quinta-feira, 26 de abril de 2018

Sobre o 25 de abril

Rui Mendes Ferreira

Vamos lá chamar as coisas pelos seus corretos nomes.

Comemorar o 25 de abril, em liberdade, só é possível porque existiu um 25 de novembro de 75.

Não fora o acontecimento de 25 de novembro, e o dia 25 de abril teria sido somente o dia em que foi derrubada uma ditadura, a do Estado Novo, para em seguida entrarmos numa outra ditadura.

Não faltou gente entre os que participaram no 25 de abril, que hoje se pavoneiam por aí, sendo idolatrados por muitos, como tendo sido eles os defensores da liberdade e da democracia, e se sentam na Assembleia da República de cravo na lapela, que desejaram e tudo fizeram, para que Portugal tivesse saído de uma ditadura no dia 25, e em seguida entrado logo noutra no dia 26.

Foto: Marcos Borga
E demonstra-nos a história, que teria sido uma nova ditadura ainda mais repressiva, mais sanguinária, mais violenta, mais dolorosa para o povo português. Ter-nos-iam arrastado para tempos de trevas bem mais negras que as da ditadura anterior. Que ninguém duvide disso.

Se queremos de facto celebrar o dia da vitória dos valores da liberdade e da democracia, sobre os valores das ditaduras e dos regimes repressivos e opressivos, então o correto será celebrarmos o dia 25 de novembro de 75 e não o dia 25 de abril de 74. Se queremos celebrar o derrube da ditadura do Estado novo, e só isso, então o dia correto é a data de 25 de abril de 74.

Foram dois eventos totalmente distintos, ainda que complementares. Mas afetos a valores igualmente distintos, que muitos desconhecem, ou de forma conveniente pretendem branquear.

Mas também que ninguém duvide ou se iluda de que o 25 de abril não era necessário. Tanto o era que aconteceu. Foi o regime de então que a essa necessidade levou o país. Claro que nem tudo era mau. Até em ditadura podem existir coisas boas. Mas as que eram boas, já não se conseguiam mais sobrepor ao que era mau, nem aos caminhos errados que se estavam a trilhar, e que teimosamente o regime de então insistiam em querer manter.

E também não percam tempo com as teorias de que o anterior regime se iria conseguir renovar, e acabar por mudar o que tinha que ser mudado. Pura ilusão. Jamais o iriam fazer. Nenhum regime se muda só por si, por dentro de forma orgânica, e voluntária, e muito menos regimes ditatoriais e autocráticos. A aversão à mudança faz parte da própria natureza de um qualquer regime.

A situação real, é que quer o regime quer o país, já estavam apodrecidos, e liderados por gente teimosamente fechada para o mundo. E em boa verdade, os governantes de então, jamais fariam por si só, e de forma voluntária, as reformas as alterações e a abertura que o país já então tanto necessitava. Jamais o fariam.

Podiam tê-lo feito, e tiveram tempo e excelentes oportunidades para o poderem fazer. Mas o facto é que não o fizeram. Porque não era essa a sua vontade.

A culpa da existência do 25 de abril, vai toda para os anteriores governantes. Foi o regime anterior que gerou a necessidade da existência do 25 de abril. Negar isto, é igualmente tentar branquear a realidade que então existia.

Hoje em dia, apesar de termos um regime aberto, mais livre, mais democrático, também o atual regime, políticos e governos, enterram a cabeça na areia, constroem e vivem em realidades inexistentes, a não ser dentro das suas cabeças, e recusam fazer as reformas que são necessárias. Exatamente os mesmos erros que o anterior regime cometeu e que levaram à sua queda.

É um mal intrínseco da nação e do ADN português. Resistir à mudança, não fazer o que é preciso fazer, ou fazê-lo sempre tarde, a más horas, de forma insuficiente, ou impostas pelos acontecimentos da história, ou por outros vindos de fora, eram defeitos de que o regime anterior padecia, até ao dia 24 de abril de 74, mas dos quais, passados já 44 anos, continuamos a padecer.

O problema de Portugal não esteve pois no dia 25 de abril. Os nossos problemas começaram no dia 26 de abril. Mas os culpados disso não são nem os que fizeram o 25 de abril, nem os anteriores governantes do Estado Novo.

Os culpados pela situação de república miserável a que chegámos é toda do povo português, e dos políticos e governantes que esse mesmo povo tem dado à nação. Em democracia os partidos políticos e os governantes, são um reflexo e uma emanação do povo desse país e do grau de exigência desse mesmo povo.

Quando vejo uma AR a celebrar o dia 25 de abril, em que estão sentados nos lugares de quem governa quem não ganhou eleições, quando vejo um governo que se diz feito de gente defensora da democracia e da liberdade mas que só governa porque estão sustentados por partidos defensores de sistemas de partido único, declarados apoiantes dos regimes mais repressivos, e opressivos que existem na face da terra, a culpa não foi 25 de abril, mas do que temos andado a fazer e a apoiar após essa data.

