![]() |
Paulo Guedes, foto: André Valentim |
Ele me chamou para conversar
depois de ter lido um artigo em que eu dizia que o Ciro Gomes era o legítimo
candidato da esquerda e ele, Bolsonaro, o legítimo representante da direita.
Foi o Winston Ling (empresário e presidente do conselho de administração da
Petropar) que comentou esse artigo com ele. E, de repente, quatro ou cinco
pessoas me ligaram ao mesmo tempo pedindo que eu fosse conversar com Bolsonaro.
Isso foi no fim de 2017, quando eu ainda estava auxiliando Luciano Huck. Avisei
o Huck que iria falar com Bolsonaro, e ele não viu problema algum. E, quando
falei com ele, saí da bolha.
O que significa sair da
bolha?
A bolha é São Paulo, Rio,
Florianópolis. Somos nós, a Folha de S.Paulo, a Globo, a VEJA. A bolha diz
assim: “Ah, esse cara é chato, disgusting (repugnante, em inglês),
tosco”. A bolha pensa em direitos humanos, que são demandas legítimas, corretas
e sofisticadas da sociedade. Só que o povo está lá fora gritando socorro porque
não sabe se levará um tiro hoje ou amanhã. Então, quando falei com ele, tudo
ficou muito claro para mim. O que ele representa? A ordem, que é a função
básica de qualquer governo. É isso que as pessoas querem. E é isso que ele
defende quando fala de segurança. O que Bolsonaro fala remete aos preceitos
liberais mais genuínos, que são a preservação de vidas e de propriedades, e que
nortearam todo o pensamento dos constitucionalistas britânicos do século XVII.
Como foi a sua transição de
Luciano Huck para Jair Bolsonaro?
Procurei Luciano em 2016 e
disse a ele que um tsunami aconteceria em sua vida. Ele tinha, então, mais de
40 milhões de seguidores nas redes sociais. Eu disse: “Você está ferrado porque
vai ser presidente da República!”. Ele disse que não havia a menor
possibilidade, que ele era “irmão” do Aécio (o senador tucano Aécio Neves era,
então, o possível candidato do PSDB à Presidência) e que seria chamado de
moleque pelo Fernando Henrique Cardoso caso entrasse para a política. Eu disse
a ele que Aécio seria fulminado pela Lava-Jato por causa das denúncias
envolvendo Furnas e que ele próprio pediria a Luciano que se candidatasse. Eu
não tinha informação nenhuma, era um palpite. Essa conversa foi presenciada
pelo Gilberto Sayão (banqueiro carioca).
Seis meses depois, Luciano me
liga dizendo que eu havia acertado todas as minhas previsões. Aécio o havia
procurado oferecendo a vaga de vice. Ele sugeriu, só de sacanagem, ser ele
mesmo o candidato à Presidência e Aécio ficar com a Vice. Chocado, Luciano me
disse que Aécio tinha topado. Desde então, nós dois ficamos em contato.
Depois da vitória de João
Doria para a prefeitura de São Paulo, Fernando Henrique também visitou o
Luciano e sugeriu que, se ele fosse pré-candidato pelo PSDB, teria chances
reais de concorrer, já que o partido estava então rachado entre Alckmin e Aécio
e poderia se unir em torno de um novo nome. Fernando Henrique se tocou, bem
depois de mim, que o Luciano era um outsider como Doria e que o brasileiro
queria votar em outsiders. Luciano, então, me disse: “Paulo, esse cara ia me
chamar de moleque um ano atrás. E ele não fala que precisa de mim por causa dos
meus milhões de votos, e sim porque ‘pode me ajudar’. Ninguém foi honesto comigo
como você. Mas, olha, agora estou mesmo na campanha. Vamos nessa”.
Ele montou uma equipe, e eu me
dispus a ajudá-lo. Sugeri que o Armínio Fraga ficasse com a parte econômica.
Armínio me disse: “Como assim? O apresentador de TV? Mas eu estou com Aécio!”.
Aí eu expliquei tudo e ele topou. Montaram plano, equipe, tudo. Armínio estava
a fim de ir de qualquer jeito para o governo. Ele gosta. É um cara espetacular.
Mas, no fim de novembro, Luciano desistiu da ideia. E, então, eu me senti apto
a ajudar Bolsonaro, com quem já havia me encontrado uma vez.
