(Clovis Rossi - Folha de
S.Paulo, 26)
1. Que a esquerda está em crise em boa parte do mundo não chega a
ser uma grande novidade. Novidade é que significativa parcela do mais
importante partido da esquerda brasileira, o PT, esteja contribuindo para esse
cenário geral de crise com uma forte pitada de ridículo. Se a única ideia que
os petistas podem oferecer é essa estupidez de acrescentar "Lula" ao
nome, é melhor chamar o Tiririca para substituir a Gleisi Hoffmann na
presidência do partido. Palhaçada por palhaçada, fiquemos com quem é mais
autêntico.
2. Idiotice à parte, passemos a uma crítica fulminante à esquerda
vinda de um acadêmico, Wanderley Guilherme dos Santos, de impecáveis
credenciais esquerdistas e um propagandista entusiasmado do governo Lula.
"Esse é um mundo no qual a esquerda do século XX não tem mais lugar. Por
isso toda esquerda no mundo hoje é obsoleta, conservadora e reacionária. Ela se
organizou em termos de pensamento e ação no século XIX para concorrer com o
liberalismo em termos de imaginário futuro de organização social.
3. O liberalismo oferecia o progresso, a esquerda oferecia a
revolução pela ruptura. A queda do muro de Berlim destruiu esse projeto
alternativo. A esquerda desde então tem estado na defensiva e não é à toa que
sua palavra de ordem seja resistência", escreveu esse cientista social
para o último número de 2017 da trimestral revista Inteligência.
4. Sou obrigado a concordar com ele, até porque já escrevi inúmeras
vezes que a esquerda —não só a brasileira — não conseguiu ainda sair dos
escombros do muro de Berlim, mesmo passados quase 30 anos da queda. Foi também
o fim do comunismo e é intrigante que mesmo a esquerda que não comungava com o
comunismo soviético tenha se ressentido.
5. Se a obsolescência da esquerda tivesse provocado apenas a
ascensão de uma direita civilizada, não haveria grandes problemas. Veja-se o
Chile: a esquerdista Michelle Bachelet dá lugar ao direitista Sebastián Piñera,
que, quatro anos depois, devolve a cadeira a Bachelet para que ela a entregue,
após outros quatro anos, a Piñera. E o Chile vai em frente, tropeçando às
vezes, mas sem uma crise tremenda como a que devorou o Brasil e ainda se faz
sentir.
6. O problema é que o vácuo deixado pela esquerda foi preenchido
pela extrema-direita, como escreve Dani Rodrik, um heterodoxo professor de
economia política internacional na Escola de Governo John F. Kennedy, da
mitológica Harvard: "Tivessem os partidos políticos, particularmente os de
centro-esquerda, perseguido uma agenda mais ousada, talvez o crescimento de
movimentos de direita, nativistas [nacionalistas], pudesse ter sido
evitado".
7. O raciocínio parece correto, mas o problema é que nem a direita
(civilizada) nem a esquerda puseram de pé até agora uma agenda capaz de
contrapor-se "às queixas que autocratas populistas exploraram com sucesso
—desigualdade e ansiedade econômica, a percepção de declínio do status social e
o abismo entre as elites e os cidadãos comuns", para citar de novo Rodrik.
8. A esquerda brasileira acha mesmo que pôr "Lula" no
nome é uma agenda suficiente?
Título e Texto: Cesar Maia, 27-4-2018
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