Luís Reis
Portugal já viveu 50 anos num regime
opressor, nivelador por baixo, redutor, anquilosado e obtuso. Só faltava agora
que nos dissessem que quem não é de esquerda come criancinhas ao
pequeno-almoço.
Que a esquerda se arroga um estatuto de superioridade moral e de exclusivo da ética e da retidão não é novidade para ninguém. Trata-se de um tique de natureza quase ontológica, que identifica, de forma maniqueísta e primária, a virtude com a esquerda e a direita com o vício.
Na minha infância, dizia-se
por aí que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses e que quem
não era do Benfica não era bom chefe de família e outras frases de efeito
mais conjecturadas pela propaganda salazarista. Mas os meus pais
ensinaram-me que não era bem assim…
Agora, a esquerda quer
governar-nos (como governa) destrinçando no seu rebanho entre cultos/não
cultos, dignos/indignos, bons/maus, consoante sejam de esquerda ou não sejam.
Quem não é de esquerda não
aprecia música clássica.
Quem não é de esquerda não gosta de arte contemporânea. Quem não é de esquerda não vai a concertos nem a exposições nem a bailados nem ao teatro.
Quem não é de esquerda não lê livros e não gosta dos animais e cospe para o chão, naturalmente.
Esta cartilha de
generalizações e anátemas infantilizantes tem encontrado nos últimos anos, por
razões óbvias, um terreno particularmente favorável à sua propagação.
Mas, quando eu pensava já ter
visto tudo… Eis que vem o processo do ex-Presidente Lula, no Brasil que
convocou, da parte da esquerda, a ingerência por “razões justas” como novo
princípio a nortear a diplomacia, especialmente entre países “irmãos”; e eis
como se repartem as águas, subitamente e sem nenhum pudor, também no campo
internacional, entre um regime bom e virtuoso e um regime mau e corrupto – o
primeiro é de esquerda, o segundo é naturalmente de direita. (E, entretanto,
por entre as loas à democracia avançada e próspera da Venezuela e ao
branqueamento dos regimes de Cuba e da Coreia do Norte, eis que desapareceu o
princípio da não-ingerência em assuntos de “países soberanos”).
E aqui vale tudo, desde chamar
aos opositores de Lula da Silva “direita fascista” até organizar manifestações
a favor da sua liberdade, qual perseguido político e ideológico que incumbe à
comunidade internacional soltar do jugo totalitário! Mais uma vez – com
desprezo completo pela democracia brasileira, pelas suas instituições, pelas
suas leis (tão próximas das nossas) e pelos seus cidadãos. Vale mesmo tudo.
Note-se que isso não é de
estranhar, se considerarmos as palavras de um dos mais eminentes teóricos e
divulgadores da diabolização da direita e da correspondente idealização
angelical da esquerda – Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de
Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
O eminente professor ensina o
povo, no âmbito da investigação que faz e dirige graças ao financiamento
público, que quem é de esquerda “luta contra a desigualdade e a discriminação
sociais”, defende “o pluralismo, tanto nos media como na economia, na educação
e na cultura”, é a favor da “democratização do Estado por via de valores
republicanos, participação cidadã e independência das instituições, em
especial, do sistema judicial” e apela à “resolução pacífica dos conflitos
internos e internacionais”.
E quem é de direita, o que
pensa? O que defende? O que propõe? É simples, ensina aquele mestre: “ser de
direita é ser contra todos ou a grande maioria destes objetivos” (sic).
Posto isto, eu, que não sou de
esquerda, e por isso não ouço música, não vou ao teatro, não vejo cinema e
desprezo a cultura, remeto-me à minha insignificância.
O que sobra para mim – para
nós –, por não ser de esquerda? Apenas, suponho, as touradas e o fado marialva…
Convém lembrar que vivemos já
50 anos num regime opressor, nivelador por baixo, redutor, anquilosado e
obtuso.
Só faltava agora que nos
dissessem que quem não é de esquerda come criancinhas ao pequeno-almoço.
Título e Texto: Luís Reis, Observador,
20-4-2018
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