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Um leitor
perguntou qual a pronúncia correta da palavra “avessas“, na
expressão “às avessas”.
Como
adjetivo, não há controvérsia
– todos pronunciamos com “ê” fechado “avesso”, seu feminino e seus plurais
(“Elas são ‘avêssas‘ ao trabalho”, por exemplo). A polêmica
é quanto ao substantivo feminino plural “avessas” (coisas contrárias), que
praticamente só se usa na expressão “às avessas”.
Esse
“avessas” é uma das palavras que se ouvem com dupla pronúncia entre falantes
cultos brasileiros – do mesmo modo que poça (de água,
por exemplo, que se pode pronunciar tanto “pôça” quanto “póça”) ou o particípio pego,
de pegar (por exemplo em “ele foi pego”, caso
em que se pode pronunciar tanto “pêgo” quanto “pégo”).
Na prática
observa-se que falantes do Rio de Janeiro, de São Paulo e dos estados da região
Sul pronunciam “às avêssas“, enquanto falantes
de Minas Gerais, Espírito Santo e de todo o Nordeste dizem “às avéssas” (Caetano
Veloso, por exemplo, canta “avéssas” – ouça aqui).
Ao
verificar o Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras, uma surpresa – para a Academia Brasileira de Letras, a
pronúncia é apenas “avêssas”:
Isso
significa que a única pronúncia correta é “avêssas“? Certamente não –
até porque, como sabemos, o Vocabulário da Academia Brasileira de Letras não tem valor oficial. E basta abrir um bom dicionário, como o tradicional dicionário Aulete,
para ver que este traz, explicitamente, a indicação da pronúncia “avéssas“,
com “é” (ver aqui).
O Houaiss e
o Aurélio não trazem indicação de pronúncia para “avessas” – mas esse
“silêncio” tende a indicar que reconhecem a pronúncia “avéssas”, já que ambos
em geral trazem a pronúncia dos substantivos terminados em -essa apenas
quando se pronunciam com ê (como condessa), e não nos pronunciados
com é (como promessa).
Em
Portugal, o tema é unânime: a única pronúncia lá existente é “avéssas”, segundo
os dicionários portugueses (Priberam, Porto Editora e o da Academia das Ciências de Lisboas,
homóloga da nossa Academia Brasileira de Letras).
O que se
conclui disso tudo? Que a pronúncia original, vinda de Portugal, é “avéssas”, e
que é a preservada ainda no Nordeste, em Minas Gerais e em outras partes do
Brasil; mas que a pronúncia culta mudou para “avêssas” pelo menos no Rio de
Janeiro, em São Paulo e nos estados do Sul (e provavelmente em áreas de
influência destes, como as áreas de colonização sulista no Centro-Oeste).
A diferença
de pronúncia leva, inclusive, a diferenças nas rimas possíveis para a palavra:
a banda paulista 5 a Seco, por exemplo, rima “avessas” com “cabeça”, exatamente como o carioca Toni Garrido.
Já a
capixaba Elisa Lucinda faz rimar “avessas” com “confessa”, enquanto
o vocalista mineiro da banda Biquíni Cavadão rima “avessas” com “promessas”.
E essa
dupla pronúncia não é errado – como visto acima, há várias palavras com dupla
pronúncia na norma culta do português, como “pôça”/”póça”.
O que não
faz sentido é a carioquíssima Academia Brasileira de Letras querer dizer que a
pronúncia carioca, que sequer é a tradicional, é a única correta. Embora
errada, na prática a ação não é tão grave porque acaba sendo apenas mais um
dos casos em que os dicionários brasileiros escolhem ignorar o que diz a Academia, mas que não deixa de ser inconveniente por ainda haver
muita gente no Brasil que acredita que a Academia (que é uma simples
organização não governamental carioca) tem poder legal ou oficial sobre a língua – o que ela não tem.
Título, Imagem e Texto: dicionarioegramatica.com,
24-8-2018
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