
perturbar, vicia, descredibiliza e, pior que tudo, desculpabiliza… Se alguém
entende que o poder é mais bem exercido por um escrutínio destes, está longe de
o perceber. Aconteceu assim durante algum tempo com Sócrates: entretinha-se
Portugal com coisas corriqueiras enquanto os ratos dividiam o queijo.
A culpa não reside apenas na
imprensa. Tal como não reside apenas na política. A malfadada culpa não reside
isoladamente em nada, mas no conjunto de todas estas realidades e mais uma,
muitas vezes ignorada: a pouca cidadania portuguesa. Já diversas vezes escrevi
que a ignorância é o pior inimigo da democracia e é, sem dúvida também, a
ausência de melhor (pelo menos mais saudável) e plena cidadania.
Mas como as instituições devem
funcionar, tomemos, por exemplo, a actuação de Pinto Monteiro como fiel desta
balança. Pois. Mas a ele também o mordeu o cão, porque deve ter estado muito
quietinho, de repouso durante muito tempo. A entrevista a que assisti na
terça-feira, quase me fez acreditar. Quase. A rainha de Inglaterra pode ser
mais cara, mas também é mais eficaz.
Mas também podemos ir a outras
instituições que ao longo dos anos dos peixinhos de aquário (1) se limitaram a
fazer recomendações, relatórios e mais ou menos cócegas a processos
irresponsáveis (e imorais) e a empresas públicas que os assumiram como seus,
longe que estavam de independência de actuação política.
Lutar pela cidadania é uma
aposta bem mais eficaz que qualquer mudança de paradigma no imediato, porque
também mais difícil.
Dou por mim a pensar nisso
quando vejo, por exemplo, as manifestações do povo no Terreiro, dos 300 mil que
afinal também não o eram. Que diacho, não somos mesmo nada bons em números... E
assim se vão continuando a ler por aí as diabrites da vida política portuguesa,
certamente perto da realidade, mas com um quê de inusitado. Tais são os casos
com que todos os dias somos brindados, em que cada happening mais se assemelha
ao outro que mordeu o dito. E vem aí o Carnaval, com a tolerância no ponto não
concedida ao público, avizinhando-se desde já os muitos e bons sketches que
isso nos dará. Pena que não resolva nada.
A alternativa? Cidadania.
Muita e da boa.
Título e Texto: Carina João, Deputada
do PSD, jornal “i”, 17-02-2012
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