Poderoso anjo! Ou melhor anja... Depois de sua acachapante vitória
eleitoral, Angela Merkel é a única chefe de governo de um grande Estado europeu
que sobreviveu à crise econômica dos últimos anos. Todos os outros foram
sumariamente descartados. Com um terceiro mandato consecutivo, “Angie” como
chamam carinhosamente entra para a história da Alemanha moderna junto aos pesos
pesados que foram Konrad Adenauer e Helmut Kohl. Mais impressionante ainda é o
fato de que os cristãos-democratas que apoiam a chanceler quase conseguiram a
maioria absoluta de cadeiras no Bundestag.
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Foto: Tobias Schwartz/Reuters |
E não era para menos. Se
praticamente todos os países europeus estão afundados na crise, com uma luzinha
no fundo do túnel ainda muito longínqua, a Alemanha vai bem obrigado. Claro que
não passou incólume pelo furacão, mas comparado com os outros, os problemas
alemães foram, esses sim, uma “marolinha”. O slogan de campanha de Merkel foi
“mais do mesmo”. E os eleitores compareceram
Na verdade, o que foi
referendado pelo voto é uma política de austeridade prudente. Nada de combater
a crise econômica com gastanças e déficits orçamentários. Merkel não cansou de
lembrar que dez anos atrás a Alemanha era considerada o “homem doente da
Europa” e que hoje ela é, de longe, a mais poderosa economia do Velho
Continente. Isto porque teve a coragem de fazer o dever de casa: passando para
67 anos a idade legal das aposentadorias, flexibilizando o mercado de trabalho,
cortando as despesas do estado e promovendo a competitividade da indústria e do
país. E é essa a receita que ela quer ver aplicada pelos outros governos
europeus, sobretudo pelos países da Europa do Sul vistos como perdulários
reincidentes. E logo antes da eleição, ela se beneficiou das boas notícias
vindas da Inglaterra e da Irlanda, dois países que não hesitaram em submeter
suas populações a um choque de realismo econômico doloroso.
A vitória dos
cristãos-democratas alemães é um sinal evidente de que a política econômica
européia não vai mudar apesar dos gritos de desespero da Grécia, da Espanha, de
Portugal e até num certo ponto da França. Merkel deixou bem claro que está
disposta a manter a zona euro, incluindo todos os seus membros, até a Grécia. E
isto apesar de que um parte da opinião pública alemã já se tornou “eurocéptica”
– os adversários declarados da moeda européia quase conseguiram entrar no
parlamento com pouco menos de 5% dos votos. Mas em contrapartida, ela exige que
os países do sul da Europa acabem de vez com o carnaval dos déficits
orçamentários e o clientelismo deslavado. A Alemanha é rica, mas não vê razão
nenhuma de ter que pagar pelos outros.
Isto não quer dizer de maneira
nenhuma que a Alemanha da chanceler virou uma potência imperialista. Muito pelo
contrário. O sucesso de Merkel é a vitória de uma posição centrista que recusa
qualquer atitude extremista ou radical. A Alemanha moderna está super-contente
de ser uma grande Suíça pacífica e moderada. Ela não quer impor nada a ninguém,
mas também não quer ser considerada como a vaca leiteira financeira do resto do
continente. Até que enfim, depois de um século de agressões que produziram duas
guerras mundiais, a Alemanha virou um Estado “normal”, sem pretensões de impor
a todo custo a sua vontade aos vizinhos. Isto merece o aplauso de todos. Hoje,
o peso e o sucesso de economia alemã fazem com que o país seja a potência
dominante na Europa. Mas é muita hipocrisia denunciar a suposta “arrogância” de
Berlim só porque os alemães se organizam e fazem os sacrifícios necessários
para serem bem-sucedidos.
O problema agora é que nada é
simples no país de Angela Merkel. O partido Liberal, principal aliado da
Democracia Cristã, não conseguiu eleger nem um deputado. Faltam três cadeiras
para a maioria absoluta, portanto a chanceler vai ter que negociar um pacto de
governo com os Socialistas ou com os Verdes. Não vai ser fácil: esses dois
possíveis parceiros saíram do pleito muito enfraquecidos. E quanto mais fracos,
mais caro vão tentar vender a participação no governo. Mas eles sabem também
que os eleitores alemães não perdoariam uma crise política e que uma nova
eleição daria um triunfo ainda maior aos cristãos-democratas. Para formar o
novo governo, Merkel vai ter que aceitar algumas demandas simbólicas dos seus
parceiros derrotados. Mas essa situação pode até ser uma bênção para a
chanceler que gosta de governar bem no centro do espectro político: um governo
de coalizão é uma boa maneira de neutralizar a direita mais radical dentro do
seu próprio partido que poderia ter se tornado um baita problema em caso de maioria
absoluta no Bundestag.
Título e Texto: Alfredo Valladão, professor do
Instituto de Estudos Políticos de Paris, Radio France Inter, 24-9-2013
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