Manuel Villaverde Cabral
A única coisa de importante que mudou desde
que este governo tomou posse foi o tipo dos cortes realizados. Em vez de cortar
nas despesas com pessoal, cortou nas despesas de funcionamento, como a saúde
Adalberto Campos Fernandes, ministro da Saúde, foto: Global Imagens |
Dos prolixos discursos que o Presidente da República (PR) fez em Espanha, tiro
sobretudo a ideia de que ele pretendeu fazer esquecer essa frase que chegou a
pronunciar quando o BE protestou veementemente contra o bizarro anúncio do
ministro das Finanças (MF) sobre o próximo fim do défice estatal e da dívida
pública. Entretanto, o primeiro-ministro (PM) escutava em silêncio à espera de
saber quem falava por último. Perante os protestos da tal «extrema-esquerda que
não existe mais em Portugal», segundo diz o PR, este declarou alto e bom som:
«Se o orçamento para 2018 não for aprovado, a Assembleia da República (AR) será
dissolvida». O BE ouviu e nunca mais falou do assunto. O PCP nada dissera e
ficou a ver em que paravam as modas…
Era o que o PM queria ouvir.
Segundo toda a probabilidade, o BE engolirá as promessas de Centeno, pois é
fácil de ver que, no caso de a AR ser dissolvida, esse impenitente ramo da
extrema-esquerda perderia votos e se arriscava a ficar de fora da «geringonça»,
quem sabe se abrindo espaço a um discreto «bloco central» de que Rui Rio está
tão necessitado. Portanto, é de calcular que o orçamento para 2019 acabe por
passar, de acordo com a táctica do PS para as eleições legislativas de 2019. Em
resultado disso, o mais provável é que as eventuais poupanças feitas em 2018
sejam transformadas em 2019 naquele tipo de «bodo aos pobres» que Sócrates
ofereceu aos funcionários públicos há dez anos, agravando assim as
consequências da crise já em curso.
Na sua lista de maravilhas
apresentadas em Madrid, o PR reconheceu que se trataria de um «equilíbrio
difícil», mas acrescentou logo que «é possível, na Europa, ter diferentes vias
para a construção do equilíbrio financeiro». Ora, nem na Europa nem em lado
nenhum; ao contrário do que ele disse, o equilíbrio só se consegue de uma
maneira: não gastando mais do que se cobra, em suma, não matando a galinha de
ovos de ouro que são os contribuintes. Até agora, Portugal beneficiou da
limpeza parcial executada pelo anterior governo, aliás sem grandes
transformações de fundo, e da recuperação iniciada em 2015.
A partir daí, a economia
portuguesa tem aproveitado o ciclo expansivo mundial, sustentado na União
Europeia pela compra de dívida pelo Banco Europeu. Fica, porém, claramente abaixo
da média europeia, apesar do crescimento simultâneo dessa outra consequência da
expansão internacional que é o turismo. O que seria se a conjuntura não fosse
tão favorável? Ora, não são apenas os orçamentos portugueses para 2018 e 2019
que já preveem uma baixa do crescimento; são as projeções europeias.
A única coisa de substancial
que mudou na sociedade portuguesa desde que o governo atual tomou posse foram
os alvos dos cortes realizados. Em vez de se cortar nas despesas com pessoal
como durante a crise, passou-se a repor salários, pensões e bancos falidos, e a
cortar nas despesas de funcionamento, de que é exemplo a saúde pública, com o
crescimento paradoxal da iniciativa privada, através de meios como as PPPs e da
ADSE. Mas não é só na saúde. É praticamente em todas as atividades que dependem
do Estado, como acontece também na Educação, para não falar em escândalos como
os das IPSS financiadas pelo Estado.
Em contrapartida, os impostos
não param de aumentar, nomeadamente o IVA, ou seja, o mais inigualitário dos
impostos, cujo aumento relativamente ao IRS só pode agravar a desigualdade
social. Em 2016, os impostos indiretos representavam quase 5 mil milhões de
euros mais do que os diretos, quando em 2014 a diferença era apenas de 2 mil
milhões. Outro exemplo de esconde a iniquidade fiscal, equivalente a 7% da
despesa estatal, mais do que o Estado gasta na Saúde, são os impostos sobre os combustíveis.
Isto leva-nos de volta aos
tempos da fiscalidade salazarista quando o uso de automóvel era apanágio dos
«ricos» e nada tinha a ver com o seu uso atual. Basta dizer que só o gasóleo,
usado sobretudo para efeitos profissionais, aumentou 15% desde o início de 2016
com o cândido pretexto da poluição… Em suma, sob a aparência de um curto
«boom», o garrote do Estado não cessou de se apertar em torno do pescoço da
grande maioria da população, sem que entretanto tenha sido feita qualquer
reforma de fundo. Antes pelo contrário!
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador,
18-4-2018
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