José Pinto
Quero dizer-lhe que o populismo já é uma
realidade no país de que V.ª Ex.ª é o principal representante. Com a agravante
de serem esses partidos populistas que apoiam ou sustentam o atual governo.
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25-4-2018, foto: Agência Lusa |
Senhor Presidente Marcelo
Rebelo de Sousa:
Receio que a sua política dos
afetos não lhe deixe tempo para ler a missiva de um simples cidadão. Porém,
quero acreditar que a sua quase omnipresença lhe permitirá uma rápida vista de
olhos sobre estas linhas.
É nessa esperança que tenho a
ousadia – ou se preferir atendendo à data – tomo a liberdade de, ainda a
quente, passar ao papel as sensações que me suscitou o discurso de V.ª Ex.ª
naquela que, na sequência do 25 de Abril de 1974, nos habituámos a chamar a Casa
da Democracia.
Como já terá adivinhado, não
apreciei muito a sua intervenção. Não porque não concorde com aquilo que disse
sobre as Forças Armadas ou sobre a Europa. Melhor, sobre a União Europeia. Dois
dos três eixos da narrativa do seu discurso. Julgo que, embora não
acrescentando qualquer novidade relevante, nada disse que possa ser visto como
desfasado ou descontextualizado da realidade.
Porém, não posso subscrever as
suas palavras sobre a renovação do sistema político. Mais uma vez, não porque
discorde de que alguns dos sete elementos desse sistema carecem de uma profunda
alteração. Obviamente que precisam. O aumento do grau de qualidade da
democracia exige-o.
A razão é outra. Prende-se com
o facto de V.ª Ex.ª, este ano, ter voltado a chamar à colação o perigo do
populismo. Uma repetição em que, permita que lhe diga, insistiu num equívoco.
De facto, Senhor Presidente,
V.ª Ex.ª fala da ameaça populista como algo que poderá vir a acontecer. Dito de
uma forma mais direta: há que ter cuidado porque, graças a Deus, esse é um mal
de que, até agora, estamos protegidos.
Uma posição que, a fazer fé na
Wikipédia, até não estará mal. O problema é que essa fonte é manifestamente
desajustada no que concerne ao conceito de populismo.
Sendo certo que há várias concepções
para o conceito, não é menos verdade que, grande parte delas concorda no que
diz respeito à identificação das práticas e partidos populistas. Aliás, até
existe um Índice de Populismo Autoritário de que me socorri abundantemente
quando escrevi o livro Populismo e Democracia. Dinâmicas Populistas na
União Europeia.
Assumindo por inteiro que não
sou dono da verdade, quero, no entanto, dizer-lhe que o populismo já é uma
realidade no país de que V.ª Ex.ª é o principal representante. Com a agravante
de serem esses partidos populistas que apoiam ou sustentam a atual solução
governativa. A geringonça, para sermos mais claros.
De facto, o Bloco de Esquerda
é um partido populista autoritário, a exemplo de outros partidos irmãos ou
aparentados como o Podemos espanhol e o Syriza grego da fase inicial. Quanto ao
PCP e ao seu aliado natural, o PEV, são ambos populistas. O primeiro
totalitário. O segundo autoritário.
É claro que V.ª Ex.ª tem o
direito de não aceitar a tipologia referida. Só que, enquanto académico, sabe
que a mesma não será de fácil refutação. Basta lembrar a reação da líder do
Bloco de Esquerda à prisão efetiva de Lula da Silva. Mais um dos inúmeros
populistas que têm marcado a vida política na América Latina desde a fase do
Peronismo argentino, do Varguismo brasileiro e do Cardenismo mexicano.
Isto para já não falar da
reação do PCP sempre que é Cuba ou a Venezuela do populista Maduro ou até a
Coreia do Norte que estão em causa.
Por isso, Senhor Presidente, o
populismo em Portugal não é uma ameaça. É uma realidade preocupante.
Ora, por falar em preocupação,
permita-me que, aí sim, comungue da sua inquietação. Na realidade, neste
momento para além dos países em que os populistas fazem parte da coligação
governamental ou a apoiam, já há três membros da União Europeia liderados por
partidos populistas. Dois de direita – PiS na Polónia e FIDESZ na Hungria – e
um de esquerda – o Syriza na Grécia.
Ora, nestes três casos, o
Índice de Democracia regrediu desde que os populistas chegaram ao Poder. Por
isso, aceito como boa a preocupação de V.ª Ex.ª.
Mais haveria para dizer sobre
o seu discurso. Como a vida investigativa já me obrigou a ler todos os
discursos dos Presidentes da República nas cerimónias comemorativas do 25 de
Abril, até seria interessante estabelecer comparações. Fica para outra ocasião
embora, à primeira vista, não esteja certo de que V.ª Ex.ª venha a apreciar o
estudo. Provavelmente porque o escriba colocou demasiado elevadas as
expectativas.
Despeço-me como o padre
António Vieira fez relativamente ao rei. Peço-lhe desculpa, Senhor Presidente,
pelo tempo que eventualmente lhe tomei, mas não tive tempo de ser mais breve.
Título e Texto: José Pinto, Professor de Ciência
Política, Observador,
26-4-2018
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