Quando vejo gente como Carlos César e muitos outros do género, sentados na AR com cravos na lapela, quando vejo um sistema podre de tanta corrupção, e todos os partidos a discursarem em defesa do atual sistema, e não se ouve um único a levantar a voz contra o atual estado do regime, a culpa não foi 25 de abril, mas do que temos andado a fazer e o que temos andado a apoiar após essa data.

Quando vejo chegar à segunda figura do regime, alguém que se diz "tou-me a cagar para o segredo de justiça" mas que evoca a necessidade da defesa desse princípio, de forma tão conveniente, nos processos de Sócrates e Pinho, quando vejo que temos um presidente da AR que defende como ético e moral, alguém poder receber do Estado, em duplicado, um subsídio de despesa que se fez por uma vez ou que nem sequer foi feita, e que no seu discurso de hoje na AR aproveitou para não só defender os autores de tais práticas como ainda atacou quem as denunciou e quem as condenam, a culpa não é do dia 25 de abril, mas do que temos andado a fazer e a apoiar, como um povo, ao longo dos últimos 44 anos.

Quando vejo um regime que em menos de trinta anos levou o país à ruína da falência do Estado da Nação, por três vezes, e se recusam a mudar de vida ou em fazer quaisquer alterações ao atual regime e modelos de governação, o problema não esteve, não pode estar no dia 25 de abril. A culpa está no que temos andado a fazer e a apoiar após essa data.

Quando vejo um presidente da república a proferir um discurso, alertando para os perigos do populismo e dos populistas, estando esse mesmo discurso pejado de populismo, e sendo ele um dos maiores e mais exímios populistas de que neste país há memória, desde o dia 26 de abril de 74, a culpa não é de abril. Temos o presidente que escolhemos ter.

Ilustração: Henrique Monteiro
Se como alguns dizem que 25 de abril foi um erro, e o país não está contente com os resultados de abril, então porque ainda nada se retificou? Afinal, abril de 74 já lá vai há 44 anos e se foi ou é ele o culpado pela nossa atual situação, já tivemos tempo mais que suficiente, e todas as oportunidades para o podermos retificar. Por que não o fizemos então?

Não o fizemos, porque o erro não esteve nem está no dia 25 de abril. E a base dos nossos problemas também não está em abril. O erro esteve no dia 26 de abril de 74 e nos 44 anos seguintes. E são esses que não mudámos. E a base dos nossos problemas, está precisamente na ausência de vontade em querer mudar seja o que for.

Andamos há 44 anos a insistir em querer fazer sempre as mesmas coisas, e a obter sempre os mesmos resultados, mas continuamos sempre à espera que um dia gere um resultado diferente. Einstein deu o nome indicado a esta técnica: "estupidez"

Não é o dia 25 de abril que tem que ser retificado. Não foi ele que nos trouxe até aqui. Foram TODAS as escolhas que temos andado a fazer desde o dia 26 de abril de 74 que nos trouxeram a este presente. É o presente que tem que ser mudado. Não é o passado.

E é este presente, que não queremos mudar, ou são muito poucos os portugueses que o querem fazer. E isto não é culpa de abril.

Ou será que também foi culpa de abril, o Estado Novo ter caído de podre por se ter recusado a reconhecer a necessidade de mudança, e se ter recusado a proceder a essas mudanças?

Reconhecendo a necessidade abril, o que me recuso a celebrar é o atual e miserável regime, a que toda aquela agremiação, da direita à esquerda, que estava hoje sentada na AR, nos conduziu.

Celebrar abril ao lado de toda aquela gente, é continuar a branquear tudo o que aquela gente tem andado a fazer, e é estar a ser solidário com a situação a que nos conduziram.

Quem quer honestamente celebrar os valores que dizem ser os de abril, hoje em dia, já só o poderá fazer, bem longe de toda aquela corja e daquele bafio bolorento, que encheu aquela assembleia. Já só representam a podridão e o que de mais sórdido existe no atual regime.

Mas nada disto foi nem é culpa de abril. Quarenta e quatro anos, já foi tempo mais que suficiente, para termos corrigido os erros do pós abril. Mas simplesmente não o fizemos. Por culpa de quem? De abril?

Por exclusiva culpa do povo português. Mas não de abril.

Celebre-se, pois, o dia 25 de abril e indissociavelmente o dia 25 de novembro. Mas não o dia 26 de abril, e todos os restantes dias que se lhes seguiram, até aos dias de hoje...

Uma boa semana a todos os meus amigos.
Título e Texto: Rui Mendes Ferreira, Facebook, 26-4-2018

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