Diana
Soller
Não creio que o Ocidente volte, pelo menos
tão cedo, a ser a comunidade das democracias que foi até há pouco tempo. Mas
parece ter encontrado um mínimo denominador comum para voltar a reconstruir-se.
O episódio do atentado ao
ex-espião Serguei Skripal e o recente ataque com armas químicas em Douma
desencadearam um mesmo argumento por parte de todos os que se opuseram às
reações do Ocidente: que não há provas nem que tenha sido a Rússia a praticar o
atentado, nem que tenha sido o regime de Bashar Al-Assad a lançar o ataque
químico.
A verdade é que poucas
situações em política internacional vêm com provas concretas e conclusivas. Não
sei se será este o caso: ainda estamos à espera dos resultados forenses da
Grã-Bretanha, e não foi autorizado, até agora, o envio de uma comissão
independente para avaliar o que aconteceu em Douma, apesar dos esforços das
Nações Unidas.
O que nos leva a três
argumentos. O primeiro, é que nas relações internacionais é muito raro haver
informação perfeita. Há séculos que os países usam do segredo de estado para
terem uma política externa eficaz e que defenda os interesses das suas
populações.
O segundo argumento é que,
para tomar as suas decisões com informação imperfeita, os estados usam uma
ferramenta tão velhinha quanto a história da humanidade: a avaliação do
comportamento dos outros estados. Aqui, fixo-me na questão Síria para não
repetir argumentos de artigos anteriores. Em primeiro lugar, o regime de Bashar
Al-Assad já usou armas químicas contra a sua população. A última vez tinha sido
em abril do ano passado em Khan Cheikhoun, e não me lembro de tão grande
alarido quando os Estados Unidos puniram a Síria pelo que tinha acontecido.
Aliás, importa lembrar que
Barack Obama traçou uma linha vermelha – precisamente no que respeita ao uso de
armas químicas – e prometeu intervir caso esta fosse ultrapassada. Não chegou a
fazê-lo porque a Rússia se responsabilizou pela pacificação da região, o que
não aconteceu até agora. Pelo contrário: hoje a Síria é uma guerra com várias
frentes, onde se jogam interesses, influências e rivalidades internacionais,
regionais, nacionalistas, religiosas e terroristas.
Em segundo lugar, as Nações
Unidas tentaram evitar um novo ataque punitivo – desta vez por parte dos EUA,
da Grã-Bretanha e da França – ao propor o envio de uma comissão independente
para o terreno, como foi referido acima. Os peritos ficaram em terra, porque a
Rússia (apenas acompanhada pela Bolívia, um membro não-permanente do Conselho
de Segurança) vetou esta proposta. Nem Moscovo nem Damasco têm cumprido as
normas internacionais e a passividade da comunidade internacional só os
incitaria a que se mantivessem nesse caminho. É o comportamento dos estados
infratores – que tem vários exemplos similares no passado recente – que torna
todas as suspeitas legítimas.
Em terceiro lugar, os dois
casos – Skripal e Douma – mostraram uma união que já há algum tempo não se via
entre países do Ocidente. Todas as grandes potências se uniram nesta dupla
causa de conter a Rússia e a Síria. Não tenho ilusões que, com os problemas que
atravessa e devido às ideias de alguns líderes de estados-chave, o Ocidente não
voltará, pelo menos tão cedo, a ser a comunidade das democracias que foi até há
pouco tempo. Mas parece ter encontrado um mínimo denominador comum para
recomeçar a reconstruir-se. Não se trata de uma nova Guerra Fria, lá porque a
Rússia é o estado que está do outro lado da barricada. O elemento fundamental é
o acordo à volta de um conjunto de valores – a rejeição da violação do direito
internacional, a não permissão de passagem de linhas vermelhas e um consenso
relativamente à Convenção de Genebra (o velhinho guia dos direitos humanos em
tempos de guerra). É cedo para saber que caminho estes novos consensos tomarão.
Mas não deixa, por isso, de ser um passo positivo.
Título e Texto: Diana Soller, Observador, 18-4-2018
Título e Texto: Diana Soller, Observador, 18-4-2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-