Excepcionalmente tratarei de
um tema que é muito caro para a maioria dos gaúchos, mas pouco mencionado fora
das fronteiras do R. G. do Sul. Refiro-me ao episódio ocorrido
em agosto de 1961, quando o então Presidente Jânio Quadros renunciou ao
mandato.
O Vice-Presidente eleito na
mesma eleição que elegeu Jânio, João Goulart, estava em visita à China e se
esperava a sua volta da viagem para que fosse empossado na Presidência.
Para os mais jovens, explico
que naquela época o candidato a Vice-Presidente não necessariamente tinha que
ser da mesma chapa eleitoral que o candidato a Presidente. Cada um se elegia
independentemente, que foi o que aconteceu quando Jânio Quadros foi eleito.
Sucede que os três ministros
militares não aceitavam a posse de Jango (apelido de João Goulart, pelo qual
era conhecido), apesar de não haverem objetado contra o seu registro como
candidato, o mesmo ocorrendo com sua posse.
O Governador do Rio Grande do
Sul à época era Leonel Brizola, cunhado de Jango (Brizola era casado com a irmã
de Jango, Neusa) e entendia, com toda a razão, que Jango tinha que ser
empossado no cargo para o qual havia sido eleito em eleições livres e, posso
dizer, limpas.
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João Goulart e Leonel Brizola, foto: retirada daqui |
Aliás, permito-me um
parêntesis: foi a primeira e única vez em que apoiei uma causa de Brizola! Continuando
o parêntesis, fui um dos não muitos brasileiros que foi governado por Brizola
como Prefeito de Porto Alegre, Governador do RS e duas vezes Governador do Rio de
Janeiro. Dose para elefante, mas me permitiu conhecer bastante bem a
personalidade do cidadão...
Houve negociações entre os
apoiadores de Jango e os que sustentavam a mesma tese dos comandantes
militares, visando à posse de Jango, sem êxito.
Leonel Brizola, bravateiro dos
grandes, temendo que os militares conseguissem evitar a posse de Jango com o
uso de força, já que as negociações não progrediam, resolveu lançar a Campanha
da Legalidade, que se propunha a assegurar a posse de Jango com uso de toda a
força que pudesse ser reunida, inclusive força militar e popular armada.
Para tanto, instalou uma rede
de emissoras de rádio (a televisão ainda era incipiente) com a central no porão
do Palácio Piratini, sede do Governo gaúcho, para mobilizar não só o povo
gaúcho como residentes em outros Estados.
A campanha foi corretamente
batizada de “Campanha da Legalidade”, pois seu objetivo era exatamente o de
lutar para que as leis de então fossem cumpridas e Jango fosse empossado
(Jango, prudentemente, não retornou ao Brasil imediatamente).
Foram mobilizadas tropas, em
sua maioria estaduais e também integradas por cidadãos não-militares,
principalmente no RS e em Santa Catarina. Essas tropas se destinavam para, ao
fim e ao cabo, derrotar as tropas federais que os militares viessem a
mobilizar.
Ao mesmo tempo, negociações
febris tinham lugar em Brasilia, visando a uma solução pacífica desse problema.
Depois de longas discussões,
foi proposta a solução de que o sistema político brasileiro passasse a ser o
parlamentarista, com um Presidente, Chefe de Estado, que não mandava (Jango),
um Primeiro-ministro que seria o Chefe de Governo, mantendo-se o Congresso tal
e qual.
Essa solução, sem que outras
mudanças estruturais fossem implantadas, teve vida curta.
O Brasil foi governado por um Primeiro-ministro
(Tancredo Neves (MG) e Brochado da Rocha (RS) são exemplos desse período) por
um período relativamente curto, durante o qual houve uma campanha enorme a
favor de um plebiscito para que o povo decidisse.
Tal plebiscito foi
eventualmente realizado e, naturalmente, venceu o retorno ao presidencialismo,
com o que Jango Goulart passou a ser o Presidente de direito, muito mais do que
o de fato.
E isso porque, imediatamente,
a esquerda se mobilizou para que fossem introduzidas as “reformas de base” no
País (reforma agrária entre outras).
