Rui Mendes Ferreira
Vamos lá chamar as coisas
pelos seus corretos nomes.
Comemorar o 25 de abril, em
liberdade, só é possível porque existiu um 25 de novembro de 75.
Não fora o acontecimento de 25
de novembro, e o dia 25 de abril teria sido somente o dia em que foi derrubada
uma ditadura, a do Estado Novo, para em seguida entrarmos numa outra ditadura.
Não faltou gente entre os que
participaram no 25 de abril, que hoje se pavoneiam por aí, sendo idolatrados por
muitos, como tendo sido eles os defensores da liberdade e da democracia, e se
sentam na Assembleia da República de cravo na lapela, que desejaram e tudo
fizeram, para que Portugal tivesse saído de uma ditadura no dia 25, e em
seguida entrado logo noutra no dia 26.
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Foto: Marcos Borga |
Se queremos de facto celebrar
o dia da vitória dos valores da liberdade e da democracia, sobre os valores das
ditaduras e dos regimes repressivos e opressivos, então o correto será
celebrarmos o dia 25 de novembro de 75 e não o dia 25 de abril de 74. Se
queremos celebrar o derrube da ditadura do Estado novo, e só isso, então o dia
correto é a data de 25 de abril de 74.
Foram dois eventos totalmente
distintos, ainda que complementares. Mas afetos a valores igualmente distintos,
que muitos desconhecem, ou de forma conveniente pretendem branquear.
Mas também que ninguém duvide
ou se iluda de que o 25 de abril não era necessário. Tanto o era que aconteceu.
Foi o regime de então que a essa necessidade levou o país. Claro que nem tudo
era mau. Até em ditadura podem existir coisas boas. Mas as que eram boas, já
não se conseguiam mais sobrepor ao que era mau, nem aos caminhos errados que se
estavam a trilhar, e que teimosamente o regime de então insistiam em querer
manter.
E também não percam tempo com
as teorias de que o anterior regime se iria conseguir renovar, e acabar por
mudar o que tinha que ser mudado. Pura ilusão. Jamais o iriam fazer. Nenhum
regime se muda só por si, por dentro de forma orgânica, e voluntária, e muito
menos regimes ditatoriais e autocráticos. A aversão à mudança faz parte da
própria natureza de um qualquer regime.
A situação real, é que quer o
regime quer o país, já estavam apodrecidos, e liderados por gente teimosamente
fechada para o mundo. E em boa verdade, os governantes de então, jamais fariam
por si só, e de forma voluntária, as reformas as alterações e a abertura que o
país já então tanto necessitava. Jamais o fariam.
Podiam tê-lo feito, e tiveram
tempo e excelentes oportunidades para o poderem fazer. Mas o facto é que não o
fizeram. Porque não era essa a sua vontade.
A culpa da existência do 25 de abril, vai toda para os anteriores governantes. Foi o regime anterior que gerou
a necessidade da existência do 25 de abril. Negar isto, é igualmente tentar
branquear a realidade que então existia.
Hoje em dia, apesar de termos
um regime aberto, mais livre, mais democrático, também o atual regime,
políticos e governos, enterram a cabeça na areia, constroem e vivem em
realidades inexistentes, a não ser dentro das suas cabeças, e recusam fazer as
reformas que são necessárias. Exatamente os mesmos erros que o anterior regime
cometeu e que levaram à sua queda.
É um mal intrínseco da nação e
do ADN português. Resistir à mudança, não fazer o que é preciso fazer, ou
fazê-lo sempre tarde, a más horas, de forma insuficiente, ou impostas pelos
acontecimentos da história, ou por outros vindos de fora, eram defeitos de que
o regime anterior padecia, até ao dia 24 de abril de 74, mas dos quais,
passados já 44 anos, continuamos a padecer.
O problema de Portugal não
esteve pois no dia 25 de abril. Os nossos problemas começaram no dia 26 de abril.
Mas os culpados disso não são nem os que fizeram o 25 de abril, nem os
anteriores governantes do Estado Novo.
Os culpados pela situação de
república miserável a que chegámos é toda do povo português, e dos políticos e
governantes que esse mesmo povo tem dado à nação. Em democracia os partidos
políticos e os governantes, são um reflexo e uma emanação do povo desse país e
do grau de exigência desse mesmo povo.
Quando vejo uma AR a celebrar
o dia 25 de abril, em que estão sentados nos lugares de quem governa quem não
ganhou eleições, quando vejo um governo que se diz feito de gente defensora da
democracia e da liberdade mas que só governa porque estão sustentados por
partidos defensores de sistemas de partido único, declarados apoiantes dos
regimes mais repressivos, e opressivos que existem na face da terra, a culpa
não foi 25 de abril, mas do que temos andado a fazer e a apoiar após essa data.