Em sua trajetória
parlamentar, Bolsonaro já demonstrou claramente que é um estatista e não tem
simpatia por medidas de ajuste. O senhor acha que ele se tornou um liberal?
É o que eu digo a ele: “Se
você não gosta do que a esquerda fez, gosta de uma economia mais aberta, então
você quer uma economia liberal de mercado”. E ele não gosta do que a esquerda
fez. A reforma da Previdência, por exemplo, não é ponto pacífico ainda no nosso
programa. Ele me diz: “Paulo, você quer atropelar o Congresso? Os caras não
conseguem aprovar nada, e você quer matar no peito? Você quer pegar o dinheiro
dos velhinhos? E os 9 bilhões que deram ao Joesley?”. Aí eu explico a ele que
as coisas não são bem assim, sou enfático quando digo que precisa haver reforma
e que o presidente precisa encaminhá-la. É uma conversa respeitosa que temos.
Às vezes é mais tranquila, às vezes, antagônica, mas sempre franca, porque ele
é um cara de princípios.
Bolsonaro já demonstrou
claramente sua admiração pela ditadura militar. O senhor também acha que ele se
tornou um democrata?
Bolsonaro faz parte de um
enredo que está sendo escrito pela sociedade. Passamos por trinta anos de socialdemocracia
e agora o povo dá sinais de que quer mudar. E ele é o agente da mudança. Sobre
a questão da ditadura, acredita que os militares foram chamados pela sociedade
porque a esquerda queria dar um golpe. Bolsonaro vê os militares como
defensores da ordem. Mas ele mesmo diz que é preciso virar a página sobre esse
assunto. A verdade é que, em vez de ameaça à democracia, Bolsonaro pode ser o
primeiro presidente a amputar os próprios poderes presidenciais, retirando
dinheiro do governo central e transferindo-o a estados e municípios. Isso é
precisamente o contrário do que ocorre em um regime antidemocrático, porque
regimes totalitários tendem a concentrar o dinheiro e o poder no topo.
Bolsonaro está disposto a fazer o contrário, a descentralização de recursos que
os constituintes tanto pediam. E ele fala que não quer ser reeleito porque quer
dar o exemplo de como se faz política. Quem, além dele, disse isso?
Bolsonaro não conseguiu
reunir o apoio de outros partidos para sua candidatura, mesmo sendo líder nas
pesquisas sem Lula. Se eleito, como teria uma base forte para aprovar as
reformas que o senhor considera imprescindíveis?
Já contabilizamos mais de 110
parlamentares que nos apoiam em questões temáticas. Nada de toma lá dá cá, nada
de ministérios. Vamos ter de dez a quinze ministérios, menos da metade do que
temos hoje. É um novo eixo que se forma. Porque, ainda que um dirigente partidário
não entenda a mudança, ele vai ver que sua bancada vai aderir a alianças
temáticas porque o próprio povo vai pressionar para isso.
Se os deputados votarão por
princípios e com base em alianças temáticas, também o fariam num governo
Alckmin, Marina, Ciro ou Haddad. Não votarão por princípios apenas no governo
Bolsonaro, certo?
Votarão por princípios em
governos de candidatos que têm agendas temáticas. Esse é o caso de Bolsonaro e
Marina, com sua agenda ambiental.
O fato de ter uma agenda
temática não impediu Bolsonaro de negociar o apoio do PR, do notório Valdemar
Costa Neto.
Os evangélicos estão com
Bolsonaro, e por isso ele queria o Magno Malta como vice. O PR não quis dar
essa garantia, então Bolsonaro rejeitou. Não foi Valdemar Costa Neto que disse
não. Foi Bolsonaro. E toda a imprensa criticou essa aproximação, mas aplaudiu
quando o Centrão se alinhou ao Alckmin.
Se Bolsonaro ganhar, a
Fazenda será um superministério e o senhor, um superministro?
A decisão dele é ter apenas um
interlocutor em cada área. Na defesa, por exemplo, é o general Augusto Heleno.
Na economia, sou eu. Não se trata de superministro, mas de tornar a gestão mais
eficiente.
E como seria um programa
Paulo Guedes de ajuste fiscal?
