Na prática, as manifestações
islamitas de apoio ao Presidente deposto são para o Ocidente ver: os símbolos
jihadistas não são permitidos e os slogans
a favor da democracia estão traduzidos em inglês.
Amina Kheiry
Aproveitar as ideias dos outros não é ser original e utilizar os métodos do adversário por oportunismo não faz deles um dogma. Trata-se de um maquiavelismo que o próprio Maquiavel talvez tivesse renegado. E, acima de tudo, é uma prova de incoerência. Acontece que a incoerência parece ser a nota dominante dos grandes desfiles de apoio ao presidente destituído Mohamed Morsi, que partem da Praça Rabiaa al-Adwiya, no Cairo.
Os slogans chamam a atenção de uma menina, que corre para a janela,
agita uma bandeira egípcia e começa a gritar: “Exército e povo de mãos dadas!”
Ao ver isto, a mãe, sobressaltada, tapa-lhe a boca com a mão e diz: “Cala-te!
Estes apoiam o Morsi”. A criança não entende por que motivo a mãe ficou em
pânico. Mas depressa se apercebe de que, apesar de ser parecido na forma com os
desfiles que já participou, este tem um ambiente diferente.
A imensa maioria das mulheres
está vestida de preto e quase todos os homens usam barba, para já não falar das
omnipresentes djelabas, mais ou menos
compridas. Os que a cortam acima do tornozelo fazem-no geralmente em sinal de
piedade, “para imitar o profeta”. Tal como os seus adversários, favoráveis à
intervenção do exército contra Morsi, muitos islamitas agitam a bandeira
egípcia.
Fazem-no, no entanto, de forma pouco espontânea, por motivos táticos. É também por motivos táticos que, nos últimos tempos, se mobilizam e vão para a rua, preocupados com as reações do Ocidente “infiel” e dos seus órgãos de informação “depravados”. Nas manifestações dos islamitas, não se veem as bandeiras negras dos jihadistas ou da Al-Qaeda, nem bandeiras verdes da Irmandade Muçulmana.
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Fes, Marrocos, foto: Josep Renalias |
Fazem-no, no entanto, de forma pouco espontânea, por motivos táticos. É também por motivos táticos que, nos últimos tempos, se mobilizam e vão para a rua, preocupados com as reações do Ocidente “infiel” e dos seus órgãos de informação “depravados”. Nas manifestações dos islamitas, não se veem as bandeiras negras dos jihadistas ou da Al-Qaeda, nem bandeiras verdes da Irmandade Muçulmana.
E as canções, até agora proibidas nas manifestações islamitas, passaram a estar omnipresentes. A lista imposta ao DJ inclui muitas canções patrióticas do falecido Abdel Halim Hafez, cantor de charme dos anos 50.
“Tudo nestas manifestações
está traduzido em inglês, dos cartazes aos dizeres que adornam os palanques”
Como os organizadores não
estão habituados a gerir este tipo de coisas, o som está aos berros, cheio de
interferências e soluços, o que não contribui para criar um ambiente de festa.
Os manifestantes não cantam os refrões em coro, nem acompanham o ritmo com
palmas.
A única coisa que entoam é a
palavra de ordem que costumavam gritar: “Islâmico, Islâmico”. Mas recuperaram
os enormes tambores que os fãs das grandes equipas de futebol do país utilizam,
nas finais da Taça do Egito: querem transmitir a impressão de que “estão ao
nível das normas internacionais”.
Numa manifestação islamista
anterior, os participantes acabaram por se sentar em cima de uma gigantesca
bandeira egípcia que tinham trazido, mas corrigiram esse erro de comunicação
distribuindo cartazes.
Os dizeres árabes são
sistematicamente legendados em inglês, como se se tratasse de um filme em
versão original que se quisesse tornar acessível a um público estrangeiro. “Não
ao golpe de Estado”, em árabe, passa a ser anticoup,
contra o golpe, em inglês. Nas bandeiras, alguns escreveram diretamente em
inglês, Protect the revolution
(Protejam a revolução).
Até o palanque da praça – onde
foi anunciada a boa notícia da conversão ao Islão de uma cristã copta, para
apoiar Morsi foi despojado dos símbolos associados à Irmandade Muçulmana. Em
vez de referências religiosas, pode ver-se o slogan “Protejam a revolução, protejam a legitimidade”. Em inglês, é
claro.
Até os graffiti nas paredes estão em inglês: Down with Military Coup (Abaixo o golpe militar) e até o conceito,
ocidental e infiel, de democracia é utilizado pelos islamitas: Morsi for democracy (Morsi pela
democracia). Apesar destas concessões às cores, à tendência musical (que inclui
mesmo o rap), apesar da aceitação das
canções patrióticas, que ainda ontem eram proibidas, e dos tambores dos fãs do
futebol, até agora considerados fúteis, este new look não convence a
população do Cairo.
E também não será a manchete
do diário Al-Hurriya wa Al-Adala
(Liberdade e Justiça) que virá mudar alguma coisa. Este jornal, órgão da
Irmandade Muçulmana, anunciava na primeira página que “as grandes capitais do
mundo livre foram palco de imensas manifestações a pedir o regresso de Mohamed
Morsi” – sendo que “mundo livre” queria dizer Jerusalém, Turquia, Iêmen,
Afeganistão, Paquistão, América e Líbano.
Título e Texto: Amina Kheiry, Jornal “Al-Hayat”, Londres, 15-07-2013
Tradução: Isabel Fernandes, Courrier Internacional, setembro 2013
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