Quando vejo gente como Carlos César
e muitos outros do género, sentados na AR com cravos na lapela, quando vejo um
sistema podre de tanta corrupção, e todos os partidos a discursarem em defesa
do atual sistema, e não se ouve um único a levantar a voz contra o atual estado
do regime, a culpa não foi 25 de abril, mas do que temos andado a fazer e o que
temos andado a apoiar após essa data.
Quando vejo chegar à segunda
figura do regime, alguém que se diz "tou-me a cagar para o segredo de
justiça" mas que evoca a necessidade da defesa desse princípio, de forma
tão conveniente, nos processos de Sócrates e Pinho, quando vejo que temos um
presidente da AR que defende como ético e moral, alguém poder receber do
Estado, em duplicado, um subsídio de despesa que se fez por uma vez ou que nem
sequer foi feita, e que no seu discurso de hoje na AR aproveitou para não só
defender os autores de tais práticas como ainda atacou quem as denunciou e quem
as condenam, a culpa não é do dia 25 de abril, mas do que temos andado a fazer
e a apoiar, como um povo, ao longo dos últimos 44 anos.
Quando vejo um regime que em
menos de trinta anos levou o país à ruína da falência do Estado da Nação, por
três vezes, e se recusam a mudar de vida ou em fazer quaisquer alterações ao atual
regime e modelos de governação, o problema não esteve, não pode estar no dia 25
de abril. A culpa está no que temos andado a fazer e a apoiar após essa data.
Quando vejo um presidente da
república a proferir um discurso, alertando para os perigos do populismo e dos
populistas, estando esse mesmo discurso pejado de populismo, e sendo ele um dos
maiores e mais exímios populistas de que neste país há memória, desde o dia 26
de abril de 74, a culpa não é de abril. Temos o presidente que escolhemos ter.
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Ilustração: Henrique Monteiro |
Se como alguns dizem que 25 de
abril foi um erro, e o país não está contente com os resultados de abril, então
porque ainda nada se retificou? Afinal, abril de 74 já lá vai há 44 anos e se
foi ou é ele o culpado pela nossa atual situação, já tivemos tempo mais que
suficiente, e todas as oportunidades para o podermos retificar. Por que não o
fizemos então?
Não o fizemos, porque o erro
não esteve nem está no dia 25 de abril. E a base dos nossos problemas também
não está em abril. O erro esteve no dia 26 de abril de 74 e nos 44 anos
seguintes. E são esses que não mudámos. E a base dos nossos problemas, está
precisamente na ausência de vontade em querer mudar seja o que for.
Andamos há 44 anos a insistir
em querer fazer sempre as mesmas coisas, e a obter sempre os mesmos resultados,
mas continuamos sempre à espera que um dia gere um resultado diferente.
Einstein deu o nome indicado a esta técnica: "estupidez"
Não é o dia 25 de abril que
tem que ser retificado. Não foi ele que nos trouxe até aqui. Foram TODAS as
escolhas que temos andado a fazer desde o dia 26 de abril de 74 que nos
trouxeram a este presente. É o presente que tem que ser mudado. Não é o passado.
E é este presente, que não
queremos mudar, ou são muito poucos os portugueses que o querem fazer. E isto
não é culpa de abril.
Ou será que também foi culpa
de abril, o Estado Novo ter caído de podre por se ter recusado a reconhecer a
necessidade de mudança, e se ter recusado a proceder a essas mudanças?
Reconhecendo a necessidade abril,
o que me recuso a celebrar é o atual e miserável regime, a que toda aquela
agremiação, da direita à esquerda, que estava hoje sentada na AR, nos conduziu.
Celebrar abril ao lado de toda
aquela gente, é continuar a branquear tudo o que aquela gente tem andado a
fazer, e é estar a ser solidário com a situação a que nos conduziram.
Quem quer honestamente
celebrar os valores que dizem ser os de abril, hoje em dia, já só o poderá
fazer, bem longe de toda aquela corja e daquele bafio bolorento, que encheu
aquela assembleia. Já só representam a podridão e o que de mais sórdido existe
no atual regime.
Mas nada disto foi nem é culpa
de abril. Quarenta e quatro anos, já foi tempo mais que suficiente, para termos
corrigido os erros do pós abril. Mas simplesmente não o fizemos. Por culpa de
quem? De abril?
Por exclusiva culpa do povo
português. Mas não de abril.
Celebre-se, pois, o dia 25 de abril
e indissociavelmente o dia 25 de novembro. Mas não o dia 26 de abril, e todos
os restantes dias que se lhes seguiram, até aos dias de hoje...
Uma boa semana a todos os meus
amigos.
Título e Texto: Rui Mendes Ferreira, Facebook, 26-4-2018
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