Rui Ramos
Tal como o PS apagou as suas
responsabilidades na bancarrota de 2011, o PSD pretende apagar as suas
responsabilidades na saída limpa de 2014. Daí os "acordos" desta
semana.
Os acordos do PSD com o PS são
um dos factos mais bizarros da política portuguesa, não em si, mas pelo realce
que o PSD decidiu dar-lhes. Entendimento para subtrair dinheiro aos alemães e
intenções sobre a “descentralização” sempre houve. Por que esta encenação?
Percebemos para que serviu ao PS, ao PCP, ao BE e até ao CDS. Mas para que
serviu ao PSD? O PS, com acordos à direita e à esquerda, é agora a “força de equilíbrio”; o PCP e o BE provaram que só eles impedem uma recaída
direitista no PS; o CDS, claro, é a única alternativa. E o PSD? Só estava a pensar em Portugal, como jurou Rui Rio?
Não, não estava. Para
compreender isso, é preciso compreender a grande questão do regime.
Chamemos-lhe a “questão da responsabilidade”. Há quase vinte anos que o país
diverge da Europa, arrastando-se entre austeridades maiores e menores. De quem
é a responsabilidade? O Partido Socialista é o suspeito mais evidente: governou
a maior parte do tempo, e quando não governou, condicionou a governação, quer
com as dificuldades que legou em 2002 e em 2011, quer com a oposição aos
ajustamentos de Ferreira Leite e de Vítor Gaspar. Mas eis o mesmo pessoal
político que chegou com Guterres e esteve com Sócrates outra vez no governo, e
de que se fala? Do tamanho da sua maioria no próximo ano. Alguém lhes pergunta
pelos PEC de 2010 e 2011? Não. Em contrapartida, toda a gente sabe que o PSD
cortou pensões e aumentou impostos. O PS nunca deu “más notícias”: Guterres
saiu antes de o país perceber o que se passava, e o memorando da troika, quando
José Sócrates teve de o apresentar, era “um bom acordo”.
Passos Coelho, pelo contrário, fez questão de não criar ilusões. Quis ser responsável – e foi responsabilizado. Porque houve austeridade em Portugal? Por causa do PSD.
Passos Coelho, pelo contrário, fez questão de não criar ilusões. Quis ser responsável – e foi responsabilizado. Porque houve austeridade em Portugal? Por causa do PSD.
A preocupação de Rui Rio não é
recuperar a “social democracia”, que foi sempre o que pôde ser, ou fazer o
Bloco Central, que ficará para o próximo resgate. É outra coisa: tal como o PS
apagou as suas responsabilidades na bancarrota de 2011, o PSD pretende apagar
as suas responsabilidades na saída limpa de 2014. Ter poupado o país ao fado da
Grécia é bom, mas melhor ainda será fazer esquecer o que teve de ser feito para
conseguir isso. E para mudar de marca, não haverá melhor truque do que tornar-se
mais um conviva na comédia de “acordos” e de “distribuições” do atual governo.
É preferível passar por “muleta do PS”, do que carregar o “odioso” das últimas
décadas.
Mas Mário Centeno? Não está
ele, com as suas resistências orçamentais, a dar um sinal de
“responsabilidade”? Não, não se trata de responsabilidade, mas apenas de medo.
Centeno, que teve esta semana o cuidado de se apresentar como um simples “agregador” das decisões dos outros, sabe que a
prosperidade, peloque deve à conjuntura, não pode continuar a ser “distribuída”, sem o risco
de catástrofes quando a conjuntura virar. Mas tendo medo, também Centeno não
deseja ter responsabilidade. Daí a austeridade dissimulada e indireta, aproveitando
a hipocrisia de Catarina Martins e de Jerónimo de Sousa, decididos desta vez a
não reparar na “destruição do Estado social”.
A economia portuguesa é uma
das que menos cresce na Europa, apesar dos juros baixos, do petróleo barato e
da enchente de turistas. Mas a oligarquia prefere fingir que “reformas” querem
dizer “salários baixos”, e dar assim à inércia uma boa consciência (quando é
precisamente a falta de reformas que obriga o país a competir com baixos
salários). A lição foi sempre clara: nunca tomes para ti as responsabilidades
que podes deixar para os outros. O PSD julga que já aprendeu.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
20-4-2018
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