Venho trabalhando nisso nos
últimos trinta, quarenta anos. Não é algo que surgiu do nada. Mas tem algumas
premissas. Começa com um programa de privatizações. Calculamos que temos cerca
de 1 trilhão de reais em ativos a ser privatizados, incluindo as ações do
Tesouro na Petrobras.
Privatizaria o quê?
Bolsonaro já disse que não
quer privatizar tudo. Que não quer privatizar Itaipu, Nuclebrás etc. Mas eu
defendo privatizar tudo mesmo. O meu papel é sugerir tudo. Mas a decisão é
dele. A história recente mostra que não há mais defesa para a manutenção dessa
quantidade de estatais. Os grandes escândalos de corrupção aconteceram dentro
delas. Petrobras, Caixa, Banco do Brasil. São empresas que perderam a capacidade
de investimento, não conseguem se modernizar, competir. Por que os Correios são
uma estatal? Não faz o menor sentido. Essa seria a primeira medida. Temos ainda
mais de 700 000 imóveis da União que podem ser vendidos. Com isso, calculamos
mais cerca de 800 bilhões a 1 trilhão de reais. Somadas essas duas medidas, já
são 2 trilhões de reais que poderíamos usar para reduzir a dívida, que hoje é
de 4 trilhões. Depois, faríamos concessões de tudo relacionado à
infraestrutura.
Tudo? Qual seria o limite?
Não há limites. A questão das
concessões ainda está sendo estudada, e não conseguimos avaliar quanto
arrecadaríamos, porque é incalculável. Há estradas, hidrovias, reservas para
exploração do turismo. As possibilidades são enormes. Temos duas consultorias especializadas
em infraestrutura e logística que estão montando um plano.
Um plano dessa magnitude
exigiria a participação de investidores estrangeiros. É claro. China,
Canadá, Estados Unidos. Todos querem investir. Os juros estão muito baixos no
mundo todo e há uma enorme liquidez circulando. O Brasil perdeu grandes
oportunidades de atrair o investidor privado nos últimos anos.
Bolsonaro já revelou ter
restrições ao investimento chinês, sobretudo nos setores mineral e agrícola. O
senhor concorda?
Ele mantém seu ponto de vista.
Mas eu digo sempre a ele que a força de um país hoje vem de sua capacidade
tecnológica, de sua potência comercial e de suas Forças Armadas. Nada disso
está associado à exploração de minério. Vamos trabalhar para destravar setores
que têm limite de capital estrangeiro. Também precisamos discutir a
desvinculação das receitas. E desvincular significa habilitar a classe política
a fazer o que ela é paga para fazer: aprovar verba no lugar certo.
Como assim?
Em vez de haver um ministro do
Planejamento dizendo para onde vai o dinheiro, os deputados terão de aprender a
votar o direcionamento dos recursos para onde eles são necessários.
Mas isso implica mudança
constitucional. Precisaríamos de uma emenda constitucional, sim, mas não
logo de cara.
Os deputados seriam
responsáveis por todos esses recursos?
Os próprios constituintes
defendiam a descentralização de recursos na esfera federal. Sempre que recursos
foram centralizados, o Estado corrompeu a classe política. Todos os heróis da
redemocratização foram aniquilados pelo Estado. Olhe onde o Lula está. O gasto
público é o grande vilão. Foi esse sistema centralizado que permitiu que Lula
mandasse fazer um estádio de futebol para o time dele, que desse dinheiro a
ditadores simpáticos a seu governo, que comprasse apoio de governadores, como
Sérgio Cabral. É esse poder absoluto, que chega a ponto de um grupo político
desenhar os vencedores do setor privado, que mina a democracia.
A democracia não delega tantos
poderes a um indivíduo. É por isso que esse “Estado-máquina” precisa ser
desmontado. Porque, quando você descentraliza o poder, você resolve. O mote do
nosso programa é “mais Brasil, menos Brasília”. Vamos simplificar a estrutura
tributária e injetar na veia de estados e municípios, para que as pessoas vejam
o dinheiro irrigando o seu cotidiano.
O senhor considera que
irrigar estados e municípios e garantir apoio de alianças temáticas seria
suficiente para assegurar governabilidade, em caso de vitória?
