Alberto Gonçalves
O problema põe-se ao contrário: a maioria
das senhoras (e dos cavalheiros, calculo) é competente o bastante para evitar a
política e deixá-la ao cuidado dos que, independentemente do sexo, não são.
“Terão os partidos mulheres
suficientes para as listas?”, aflige-se o “Diário de Notícias”. É
extraordinário. Por um lado, que, com cerca de 72 leitores (contando comigo), o
“Diário de Notícias” continue a existir. Por outro, que a misoginia vigente
insista em aumentar por decreto a “participação” feminina na política, agora
elevada a 40%.
Não é por acaso que a
“participação” leva aspas. A relativa escassez de senhoras nos partidos sempre
foi um indício da higiene daquelas e da sujidade destes. Desde tempos
imemoriais, é sabido que, com excepções tão raras quanto dignas de estudos
científicos, apenas chafurdam nesse meio criaturas rotundamente incapazes de
prestar qualquer tarefa válida à humanidade ou sequer ao condomínio lá do
prédio. Se alguém demonstra uma absoluta inaptidão para o trabalho e a vergonha
na cara, candidata-se a uma repartição das Finanças. Se nem para isso prestar,
alista-se num partido, onde poderá exibir a presunção dos simples, traficar
“ajudas de custo” e tratar juízes por “pá”. Salvo por um pequeno número de
casos perdidos, boa parte das mulheres tem mais o que fazer – sobretudo não
fazer figuras tristes. E é triste que, por obra e graça de políticos, uma
quantidade crescente de fêmeas da espécie se vejam arrastadas pela e para a
lama. Dada a ética do sector, e a necessidade de “preencher” as “quotas”,
imagino algumas convertidas sob sequestro e ameaça de navalha.
Não vou questionar o direito
de o Estado intervir nestas matérias: a pergunta seria absurda e, em Portugal,
a resposta seria ainda pior. O que é interessante – e notável, na perspectiva
do marketing – é que tamanho enxovalho seja vendido a título de “promoção” ou,
na versão épica, de avanço civilizacional. Os factos mostram exactamente o oposto.
Se o verdadeiro objectivo do exercício é a “emancipação” das mulheres, porque é
que esta não se aplica a profissões honradas? Porque é que não se impõem
“quotas” nos ofícios de carpinteiro (de limpos e de sujos), camionista (longo e
médio curso), trolha, canalizador, futebolista, guarda-nocturno, mineiro,
pedreiro, sapateiro, palhaço, etc.? Porque é que o reconhecimento da igualdade
se restringe a cargos que diminuem os titulares? Porque é a humilhação que se
pretende. Chegar a autarca, administradora pública ou ministra é das menores
proezas ao alcance do ser humano: com as “ligações” adequadas, uma grafonola
desempenharia funções idênticas com mestria e honestidade superiores.
Aliás, a confirmação de que a
“lei da paridade” visa achincalhar especificamente as mulheres está na
circunstância de não abarcar critérios “identitários” cujo achincalho é
desaconselhado pela moral vigente. Só no que respeita ao “género”, a coisa
fica-se pelo tradicional binário e esquece-se deliberada e cautelosamente do próspero
sector “trans”. Ninguém propõe a reserva de pedacinhos do Parlamento para os/as
indivíduos/as agénero (1,5%, digo eu), bigénero (1,2%), intergénero (0,8%,
obviamente), pangénero (idem), nanogénero (aqui hesito), demigénero (já me
perdi) e travesti não-binária (chiça). A razão? Ninguém ousa
ofendê-los/las/lis/los/lus.
O receio de ofensa também
explica a ausência de propostas paritárias para os restantes factores de
identidade. Para não insultar os gays, o “sistema” não arrisca bulir na
representatividade segundo a orientação sexual. Para não caluniar as religiões,
não se sugerem proporções de budistas, muçulmanos, animistas ou presbiterianos.
Para não difamar as etnias, não se enfiam à força asiáticos, negros, ciganos,
ameríndios ou esquimós nas listas das “legislativas”. Ou uma determinada porção
de boavisteiros, ceguinhos, circuncisados, flautistas, vegetarianos ou o que
quer que seja que torna a pessoa aquilo que é. Não, senhor: o único “grupo”
empurrado à força para a política é o das mulheres, um acto machista,
ressentido e quase perverso.
Para cúmulo, os adversários
das “quotas” reagem a tamanha infâmia com a lengalenga de que a maioria das
mulheres é competente o bastante para entrar na política sem ajudas ou favores
estatísticos. O problema, meus caros, põe-se ao contrário: a maioria das
senhoras (e dos cavalheiros, calculo) é competente o bastante para evitar a
política e deixá-la ao cuidado dos que, independentemente do sexo, não são.
Antes e depois do reforço percentual, a “lei da paridade” rebaixa as mulheres e
exalta os políticos – adivinhem quem a aprovou.
Nota de rodapé:
A tese dominante assegura que
os vídeos dos interrogatórios ao “eng.” Sócrates foram divulgados pelo advogado
do próprio. Talvez a tese esteja correcta. Mas se a ideia é a de que aquele
repositório de prepotência, ridículo e até alguma maluquice redime o sujeito
aos olhos dos portugueses, aconselho o “eng.” Sócrates a trocar de advogado. Ou
o advogado a trocar de “eng.” Sócrates. Ou Portugal a trocar de portugueses.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Observador,
21-4-2018
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