Foi um período enormemente
conturbado e tumultuado. Brizola aqui no Sul e Francisco Julião em Pernambuco
criaram grupos, geralmente pequenos em quantidade de pessoas mas muito numerosos,
visando a introduzir na marra a reforma agrária principalmente.
Diga-se que, nesse meio tempo,
Brizola se elegeu (pelo Rio de Janeiro) deputado federal e continuou a tentar
sublevar o País. Sua grande aspiração era a de ser eleito Presidente da
República, o que lhe era vedado pela Constituição por ser cunhado de Jango. Aí
inventou o slogan “cunhado não é parente”, com o qual igualmente agitou o País.
Os anos de 1962 e 1963 foram
extremamente conturbados: Jango era demasiadamente fraco para dominar os que o
cercavam, e esses queriam instalar uma ditadura comunista no País. O líder
inconteste desse movimento era Brizola.
No final de 1963 e princípios
de 1964 os “arruaceiros” que queriam dominar o País houveram por bem mexer em
um vespeiro: as forças armadas, sublevando-as.
Em fevereiro de 1964 um
conhecido almirante dos Fuzileiros Navais, Almirante Aragão, incitou os
fuzileiros a se levantarem contra os seus comandantes e tomarem conta da tropa;
em março, houve uma reunião no Automóvel Clube do Brasil, no Rio de Janeiro, em
que sub-tenentes, sargentos e cabos do exército também propuseram uma
sublevação contra seus comandantes.
Como é sabido em todo o mundo,
as forças armadas funcionam à base do respeito à hierarquia; a campanha para
subverter esse princípio foi a penúltima gota de água no processo que levou ao
movimento de 31 de março de 64.
A última foi um
comício-gigante (consta que foram 130 mil pessoas), realizado na Av. Presidente
Vargas em 13 de março frente à Central do Brasil, em que o Presidente João
Goulart encampou e apoiou tudo o que as esquerdas vinham pregando há já um bom
tempo (reforma agrária, nacionalização de empresas, estatização das refinarias
de petróleo, e por aí vai).
E essa foi a gota d’água a que
já me referi. As forças armadas que, como já referi, vinham sendo ofendidas e
ameaçadas continuamente, se sublevaram. E como estavam bem preparadas, com
planos adequados, a chamada Revolução durou 2 dias apenas.
Não foi preciso mais para
vencer as esquerdas.
No dia 1º de abril o
Presidente João Goulart se evadiu para o Uruguai; outros já haviam “se mandado”
antes, e a maioria dos demais foi-se logo depois.
Gostaria de ressaltar alguns
pontos que são omitidos ou falseados constantemente:
- Na realidade, o 31 de março
de 64 foi uma contra-revolução, visando a evitar que as esquerdas comunistas
assumissem o País;
- Pouquíssimos foram os presos
naquela ocasião.
- Nos anos imediatamente
subseqüentes, os derrotados em 64 agitaram o País de todas as maneiras,
inclusive matando e mutilando dezenas de inocentes, o que levou o governo
militar a decretar o famoso AI-5, esse sim, extremamente severo.
- O grande responsável pelo
31/03/64 foi Leonel Brizola, como já referi antes. Ele, em defesa de suas
causas, queria realmente incendiar o país.
Brizola tinha um carisma excepcional
(graças a isso se elegeu quando e como quis naquele período). Sua derrocada
ocorreu muitos anos depois, ao ponto de sequer se eleger Prefeito da cidade do
Rio de Janeiro.
Os gaúchos estão festejando os
60 anos da Campanha da Legalidade, como se ela tivesse salvado o Brasil.
Sugiro “menos”, “menos”, pois
as coisas não foram bem assim.
Título e Texto: Peter Wilm
Rosenfeld, Porto Alegre (RS), 24 de agosto de 2011
Edição: JP
De Peter Rosenfeld:
ResponderExcluirAmigos, todos,
No artigo desta semana, por um lapso,no penúltimo parágrafo menciono erradamente que os gaúchos estão festejando os 60 anos da Campana da Legalidade quando, na realidade, são os 50 anos que estão sendo festejados.
Permiti-me corrigir o erro e lhes reenviar a versão correta, apresentando a todos minhas escusas pelo erro.
Abraço a todos
Peter