Tenho feito alguns movimentos
para me antecipar. Eu tive, há cerca de dois meses, uma conversa com o DEM, em
que falamos justamente sobre uma reforma política para que as alianças sejam em
torno de programas partidários a partir do ano que vem. Por exemplo: se um
partido fecha questão para apoiar a reforma que descentraliza recursos, quem
votar contra está expulso. O próprio DEM deu a isso o nome de “fidelidade
programática”, e eu achei lindo.
Quando o partido foi criado,
deixando de ser PFL, suas lideranças me pediram que redigisse um programa
liberal para o partido. Ou seja, ainda que elas não estejam com Bolsonaro, eu
acredito que defendam ideias de centro-direita, como nós. O PSD de Guilherme
Afif Domingos também. O Afif é um liberal, desenhei o programa dele quando ele
concorreu à Presidência, em 1989. Ou seja, é um parceiro natural que pode
trazer organicamente um PSD limpo para essa aliança de centro-direita.
O que prevemos, para governar,
é uma aliança de centro-direita conservadora nos costumes e liberal na
economia. E repito: Bolsonaro já disse que, se eleito, não governará mirando
reeleição. Ele mesmo diz: “Eu quero um mandato só para dar o exemplo, porque a
reeleição faz mal ao país”. O FHC errou lá atrás ao usar isso porque, a partir
de então, todos os presidentes passaram a governar para se perpetuar no poder.
O senhor tem todo um
governo na cabeça. Bolsonaro, não. Se o senhor sai do governo, acaba o governo
Bolsonaro?
Não acho. Ele tem sido muito
generoso ao dizer que não tem plano B. Ele fala isso para me prestigiar. Agora,
se ele quiser um governo liberal, é só levantar a mão que muita gente vem para
ajudar. Affonso Celso Pastore, Carlos Langoni, Gustavo Franco. Tem uma porção
de gente que se atrai pela economia de mercado. Para a bolha, eu posso ser
importante. Mas 99% de quem vota em Bolsonaro não está nem aí para mim. Querem
ordem. Eu não me atribuo grande importância porque ele já existia quando eu
cheguei.
O senhor precisa explicar
as coisas de modo muito didático para Bolsonaro?
Eu acho que a bolha trata
Bolsonaro com muito desrespeito, como se fosse um cachorro vadio. Lula era
melhor do que ele do ponto de vista intelectual? Não era, era um operário
malandro. Ah, mas sabia negociar política, né? Agora, esse tipo de negociação
nos levou aonde estamos hoje. Não acho que a inabilidade do Bolsonaro em pensar
nesse tipo de acordo o descredencia para se tornar um presidente.
O que o faria não estar num
possível governo Bolsonaro?
Eu acredito num cenário de um
sujeito chegando para acabar com a velha política, que foi condenada à morte
pela Lava-Jato. Esse sujeito representa a ordem. Então, eu não vou me negar a
dar a ele o progresso das ideias liberais para ajudar esse governo a acontecer.
Estou com ele 100%. Agora, se a mídia detonar o cara, nenhum partido der
governabilidade e ele mesmo não quiser fazer as reformas, o que eu vou fazer?
Não sou suicida nem idiota. Estou lutando por uma grande visão. Se ninguém
entender, como já aconteceu antes, paciência.
No Plano Cruzado, quando eu
dizia que tudo ia dar errado, me chamavam de Beato Salu (referência ao místico
personagem da novela Roque Santeiro). Eu estou seguro da história que
vislumbro. Tive a visão do Luciano Huck muito antes de Fernando Henrique, que
chegou atrasado.
Saí da bolha e vi o Bolsonaro
subindo. Acho que estou no caminho certo. O Bolsonaro não está fazendo nada de
errado. São os políticos que têm de se reinventar. Escutei algo parecido do
Eduardo Campos pouco antes de sua morte. Perguntei por que ele não estava com
Lula, como sempre esteve. Ele me disse: “Não sou santo, fiz política do jeito
que todo mundo sempre fez. Só que não dá mais, isso vai acabar mal”. O cara era
sagaz. Morreu.
Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596
Leia também:
A cabeça de Bolsonaro
Wsse artigo é muito, mas muito interessante e construtivo. Com esse Senhor e o Senhor Bolsonaro, teremos as nossas Terras Brasilis de volta. God bless you both.
ResponderExcluir